PICICA: É curioso que mesmo entre os críticos da Política Nacional de Saúde Mental raramente se mencionam os Centros de Convivência como integrantes da rede substitutiva ao manicômio. Maior é a visibilidade dada à necessidade de ampliação da rede de CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). Sobre o que acontece pós-CAPS, e que diz respeito à existência de Centro de Convivência, quase nada se fala. Este último, quando muito, costuma ser debatido nas Conferências de Saúde Mental e olhe lá! Se já é precária a linha de financiamento para os CAPS, inexistem recursos para a implantação dos Centros de Convivência, que em Manaus, por ignorância e conveniência, costumam ser confundidos com os que existem para uso da população. Seria ingenuidade supor o uso democrático desse espaço. Ninguém quer conversa com 'doido'. Ademais o público da saúde mental tem características muito singulares. Por isso mesmo merece um espaço próprio para programas de geração de renda e práticas de cultura e lazer. Vamos a um exemplo doméstico. Até dois anos atrás, o CAPS da zona Norte de Manaus, que está sob a responsabilidade do governo estadual, reinou soberano entre 2006 a 2010, recebeu naquele período, mais de 3.000 usuários. Em atendimento, pouco mais de 300 pessoas. Os demais receberam alta e voltaram para casa, apenas com 'direito' a renovar a prescrição médica, sem qualquer outro tipo de atenção psicossocial. É aqui que entram os CENTROS DE CONVIVÊNCIA, no pós-CAPS, para que não sobrevenham recidivas, e, sobretudo, para melhorar a qualidade de vida de 'pessoas-sujeitas-a-entrar-em-transe'. Ou seja, um enorme contigente de pessoas ficam sujeitas ao mal estar provocado pela solidão e o desinteresse social. Um bom Centro de Convivência reduziria os custos com internações provocadas por crises; crises que quase sempre envolvem o abandono e a indiferença. Ou é desconhecido que parte dos 'loucos' moram sozinhos ou em 'puxadinhos' em fundo de quintal? O êxito da experiência com o PROJETO NÓS & VOZ (projeto de extensão da Universidade do Estado do Amazonas, que envolve a sociedade civil e parceiros institucionais) - projeto de inclusão social de pessoas com transtorno mental e pessoas com deficiência mental -, em que atuo como coordenador técnico, me credencia a afirmar que iniciativas semelhantes poderiam evitar gastos desnecessários ao investir na recomposição dos laços sociais da sociedade com a 'loucura', mediante projetos de geração de renda, atividades de lazer e cultura. Só na zona Norte de Manaus, até 2010 mais de duas mil pessoas ficaram a descoberto, face não só a exiguadade do números de CAPS em Manaus, mas pela absoluta inexistência de Centros de Convivência. Esse número ainda tende a crescer até se manter numa incômoda estabilidade. EM TEMPO: Sobre o texto abaixo, o autor deixou de considerar que os relatórios do Ministério da Saúde, através da sua Coordenação Nacional de Saúde Mental, nunca deixaram de ser 'ideológicos'.
Avaliação dos Hospitais Psiquiátricos de todo Brasil
O conteúdo Ação Nacional de Avaliação dos Hospitais Psiquiátricos está sendo divulgado aqui em primeira mão. A coleta dos dados foi em meados de 2011, toda a ação foi realizada pelo Sistena Nacional de Auditoria e a Área técnica de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Como já imaginei que estivesse concluído solicitei diretamente ao DENASUS (Departamento Nacional de Auditoria do SUS) e foi enviado-me. Não sei porque ainda não foi disponibilizado em algum site oficial. É documento importante, pois pode nortear decisões do Ministério da Saúde.
Considero o relatório frustrante, limitou-se a fazer uma fotografia daquilo que já imaginávamos, ou tínhamos ciência de modo indireto trabalhando na área. De qualquer forma formaliza a situação precária dos Hospitais Psiquiátricos brasileiros, cobra medidas das próprias instituições mas não aponta que entre os principais motivos para precários índices da qualidade da atenção está o mal financiamento que o próprio governo impõe através da surrada tabela SUS.
Em média um hospital psiquiátrico recebe do ministério da saúde cerca de R$1300,00 (podendo ser menos, caso hospital grande) por mês, por paciente para manter o tratamento incluindo as medicações, manutenção da estrutura física, recursos humanos e alimentação, estimativas das instituições dão conta que seria necessário pelo menos o dobro desse valor para oferecer um tratamento com o mínimo de condições para reabilitação.
