PICICA: "Este ensaio é um trabalho
importante, original e instigante. Jean Tible não só domina
perfeitamente toda a literatura sobre a questão – Theodor Shanin, Kevin
Anderson, Lawrence Krader, Maximilien Rubel, Miguel Abensour, etc –, mas
apresenta aspectos novos da discussão, buscando confrontar Marx com a
América indígena. Partindo das reflexões de José Carlos Mariategui – o
primeiro encontro do marxismo e do indigenismo – sobre o ‘comunismo
inca’, e sobre as tradições comunitárias indígenas, ele nos faz
descobrir um ‘Marx selvagem’. Isto é, um Marx e Engels interessados,
graças a suas leituras de Lewis Morgan, Joahnn Bachofen, Georg Maurer e
outros, pelo ‘comunismo primitivo’, pela Confederação dos Iroqueses e
pela comuna rural russa. Se trata, eu diria, de um Marx ‘romântico’ –
que escapa dos limites estreitos das ortodoxias marxistas posteriories
–, um Marx que se refere às formações sociais ‘arcaicas’, pré-modernas,
para criticar a deshumanidade do capitalismo e para pensar um futuro
comunista. A análise da evolução de Marx, a partir de posições
eurocêntricas, em direção a uma crescente abertura ao ‘Outro’, me parece
bastante convincente. Igualmente interessante, e muito inovadora, é a
comparação entre Clastres e Marx, buscando a convergências, mas sem
ocultar as óbvias diferenças. Existe com efeito, como bem aponta Miguel
Abensour, um ‘Marx libertário’: um fio condutor anti-estatista atravessa
sua obra, desde a crítica à filosofia do direito de Hegel, em 1843, até
os escritos sobre a Comuna de Paris, de 1871. Mas até agora não se
havia tentado confrontar esta dimensão do pensamento marxiano com a
antropologia anarquista de Clastres."
Marx e os povos 'selvagens'
No dia 15 de novembro,
sexta-feira, às 18h no Tea(t)ro Oficina em São Paulo, ocorrerá um debate
aberto sobre o livro Marx Selvagem de Jean Tible, seguido de
celebração.
No debate estarão
presentes: Joaquim Soriano, Giuseppe Cocco, Toni Negri, Laymert Garcia
dos Santos, Bianca Santana, Zé Celso e muitos outros.
Compareça.
Tea(t)ro Oficina
Rua Jaceguai, 520
São Paulo, SP
Bixiga
11. 3104.0678
PREFÁCIO
A Marx Selvagem
Este ensaio é um trabalho
importante, original e instigante. Jean Tible não só domina
perfeitamente toda a literatura sobre a questão – Theodor Shanin, Kevin
Anderson, Lawrence Krader, Maximilien Rubel, Miguel Abensour, etc –, mas
apresenta aspectos novos da discussão, buscando confrontar Marx com a
América indígena. Partindo das reflexões de José Carlos Mariategui – o
primeiro encontro do marxismo e do indigenismo – sobre o ‘comunismo
inca’, e sobre as tradições comunitárias indígenas, ele nos faz
descobrir um ‘Marx selvagem’. Isto é, um Marx e Engels interessados,
graças a suas leituras de Lewis Morgan, Joahnn Bachofen, Georg Maurer e
outros, pelo ‘comunismo primitivo’, pela Confederação dos Iroqueses e
pela comuna rural russa. Se trata, eu diria, de um Marx ‘romântico’ –
que escapa dos limites estreitos das ortodoxias marxistas posteriories
–, um Marx que se refere às formações sociais ‘arcaicas’, pré-modernas,
para criticar a deshumanidade do capitalismo e para pensar um futuro
comunista. A análise da evolução de Marx, a partir de posições
eurocêntricas, em direção a uma crescente abertura ao ‘Outro’, me parece
bastante convincente. Igualmente interessante, e muito inovadora, é a
comparação entre Clastres e Marx, buscando a convergências, mas sem
ocultar as óbvias diferenças. Existe com efeito, como bem aponta Miguel
Abensour, um ‘Marx libertário’: um fio condutor anti-estatista atravessa
sua obra, desde a crítica à filosofia do direito de Hegel, em 1843, até
os escritos sobre a Comuna de Paris, de 1871. Mas até agora não se
havia tentado confrontar esta dimensão do pensamento marxiano com a
antropologia anarquista de Clastres.
