PICICA: "O que fazer diante da falta de
planejamento urbano em seu território? Exemplo da falta de urbanidade
está no bairro Cidade de Deus, em Manaus, fruto de ocupação na década de
90. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), o bairro é a 10ª maior favela do Brasil. E não difere dos 15,7%
dos domicílios de Manaus que estão em favelas. A cidade tem 295.910
pessoas vivendo nestas áreas, e ocupa a 8ª posição dentre as capitais
brasileiras com o maior número de domicílios em “aglomerados
subnormais”. Em Manaus, ¼ da população vive em assentamentos precários, o
que corresponde a 25,89% de sua população.
No artigo “A (des) construção da cidade:
assentamentos subnormais na cidade de Manaus”, o assessor do Fórum
Amazonense de Reforma Urbana e Membro da Coordenação do Fórum Nacional
de Reforma Urbana, Adnamar Mota dos Santos, analisa o processo histórico
de ocupação do território da capital amazonense, caracterizado por
ocupações irregulares (invasões) e pela co-responsabilidade do Estado –
principal indutor da exclusão social no território urbano."
A (des) construção da cidade: ¼ da população de Manaus vive em favelas
O
que fazer diante da falta de planejamento urbano em seu território?
Exemplo da falta de urbanidade está no bairro Cidade de Deus, em Manaus,
fruto de ocupação na década de 90. Segundo dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o bairro é a 10ª maior
favela do Brasil. E não difere dos 15,7% dos domicílios de Manaus que
estão em favelas. A cidade tem 295.910 pessoas vivendo nestas áreas, e
ocupa a 8ª posição dentre as capitais brasileiras com o maior número de
domicílios em “aglomerados subnormais”. Em Manaus, ¼ da população vive
em assentamentos precários, o que corresponde a 25,89% de sua população.
No artigo “A (des) construção da cidade:
assentamentos subnormais na cidade de Manaus”, o assessor do Fórum
Amazonense de Reforma Urbana e Membro da Coordenação do Fórum Nacional
de Reforma Urbana, Adnamar Mota dos Santos, analisa o processo histórico
de ocupação do território da capital amazonense, caracterizado por
ocupações irregulares (invasões) e pela co-responsabilidade do Estado –
principal indutor da exclusão social no território urbano.
A (des) construção da cidade: assentamentos subnormais na cidade de Manaus
Adnamar Mota dos Santos¹
A generalização das favelas é o
principal tema do relatório “O desafio das favelas”, relatório histórico
e sombrio, publicado em outubro de 2003 pelo Programa de Assentamentos
Humanos das Nações Unidas (UN-Habitat). O referido documento é fruto da
colaboração de mais de cem pesquisadores e revela as condições de vida
de favelas no mundo globalizado (DAVIS, 2006, p. 31).
A primeira definição para favela vem da
palavra inglesa slum, e foi publicada no Vocabulary of the Flash
Language [vocabulário da linguagem vulgar], em 1812, pelo escritor James
Hardy Vaux. É sinônimo de racket, “estelionato” ou “comércio
criminoso”. Em Manaus, a questão da moradia em áreas irregulares - as
slums - tem levado os cidadãos a serem tratados como “criminosos”.
Os autores de The challenge of Slums [O
desafio das favelas] “descartam a atribuição pejorativa, mas conservam a
definição clássica de favela, caracterizada por acesso inadequado a
água potável, condições sanitárias insalubres e insegurança da posse da
moradia. Definição adotada oficialmente em reunião da ONU, em Nairóbi,
em outubro de 2002” (Ibidem). Essa definição não dá conta ampla do
morador de favelas, já que não leva em consideração algumas
especificidades dessas áreas, tais como: condições socioeconômicas,
padrões de vida entre diferentes grupos de assentamentos informais,
aspectos culturais, emprego e renda e outras características
individuais.
As variações da ocupação do território
da cidade de Manaus foram constituídos das especificidades, dos ciclos
econômicos desenvolvidos no Estado do Amazonas, o que levou a construção
da cidade com espaços com grandes investimentos em infraestrutura, como
é o caso da área central da cidade e da Ponta Negra, e de áreas
ocupadas por trabalhadores de baixa renda, que (con) vivem em áreas
insalubres, de poucos investimentos em desenvolvimento social e urbano,
dos transportes coletivos superlotados, das moradias sem água, da
energia irregular - só dos “gatos”, das crianças sem escola; o que a
geografia dá conta de conceituar como segregação de território.
