novembro 09, 2013

"A (des) construção da cidade: ¼ da população de Manaus vive em favelas" (Observatório das Metrópoles)


PICICA: "O que fazer diante da falta de planejamento urbano em seu território? Exemplo da falta de urbanidade está no bairro Cidade de Deus, em Manaus, fruto de ocupação na década de 90. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o bairro é a 10ª maior favela do Brasil. E não difere dos 15,7% dos domicílios de Manaus que estão em favelas. A cidade tem 295.910 pessoas vivendo nestas áreas, e ocupa a 8ª posição dentre as capitais brasileiras com o maior número de domicílios em “aglomerados subnormais”. Em Manaus, ¼ da população vive em assentamentos precários, o que corresponde a 25,89% de sua população.
No artigo “A (des) construção da cidade: assentamentos subnormais na cidade de Manaus”, o assessor do Fórum Amazonense de Reforma Urbana e Membro da Coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana, Adnamar Mota dos Santos, analisa o processo histórico de ocupação do território da capital amazonense,  caracterizado por ocupações irregulares (invasões) e pela co-responsabilidade do Estado – principal indutor da exclusão social no território urbano."
 
A (des) construção da cidade: ¼ da população de Manaus vive em favelas


O que fazer diante da falta de planejamento urbano em seu território? Exemplo da falta de urbanidade está no bairro Cidade de Deus, em Manaus, fruto de ocupação na década de 90. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o bairro é a 10ª maior favela do Brasil. E não difere dos 15,7% dos domicílios de Manaus que estão em favelas. A cidade tem 295.910 pessoas vivendo nestas áreas, e ocupa a 8ª posição dentre as capitais brasileiras com o maior número de domicílios em “aglomerados subnormais”. Em Manaus, ¼ da população vive em assentamentos precários, o que corresponde a 25,89% de sua população.

No artigo “A (des) construção da cidade: assentamentos subnormais na cidade de Manaus”, o assessor do Fórum Amazonense de Reforma Urbana e Membro da Coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana, Adnamar Mota dos Santos, analisa o processo histórico de ocupação do território da capital amazonense,  caracterizado por ocupações irregulares (invasões) e pela co-responsabilidade do Estado – principal indutor da exclusão social no território urbano.

A (des) construção da cidade: assentamentos subnormais na cidade de Manaus
Adnamar Mota dos Santos¹

A generalização das favelas é o principal tema do relatório “O desafio das favelas”, relatório histórico e sombrio, publicado em outubro de 2003 pelo Programa de Assentamentos Humanos das Nações Unidas (UN-Habitat). O referido documento é fruto da colaboração de mais de cem pesquisadores e revela as condições de vida de favelas no mundo globalizado (DAVIS, 2006, p. 31).

A primeira definição para favela vem da palavra inglesa slum, e foi publicada no Vocabulary of the Flash Language [vocabulário da linguagem vulgar], em 1812, pelo escritor James Hardy Vaux. É sinônimo de racket, “estelionato” ou “comércio criminoso”. Em Manaus, a questão da moradia em áreas irregulares - as slums - tem levado os cidadãos a serem tratados como “criminosos”.
Os autores de The challenge of Slums [O desafio das favelas] “descartam a atribuição pejorativa, mas conservam a definição clássica de favela, caracterizada por acesso inadequado a água potável, condições sanitárias insalubres e insegurança da posse da moradia. Definição adotada oficialmente em reunião da ONU, em Nairóbi, em outubro de 2002” (Ibidem). Essa definição não dá conta ampla do morador de favelas, já que não leva em consideração algumas especificidades dessas áreas, tais como: condições socioeconômicas, padrões de vida entre diferentes grupos de assentamentos informais, aspectos culturais, emprego e renda e outras características individuais.

As variações da ocupação do território da cidade de Manaus foram constituídos das especificidades, dos ciclos econômicos desenvolvidos no Estado do Amazonas, o que levou a construção da cidade com espaços com grandes investimentos em infraestrutura, como é o caso da área central da cidade e da Ponta Negra, e de áreas ocupadas por trabalhadores de baixa renda, que (con) vivem em áreas insalubres, de poucos investimentos em desenvolvimento social e urbano, dos transportes coletivos superlotados, das moradias sem água, da energia irregular - só dos “gatos”, das crianças sem escola; o que a geografia dá conta de conceituar como segregação de território.

