PICICA: "Para professor da rede municipal, agitação entre profissionais da
educação continua escalando em função do desprezo com que são tratadas
suas demandas pelos governos e, por vezes, pelo próprio sindicato."
Educação no Rio: entre a luta tradicional e a greve selvagem
27/11/2013
Por Silvio Pedrosa
Por Silvio Pedrosa
Para professor da rede municipal, agitação entre profissionais da educação continua escalando em função do desprezo com que são tratadas suas demandas pelos governos e, por vezes, pelo próprio sindicato.
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O movimento dos trabalhadores da educação no Rio de Janeiro: entre a luta tradicional e a greve selvagem
Nas
ruas do Rio de Janeiro, ainda é possível topar com muros, postes e
portões onde se veem afixados adesivos com as inscrições ‘Fora Cabral,
vá com Paes’ ou ‘Educação em greve’. São indícios do movimento grevista
que tomou conta da capital fluminense nos últimos meses de agosto,
setembro e outubro e que foi capaz de tensionar os poderes constituídos,
enunciando com clareza sua pauta antiprivatista, antimeritocrática, em
suma, seu caráter antineoliberal. Os adesivos, no entanto, não são
capazes de transmitir a natureza completamente extraordinária que a
greve atingiu, principalmente após a radicalização de fins de setembro,
início de outubro.
Iniciado
ainda no início de agosto, o movimento conseguiu atingir fortes níveis
de mobilização das categorias envolvidas com o trabalho escolar
(professores, inspetores, cozinheiros, etc.) – na educação municipal – e
num dos seus primeiros atos teria sido capaz de impressionar a todos,
colocando 15 mil pessoas nas ruas, não estivéssemos ainda todos tão
impressionados com as jornadas de junho. Os atos dos educadores
continuaram, intermitentes, durante mais alguns dias e o poder
executivo, antes infenso a qualquer negociação com os trabalhadores, foi
obrigado a ceder, reunindo-se com o representantes do sindicato da
categoria, o SEPE.
Logo
na primeira negociação, foi fechado um acordo prevendo aumentos
salariais. O poder constituído cedia anéis para não perder os dedos:
frente a uma forte mobilização, procurava manter intacta a ideologia
neoliberal que anima o projeto educacional da prefeitura peemedebista. A
pressão da cúpula sindical para que o acordo fosse fechado e a greve
encerrada era o prenúncio do que viria pela frente, mas as categorias
foram capazes de sustentar a greve contra a burocracia do sindicato
durante duas semanas, quando o retorno sob ‘estado de greve’ foi
acordado. Aguardava-se a proposta da prefeitura, a respeito da grande
demanda dos trabalhadores: a aprovação de um plano de carreira, cargos e
remuneração (PCCR) que garantisse condições melhores de trabalho (carga
horária compatível com a boa preparação das aulas, maior valorização da
qualificação profissional, entre outros pontos). Enquanto isso, o
governo do estado, bem ao seu estilo, era insensível às demandas,
respondendo na forma como parece conceber a resolução de todo e qualquer
problema social e político: para responder à ocupação da sede da
secretaria estadual de educação, enviou a polícia militar para espancar
os ocupantes.
Após
alguns dias da volta ao trabalho, entretanto, os grevistas da educação
municipal foram surpreendidos por um PCCR radicalmente neoliberal. O
poder executivo redigira um projeto que consolidava as modificações que
vinham sendo operadas na educação do município. A situação de fato transformava-se em situação de jure.
A radicalização da ofensiva neoliberal por parte da prefeitura
provocaria, a partir desse momento, uma radicalização dos professores
que, imediatamente, retornaram à greve e ocuparam o palácio Pedro
Ernesto, sede da câmara municipal do município, onde seria votado o
projeto e aonde a enorme base governista já havia sido articulada para
tratorar qualquer oposição.
A
desocupação violenta, operada pela tropa de choque, promovida pelo
consórcio peemedebista empossado no estado e no município – e feita de
forma completamente arbitrária, sem qualquer ordem legal – promoveria,
no fim de setembro, um encontro pujante: os trabalhadores da educação
expulsos das galerias da câmara seriam socorridos pelos ativistas do
OcupaCâmara e por praticantes da tática black bloc.
Os
movimentos autonomistas que, desde junho, vinham sacudindo vários
pontos da cidade, deixando o poder constituído completamente de joelhos e
explodindo o consenso da pacificação olímpica, compraram a briga dos
professores que, por sua vez, organizaram-se num bloco de defesa dos
black blocs. Ocorria ali um agenciamento inesperado e, por isso mesmo,
potentíssimo: black profes eram o signo de que a pedagogia da multidão processava uma autoformação política, forjada na luta.
Os
acontecimentos (no sentido forte do termo) se sucederam: a batalha da
Cinelândia – quando ativistas e professores, durante dez horas,
combateram a PM e a tropa de choque nas ruas do centro da cidade – ,
ocorrida no dia em que o estado de exceção ampliado do consenso olímpico
se materializou com a votação do PCCR (feita com a câmara cercada e ao
som das bombas da repressão), deu ensejo a uma gigantesca mobilização
multitudinária organizada em defesa dos grevistas. A manifestação do 7
de outubro (7-O) colocou mais de 100 mil pessoas nas ruas e o
sobressalto das elites foi patente. Frente a uma multidão que
radicalizava o movimento de junho, extirpando os resíduos moralistas,
governos e imprensa responderam como avestruzes: enfiaram a cabeça na
terra. Não sem antes gritar contra o ‘vandalismo’ e a ‘baderna’,
promovendo editoriais, respondidos, como num balé, com promessas de
aplicação de maior rigor aos ‘vândalos’.
O
15 de outubro (Dia dos Professores) aparecia no horizonte como data
promissora para mais uma demonstração da multidão. O que se confirmou:
novamente dezenas de milhares de pessoas tomaram o centro da cidade.
Mas, ali, o poder já havia mobilizado todos os seus tentáculos mais
extremos. Invocara, inclusive, o próprio sindicato (recheados de membros
da ‘esquerda partidária’) a abrir caminho para a repressão, sendo
prontamente atendido: a greve selvagem,
completamente à margem das vontades da cúpula de burocratas do
sindicalismo, tensionava os limites de uma esquerda que, a despeito de
se dizer ‘radical’, insiste em jogar o jogo nos limites do possível,
imitando as práticas e o discurso pacificador do poder. Mais de 200
ativistas foram presos única e exclusivamente por estarem sentados na
escadaria da câmara, numa imagem que evoca o que de pior produziram as
ditaduras do cone sul. Mais de 70 deles foram enviados, ao arrepio do
estado de direito, a presídios de segurança máxima, como o de Bangu, sob
acusações como a de participar de organizações criminosas. Foram
enquadrados numa lei criada para combater milicianos, justamente aqueles
contra quem dão aguerrido combate, mirando seus prepostos nos poderes
municipal e estadual.
Alguns
dias depois, após pactuar, em reunião no STF, em Brasília, com os
executivos, a cúpula do sindicato operou sórdido golpe (na assembleia da
greve municipal, foram promovidas três votações, encerrando-as apenas
quando a continuidade da greve foi derrotada) para encerrar as greves do
estado e do município.
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