As slums em Manaus foram constituídas de
ocupações irregulares - as chamadas “invasões” - que ao longo do tempo
foram se configurando como bairros formais. Ainda que os serviços
públicos tenham chegado décadas após sua ocupação, “esse processo foi
marcado pelo conflito de terra, como foi o caso da Compensa, com a
proprietária da terra, a viúva Borel, confronto estabelecido com a
proprietária, polícia e posseiros” (SANTOS: 1998, p. 220). Hoje o bairro
da Compensa abriga a sede do Governo Estadual, da Prefeitura de Manaus e
na sua proximidade encontra-se a sede do Ministério Público Estadual e
Câmara Municipal de Manaus - CMM. Assim, foram se constituindo, até os
dias de hoje, as ocupações-favelas bairros na cidade de Manaus.
Houve um período em que de forma
pactuada – Movimento Popular e Governo - constituíram uma aliança pela
legalização das terras ocupadas e da distribuição de lotes; aliança que
contribuiu ainda mais para práticas perniciosas da falta de cidadania,
da qual foram conduzidas pela troca de votos e favores políticos. Para
além da regularização de terras ocupadas, é necessário que o Estado
constitua uma Política e um Plano Habitacional para o enfrentamento, não
somente, do déficit habitacional, como da urbanização de assentamentos
precários e da regularização fundiária. Somente regularizar a terra não
resolve a problemática de urbanidade da nossa cidade, pois o
enfrentamento não acontece de maneira isolada.
O que fazer diante de fatos tão
esdrúxulos da falta de planejamento urbano em seu território? Exemplo da
falta de urbanidade está no bairro cidade de Deus, fruto de ocupação na
década de 90. Segundo revela os dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE², o bairro é a 10ª maior favela do
Brasil. Não difere dos 15,7% dos domicílios, em Manaus, que estão em
favelas. A cidade tem 295.910 pessoas vivendo nestas áreas; ocupa a 8ª
posição dentre as capitais brasileiras com o maior número de domicílios
em “aglomerados subnormais”. Em Manaus ¼ da população vive em
assentamentos precários, o que corresponde a 25,89% de sua população.
A capital do Amazonas possui déficit
habitacional de 93 mil moradias e 43 mil são imóveis que estão fechados e
desocupados³. Se tivéssemos uma política (séria) de desapropriação e
para ocupação desses imóveis ociosos, já teríamos 50% de eliminação do
déficit da cidade, moradias estas com infraestrutura e boa localização.
As slums estão também presentes em
conjuntos habitacionais formais, onde há falta de urbanidade, como é o
caso do conjunto habitacional João Paulo II, localizado na Zona Norte da
cidade de Manaus, construído pelo Governo do Estado, em 2005. Conta com
1.320 unidades habitacionais de 33m², com investimento de R$
33.606.513,60 dos recursos do Ministério das Cidades, através da Caixa
Econômica Federal; é um dos empreendimentos do PROSAMIM para
reassentamento das famílias oriunda de áreas de risco. O Conjunto, além
de ser distante da área central, não conta com equipamentos comunitários
de saúde, de educação e outros para atender a demanda. A rede de
infraestrutura básica é precária e insuficiente para atender a
população, assim como os demais serviços urbanos inerentes a uma vida
digna.
O morador do conjunto Sr. Naum descreve as necessidades básicas daquela comunidade:
“não temos quadra de esporte, o transporte são ônibus velhos que andam super lotados, não temos posto médico, nem uma unidade básica de saúde – UBS”.
Uma outra moradora sem identificação,
revelou em entrevista ao Fórum Amazonense de Reforma Urbana - FARU4 em
tom de tristeza, “aqui de fato estamos na merda, não tem esgoto, aqui só
tem casa”. O tom de ironia não é por a caso, durante a visita da
coordenação do FARU foi constatado que as águas servidas das casas e dos
banheiros escorrem nas ruas do conjunto.
O conjunto habitacional Cidadão,
popularmente denominado de “cemitérios de tijolos ou caixinha de
fósforo” é o exemplo vivo da segregação planejada na cidade; tese que
temos denunciado de que o Estado é o principal indutor da exclusão
social. O conjunto foi construído, com recursos oriundos do Ministério
das Cidades, em uma área que mostra o vestígio do desmatamento de
floresta para dar lugar a um bairro com infraestrutura precária, sem
equipamento público e com linhas de ônibus insuficientes para atender a
demanda. Expressa bem o conceito técnico de características de “favelas”
ou “aglomerados subnormais”, definido pelo IBGE, como populações
excluídas, com carência em saúde, segurança, transporte, educação e
planejamento urbano.