As slums em Manaus foram constituídas de ocupações irregulares - as chamadas “invasões” - que ao longo do tempo foram se configurando como bairros formais. Ainda que os serviços públicos tenham chegado décadas após sua ocupação, “esse processo foi marcado pelo conflito de terra, como foi o caso da Compensa, com a proprietária da terra, a viúva Borel, confronto estabelecido com a proprietária, polícia e posseiros” (SANTOS: 1998, p. 220). Hoje o bairro da Compensa abriga a sede do Governo Estadual, da Prefeitura de Manaus e na sua proximidade encontra-se a sede do Ministério Público Estadual e Câmara Municipal de Manaus - CMM. Assim, foram se constituindo, até os dias de hoje, as ocupações-favelas bairros na cidade de Manaus.

Houve um período em que de forma pactuada – Movimento Popular e Governo - constituíram uma aliança pela legalização das terras ocupadas e da distribuição de lotes; aliança que contribuiu ainda mais para práticas perniciosas da falta de cidadania, da qual foram conduzidas pela troca de votos e favores políticos. Para além da regularização de terras ocupadas, é necessário que o Estado constitua uma Política e um Plano Habitacional para o enfrentamento, não somente, do déficit habitacional, como da urbanização de assentamentos precários e da regularização fundiária. Somente regularizar a terra não resolve a problemática de urbanidade da nossa cidade, pois o enfrentamento não acontece de maneira isolada.

O que fazer diante de fatos tão esdrúxulos da falta de planejamento urbano em seu território? Exemplo da falta de urbanidade está no bairro cidade de Deus, fruto de ocupação na década de 90. Segundo revela os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE², o bairro é a 10ª maior favela do Brasil. Não difere dos 15,7% dos domicílios, em Manaus, que estão em favelas. A cidade tem 295.910 pessoas vivendo nestas áreas; ocupa a 8ª posição dentre as capitais brasileiras com o maior número de domicílios em “aglomerados subnormais”. Em Manaus ¼ da população vive em assentamentos precários, o que corresponde a 25,89% de sua população.

A capital do Amazonas possui déficit habitacional de 93 mil moradias e 43 mil são imóveis que estão fechados e desocupados³. Se tivéssemos uma política (séria) de desapropriação e para ocupação desses imóveis ociosos, já teríamos 50% de eliminação do déficit da cidade, moradias estas com infraestrutura e boa localização.

As slums estão também presentes em conjuntos habitacionais formais, onde há falta de urbanidade, como é o caso do conjunto habitacional João Paulo II, localizado na Zona Norte da cidade de Manaus, construído pelo Governo do Estado, em 2005. Conta com 1.320 unidades habitacionais de 33m², com investimento de R$ 33.606.513,60 dos recursos do Ministério das Cidades, através da Caixa Econômica Federal; é um dos empreendimentos do PROSAMIM para reassentamento das famílias oriunda de áreas de risco. O Conjunto, além de ser distante da área central, não conta com equipamentos comunitários de saúde, de educação e outros para atender a demanda. A rede de infraestrutura básica é precária e insuficiente para atender a população, assim como os demais serviços urbanos inerentes a uma vida digna.

O morador do conjunto Sr. Naum descreve as necessidades básicas daquela comunidade:

“não temos quadra de esporte, o transporte são ônibus velhos que andam super lotados, não temos posto médico, nem uma unidade básica de saúde – UBS”.

Uma outra moradora sem identificação, revelou em entrevista ao Fórum Amazonense de Reforma Urbana - FARU4 em tom de tristeza, “aqui de fato estamos na merda, não tem esgoto, aqui só tem casa”. O tom de ironia não é por a caso, durante a visita da coordenação do FARU foi constatado que as águas servidas das casas e dos banheiros escorrem nas ruas do conjunto.

O conjunto habitacional Cidadão, popularmente denominado de “cemitérios de tijolos ou caixinha de fósforo” é o exemplo vivo da segregação planejada na cidade; tese que temos denunciado de que o Estado é o principal indutor da exclusão social. O conjunto foi construído, com recursos oriundos do Ministério das Cidades, em uma área que mostra o vestígio do desmatamento de floresta para dar lugar a um bairro com infraestrutura precária, sem equipamento público e com linhas de ônibus insuficientes para atender a demanda. Expressa bem o conceito técnico de características de “favelas” ou “aglomerados subnormais”, definido pelo IBGE, como populações excluídas, com carência em saúde, segurança, transporte, educação e planejamento urbano.