Acho as colocações do Davi
Kopenawa, inspiradas por sua experiência de luta, muito dignas e
sugestivas. Mas confesso que sou bastante cético em relação às
especulações do senhor Viveiros de Castro e seu ‘perspectivismo
conceitual amazônico’. As críticas que avança Jean Tible ao
eurocentrismo dos primeiros escritos de Marx são interessantes, mas os
ataques a Marx de Viveiros de Castro me parecem fora de foco e pouco
pertinentes…
Ficou faltando uma discussão mais
aprofundada da questão ecológica, a relação indígena com a natureza como
paradigma ecológico alternativo ao capitalismo; neste contexto, as
lutas indígenas contra o agro-negócio, as multinacionais minenadoras,
etc, são exemplos importantíssimos de movimentos socioecológicos
anticapitalistas. As comunidades indígenas no Brasil e na América Latina
se encontram na primeira linha da luta em defesa da Natureza. Não só
por suas mobilizações locais para proteger os rios e as florestas,
contra os projetos faraônicos dos Estados (Belo Monte!) e contra a
intervenção ecocida das multinacionais petroleiras e minenadoras, mas
também por sua proposta de um modo de vida alternativo ao capitalismo
neoliberal globalizado: o Sumak Kawsay (Viver Bem). Estas lutas
são antes de tudo indígenas, mas elas se desenvolvem frequentemente em
aliança com os camponeses sem terra, os ecologistas, os socialistas, as
comunidades de base cristãs, com o apoio de sindicatos, partidos de
esquerda, pastorais da terra e pastorais indígenas da Igreja.
A dinâmica expansiva do capital
exige a transformação em mercadoria de todos os bens comuns naturais, o
que conduz, com uma rapidez crscente, à destruição do meio ambiente. As
zonas petroleiras da América Latina, abandonadas por multinacionais
depois de anos de exploração, são envenenadas e poluídas, deixando uma
triste herança de doenças entre os habitantes. É, portanto,
perfeitamente compreensivel que as populações indígenas, que vivem em
contato direto com a Natureza, serem as primeiras vítimas deste
ecocídios, e tentarem se opor, às vezes com sucesso, à expansão
destruidora do capital.
Estas resistências indígenas têm
motivações muito concretas e imediatas – salvar suas florestas ou suas
fontes de água – em um batalha pela sobrevivência. Mas elas
correspondem também a um antagonismo profundo entre a cultura, o modo de
vida, a espiritualidade e os valores destas comunidades, e o ‘espírito
do capitalismo’ tal como o definiram Karl Marx e Max Weber: a submissão
de toda atividade ao cálculo do lucro, a rentabilidade como único
critério, a quantificação e reificação (Versachlichung)
de todas as relações sociais. Entre a ética indígena e o espírito do
capitalismo existe uma espécie de ‘afinidade negativa’ – o contrario da
afinidade eletiva de que falava Weber entre a ética protestante
calvinista e o espírito do capitalismo –, uma oposição sociocultural
profunda. Certo, podemos encontrar comunidades indígenas, ou mestiças,
que se adaptam ao sistema, e tentam utilizá-lo em seu proveito. Mas
temos de reconhecer que sempre existiu, e nas últimas décadas mais do
que nunca, uma série ininterrupta de conflitos entre as populações
indígenas e as empresas agrícolas ou mineradoras do capitalismo moderno.
O belo livro de Jean Tible nos permite entender, à luz de Marx e de José Carlos Mariategui, as razões deste conflito permanente.
Michael Löwy
(Sociólogo e diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique)
Serviço:
Marx selvagem
Jean Tible
Formato 16x23 cm, 228 páginas
ISBN 978-85-391-0572-4
Coleção Políticas da Multidão
Fonte: Annablume Editora
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