A avaliação conta com algumas recomendações que aparecem nos rodapés das folhas.
Sigo apontando o que chamou-me atenção na avaliação
O estado de São Paulo abriga 29% dos hospitais psiquiátricos do Brasil.
Os estados do Acre, Amazonas, Pará, Piauí e Distrito Federal contam com apenas um hospital psiquiátrico.
A avaliação vem com uma recomendação para que as regiões Sul e Sudeste reduzam os “leitos psquiátricos”, conforme preconiza a atual Política Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Não faz diferenciação quanto a leitos psiquiátricos em hospital geral. Considero essa recomendação fora de sintonia quanto as demandas da saúde pública brasileira.
Quanto a leitos psiquiátricos para crianças e adolescentes há no Brasil 344 leitos, sendo que só no estado do Paraná são 150. Apesar disso há recomendação para ampliar tratamentos comunitários e pasmem, redução de leitos.
O relatório faz crítica a permanência de pacientes a mais de um ano nos hospitais e recomenda instalação de novos serviços de residência terapêutica (SRT), vale lembrar que nem todos os pacientes que não tem para onde ser encaminhados podem ser encaminhados para SRT, o próprio quadro psíquico as vezes não permite. Trabalhei com residência terapêutica, sei o que estou falando.
As regiões Norte e Centro Oeste apresentaram os piores indicadores estruturais, aqueles que apontam as instalações dos hospitais psiquiátricos. O Sul e o Sudeste os melhores.
Das 189 instituições avaliadas 81% apresentam inadequações na relação entre profissionais de saúde e leitos hospitalares em desacordo com os parâmetros estabelecidos na Portaria GM/MS251/2002, ou seja, a maioria dos hospitais tem poucos profissionais cuidando de muitos pacientes.
Dos 189 hospitais visitados 58% apresentam inadequações quanto a área física, armazenamento de alimentos e rotinas de trabalho.
Das instituições avaliadas 20% apresentam inadequações no controle de qualidade da água e tratamento do lixo (saneamento).
Das instituições avaliadas 79% apresentam algum tipo de inadequação em relação ás ações de vacinação e controle de doenças transmissíveis.
Entre janeiro de 2010 e junho de 2011 houve 1250 óbitos em em 176 hospitais psiquiátricos, a maioria foi homem e em 50,3% das certidões de óbitos constava “causas mal definidas”. Essa porcentagem é inaceitável, uma morte dentro de um hospital deve sempre investigada para definição da causa.
O relatório salienta estatísticas desfavoráveis ao estado de São Paulo afirmando que “proporcionalmente” há mais mortes nos hospitais do estado, porém não leva em conta o número total de internações do estado no período, os dados não são relativos.
A avaliação recomenda a municipalização da gestão, entretanto esse movimento abre brechas para jogo político municipal que é muito mais difícil de fazer acordos justos do que quando está na gestão estadual.
Considerei que a avaliação está com grande viés ideológico, dando enfase a estatísticas negativas dos hospitais privados, procura demonizar a gestão privada, mas não vai ao ponto crucial que é o financiamento.
Considero que o modelo hospitalocêntrico do tratamento psiquiátrico é algo nefasto mas que o Brasil já superou. Hoje quem trabalha na saúde mental sabe das dificuldades para internar, mesmo quando esgotadas os recursos dos serviços ditos “comunitários”. A pauta da luta para melhoria da qualidade da atenção em saúde mental deveria estar: na implantação de leitos psiquiátricos em hospital geral, na qualificação dos CAPS e outros serviços extra hospitalares e na melhoria do financiamento dos leitos psiquiátricos.
Não entendo a Política Nacional de Saúde Mental afirmar que briga tanto para um tratamento mais humanitário e não demonstra movimento para melhorar o financiamento dos leitos provocando, ela mesma, um tratamento mais precário nos hospitais psiquiátricos.
Aproveito também para questionar o fato dos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, que não entraram nessa avaliação, não receberem nem a verba do SUS, o Ministério da Saúde não os credencia, levando-os a situação de precarização maior ainda, tema para outro debate, ainda mais inquietante.
gavinier@gmail.com
@leandrogavinier
Fonte: Observatório Político
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