Ao longo dos últimos 24 anos em nosso país foi constituído um arcabouço grande de normas jurídicas, que trata do planejamento das cidades, instrumentos legais contidos em nossa Constituição, no Estatuto da Cidade, na Lei Orgânica e em nosso Plano Diretor.

O diálogo entre Estado e Sociedade tem o objetivo de pactuar ações de políticas públicas para o enfrentamento da crise de urbanidade que temos em nossa cidade5. Uma tese defendida é a fusão do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e do Conselho Municipal de Habitação em Conselho Municipal da Cidade de Manaus, em funcionamento pleno com participação de entidade da sociedade civil organizada, de movimentos sociais e populares, que contribuirá com o Governo com medidas de construir coletivamente projetos e programas para as políticas urbanas, assim como permitir que recursos do Governo Federal, sejam repassados ao Governo Municipal para o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social - FMHIS.

Não podemos permitir que ações de despejos, por falta de políticas urbanas e habitacionais, promovam maiores danos a cidade e aos seus cidadãos, como o que aconteceu com 257 famílias trabalhadoras rurais da Comunidade “Novo Paraíso”, localizada no Tarumã; famílias essas que foram assentadas em 1998. Essas não ocuparam, foram assentadas na área, como é o caso dos senhores João Caetano, 92 anos de idade e 52 de posse; Edgar de Souza Batista, 68 anos e 50 de posse e Francisco Fernandes Gama, 88 anos e 45 de posse. Sendo que os senhores João Caetano e Edgar Batista têm licença de ocupação expedida pelo Instituo Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA/AM, há mais de 50 anos6.

Essa ação promovida em 01 de fevereiro de 2012, segundo nossa avaliação, provocou forte violação dos Direitos Humanos e Sociais, e vale destacar, com a participação dos Poderes Públicos, o que nos impõem que haja não somente uma manifestação da sociedade a respeito dessas ações, bem como dos órgãos e entidades ligados aos direitos humanos e de parlamentares. E consequentemente ações como estas vem a contribuir com os dados lastimáveis de assentamentos subnormais [favelas] aumento do numero de indigentes e excluídos em nossa cidade.

É nesse contexto de segregação do espaço construído, e da remoção dos entraves7, que destacamos no sentido de merecer atenção especial de todos, da sociedade e do poder público, com o objetivo de quebrar a regra de termos uma cidade dual, a cidade dos que podem pagar, e a dos que sobrevivem à margem, que não usufruem dos benefícios, a cidade dos ricos e a cidade dos pobres; a cidade legal e a cidade ilegal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DAVIS, Mike. Planeta Favela; Tradução de Beatriz Medina - São Paulo: Boitempo, 2006.

SANTOS, Carolina Cassia Batista. Dissertação de mestrado Movimentos Sociais e Políticas Públicas: as lutas por moradia na cidade de Manaus, defendida, em 1998, no programa de Pós – Graduação em Política Social da Universidade de Brasília.

SANTOS, Adnamar Mota dos. Em debate Habitação de Interesse Social como Política Pública, 2011.
______, As ocupações na cidade de Manaus e a Segregação Urbana, 2011. Relatórios do Fórum 
Amazonense de Reforma Urbana / Novembro 2011. Ações do Programa Terra e Habitação desenvolvidos pela Cáritas Manaus. Estudo socioeconômico da Comunidade Novo Paraíso. Cáritas Manaus. Nov. 2011.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE 2010.

Jornal Diário do Amazonas, 2011, Caderno Cidades.

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NOTAS

¹ Assistente Social, Assessor do Fórum Amazonense de Reforma Urbana e Membro da Coordenação do Fórum Nacional de Reforma Urbana.

² Dados IBGE 2010.

³ Jornal Diário do Amazonas, p.7.

4 Relatório do Fórum Amazonense de Reforma Urbana – novembro 2011.

5 Em debate Habitação de Interesse Social como Política Pública.

6 Estudo socioeconômico da Comunidade Novo Paraíso. Cáritas Manaus. Nov. 2011

7 As ocupações na cidade de Manaus e a Segregação Urbana

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