Ao longo dos últimos 24 anos em nosso
país foi constituído um arcabouço grande de normas jurídicas, que trata
do planejamento das cidades, instrumentos legais contidos em nossa
Constituição, no Estatuto da Cidade, na Lei Orgânica e em nosso Plano
Diretor.
O diálogo entre Estado e Sociedade tem o
objetivo de pactuar ações de políticas públicas para o enfrentamento da
crise de urbanidade que temos em nossa cidade5. Uma tese defendida é a
fusão do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e do Conselho
Municipal de Habitação em Conselho Municipal da Cidade de Manaus, em
funcionamento pleno com participação de entidade da sociedade civil
organizada, de movimentos sociais e populares, que contribuirá com o
Governo com medidas de construir coletivamente projetos e programas para
as políticas urbanas, assim como permitir que recursos do Governo
Federal, sejam repassados ao Governo Municipal para o Fundo Municipal de
Habitação de Interesse Social - FMHIS.
Não podemos permitir que ações de
despejos, por falta de políticas urbanas e habitacionais, promovam
maiores danos a cidade e aos seus cidadãos, como o que aconteceu com 257
famílias trabalhadoras rurais da Comunidade “Novo Paraíso”, localizada
no Tarumã; famílias essas que foram assentadas em 1998. Essas não
ocuparam, foram assentadas na área, como é o caso dos senhores João
Caetano, 92 anos de idade e 52 de posse; Edgar de Souza Batista, 68 anos
e 50 de posse e Francisco Fernandes Gama, 88 anos e 45 de posse. Sendo
que os senhores João Caetano e Edgar Batista têm licença de ocupação
expedida pelo Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária –
INCRA/AM, há mais de 50 anos6.
Essa ação promovida em 01 de fevereiro
de 2012, segundo nossa avaliação, provocou forte violação dos Direitos
Humanos e Sociais, e vale destacar, com a participação dos Poderes
Públicos, o que nos impõem que haja não somente uma manifestação da
sociedade a respeito dessas ações, bem como dos órgãos e entidades
ligados aos direitos humanos e de parlamentares. E consequentemente
ações como estas vem a contribuir com os dados lastimáveis de
assentamentos subnormais [favelas] aumento do numero de indigentes e
excluídos em nossa cidade.
É nesse contexto de segregação do espaço
construído, e da remoção dos entraves7, que destacamos no sentido de
merecer atenção especial de todos, da sociedade e do poder público, com o
objetivo de quebrar a regra de termos uma cidade dual, a cidade dos que
podem pagar, e a dos que sobrevivem à margem, que não usufruem dos
benefícios, a cidade dos ricos e a cidade dos pobres; a cidade legal e a
cidade ilegal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DAVIS, Mike. Planeta Favela; Tradução de Beatriz Medina - São Paulo: Boitempo, 2006.
SANTOS, Carolina Cassia Batista.
Dissertação de mestrado Movimentos Sociais e Políticas Públicas: as
lutas por moradia na cidade de Manaus, defendida, em 1998, no programa
de Pós – Graduação em Política Social da Universidade de Brasília.
SANTOS, Adnamar Mota dos. Em debate Habitação de Interesse Social como Política Pública, 2011.
______, As ocupações na cidade de Manaus
e a Segregação Urbana, 2011. Relatórios do Fórum
Amazonense de Reforma
Urbana / Novembro 2011. Ações do Programa Terra e Habitação
desenvolvidos pela Cáritas Manaus. Estudo socioeconômico da Comunidade
Novo Paraíso. Cáritas Manaus. Nov. 2011.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 2010.
Jornal Diário do Amazonas, 2011, Caderno Cidades.
__________________________________
NOTAS
¹ Assistente Social, Assessor do Fórum Amazonense de Reforma Urbana e Membro da Coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana.
² Dados IBGE 2010.
³ Jornal Diário do Amazonas, p.7.
4 Relatório do Fórum Amazonense de Reforma Urbana – novembro 2011.
5 Em debate Habitação de Interesse Social como Política Pública.
6 Estudo socioeconômico da Comunidade Novo Paraíso. Cáritas Manaus. Nov. 2011
7 As ocupações na cidade de Manaus e a Segregação Urbana
Fonte: Observatório das Metrópoles
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