PICICA: "“A medicina cubana, primeiramente, é bem preventiva. Mas também cura e
reabilita os pacientes. Como o médico sempre mora na própria
comunidade, ele sabe muito da vida das pessoas que moram por ali. A
principal diferença é que a medicina cubana é completamente gratuita.
Portanto, o paciente pode ficar dias e dias internado e nunca vão cobrar
nada por nenhum exame, ou por ter ficado mais dias no hospital, ou por
alguma cirurgia”, conta Karine Dias Nascimento, brasileira formada em
medicina em Cuba."
Classe médica brasileira teme que medicina cubana abra discussão sobre tratamentos de saúde |
Escrito por Gabriel Brito e Leandro Iamin, da Redação |
Qui, 07 de Novembro de 2013 |
Os médicos cubanos já começaram a trabalhar Brasil adentro e as polêmicas sobre sua chegada arrefeceram, substituídas por escaramuças internas um tanto mais graves e urgentes, uma vez que os protestos sociais não saem da agenda. Ainda assim, num país cuja saúde pública é vergonha nacional, manter o debate de suas políticas é sempre cabível. “A medicina cubana, primeiramente, é bem preventiva. Mas também cura e reabilita os pacientes. Como o médico sempre mora na própria comunidade, ele sabe muito da vida das pessoas que moram por ali. A principal diferença é que a medicina cubana é completamente gratuita. Portanto, o paciente pode ficar dias e dias internado e nunca vão cobrar nada por nenhum exame, ou por ter ficado mais dias no hospital, ou por alguma cirurgia”, conta Karine Dias Nascimento, brasileira formada em medicina em Cuba. Na entrevista, novamente realizada em parceria com a webrádio central 3, Karine fala um pouco de seu aprendizado na ilha socialista e explica as concepções para o tratamento de saúde do país, bem diferentes da medicina de mercado que predomina no Brasil. Além disso, declara-se envergonhada com a recepção negativa promovida por órgãos da classe médica e critica, sutilmente, a falta de compromisso social de tais profissionais. “Eles alegam que querem infraestrutura real e por isso não vão (trabalhar nas pequenas cidades). Mas eu acredito que, na verdade, como estudaram e gastaram bastante dinheiro pra se formarem, querem que a população ‘pague’ por todos os esforços que fizeram para se tornarem médicos. Há médicos por aí com jornada de trabalho de mais de 128 horas semanais. É óbvio que não a cumprem, mas assim se deixa a população à mercê de suas vontades”, afirma Karine. A entrevista completa com a médica Karine Dias Nascimento pode ser lida a seguir. Correio da Cidadania: Primeiramente, o que você pode contar a respeito de sua passagem por Cuba, onde se formou em medicina? Karine Dias Nascimento: Eu decidi estudar em Cuba porque aqui no Brasil é muito caro fazer um curso de medicina. Ainda que você possa entrar em uma universidade pública, tem de pagar os livros, estudar de forma integral e não tem como ganhar dinheiro trabalhando. Além disso, também sabia que a medicina em Cuba era muito boa. Muita gente já tinha dito isso e eu tinha interesse em ir a um país diferente. Adorei a oportunidade de estudar lá. Correio da Cidadania: Como você descreve a concepção cubana de medicina, em termos de prevenção e tratamento de saúde, conforme seu aprendizado? Karine Dias Nascimento: A medicina cubana, primeiramente, é bem preventiva. Mas também cura e reabilita os pacientes. Como o médico sempre mora na própria comunidade, ele sabe muito da vida das pessoas que moram por ali. Normalmente, esse médico cresceu na região e já sabe quais pessoas têm um comportamento de risco, conhece o passado, sabe o tipo de alimentação de cada uma delas, pois sempre conviveu junto. É o médico da família. Também se pode contar com o serviço das unidades básicas de saúde, dos hospitais, sempre há um médico muito próximo, que faz um trabalho preventivo muito bom e conhece cada um pelo nome e sobrenome. Isso ajuda muito. Correio da Cidadania: Quais as principais diferenças em relação à medicina brasileira e seus métodos? Karine Dias Nascimento: A principal diferença é que a medicina cubana é completamente gratuita. Portanto, o paciente pode ficar dias e dias internado e nunca vão cobrar nada por nenhum exame, ou por ter ficado mais dias no hospital, ou por alguma cirurgia. Quanto aos métodos, são muito parecidos. Os remédios são quase sempre genéricos. Não são de nenhuma grande ‘marca’, a não ser que venha por meio de doação. Porém, no geral, o método de tratamento é muito parecido. Correio da Cidadania: O que você pôde conhecer a respeito das missões de médicos cubanos, há décadas enviadas a países estrangeiros? Karine Dias Nascimento: Cuba tem um número de médicos muito grande. É o maior número de médicos per capita do mundo, com 6,7 médicos para mil habitantes. Com isso, o país sempre enviou equipes médicas aos mais diferentes países. Sempre que acontece uma catástrofe ou desastre natural, ou no caso de haver poucos médicos no país, são promovidas as missões internacionalistas. Os cubanos gostam disso, porque, por uma questão também política, pensam se tratar de uma ajuda à humanidade. É assim que eles aprendem e levam adiante. Acreditam que seu maior recurso é o conhecimento. Cuba exporta o conhecimento de seus médicos e profissionais. Correio da Cidadania: Como você enxerga a decisão do governo brasileiro em assinar um convênio com Cuba, para trazer cerca de 4000 médicos e espalhá-los pelo interior do país? Karine Dias Nascimento: Em minha opinião, é muito bom, porque muitas vezes a pessoa precisa realmente ver um médico, ainda mais se realmente tiver alguma enfermidade. Lendo sobre o programa federal Mais Médicos, vi que se pretende investir em infraestrutura de unidade básica, serviços e hospitais. No entanto, em um primeiro momento, é muito importante para quem vive longe ou realmente não tem acesso aos serviços médicos a existência de alguém próximo, que possa ajudar pessoas que às vezes não sabem coisas básicas de sua saúde. O médico auxilia muito e evita que tais pessoas cometam erros bem graves nos cuidados da própria saúde, por conta da falta de ajuda próxima. Um profissional por perto para aconselhar, prevenir e tratar as enfermidades básicas é indispensável. Correio da Cidadania: O que você achou da reação da classe médica brasileira, através de seus órgãos de representação de classe, além de parte da mídia, quando os médicos começaram a chegar aqui? Karine Dias Nascimento: Fiquei muito envergonhada, afinal de contas somos profissionais experientes e viemos porque a situação da saúde do Brasil é bem complicada. Outra coisa que estão falando é que eles não tinham trabalho em Cuba. Mas na verdade vieram para ajudar, o Brasil está precisando muito, além de se tratar de vagas que a classe médica daqui não quer ocupar. Eu conversei com uma médica que disse que não iria para essas regiões porque não tinha uma boa escola para os filhos e nem lazer. Portanto, independentemente de quanto pagassem, ela não iria. Isso tem sentido para a vida dela, mas há pessoas que realmente estão preocupadas em ajudar mais a humanidade e vieram para cá com esse foco. E alguns ainda ficam vaiando... Fiquei com muita vergonha e penso que muitos médicos também, a respeito dessa reação. Correio da Cidadania: Até por conta do exemplo de sua colega, cujas razões pessoais para não ir aos rincões do país são compreensíveis, notamos a enorme dificuldade em preencher essas vagas. Sendo assim, por que tanta revolta em relação à chegada dos médicos cubanos? O que pode estar por trás disso, levando em conta que esses profissionais não estão tomando o lugar de ninguém no mercado? Karine Dias Nascimento: Eles alegam que querem infraestrutura real e por isso não vão. Mas eu acredito que, na verdade, como estudaram e gastaram bastante dinheiro pra se formarem, querem que a população ‘pague’ por todos os esforços que fizeram para se tornarem médicos. É claro que entendo que eles pagaram muito para estudar medicina, com os livros e com todos os esforços que fizeram, mas com certeza isso lhes é restituído, para eles não foi tão caro assim. Eu creio que se aproveitam do conhecimento que possuem e colocam a população em suas mãos. Cobram o quanto querem pela consulta, atendem quando querem. Trabalham em vários lugares ao mesmo tempo. Existem médicos por aí com jornada de trabalho de mais de 128 horas semanais. É óbvio que não a cumprem, mas assim se deixa a população à mercê de suas vontades. Correio da Cidadania: Você acha que a classe médica e seus representantes de maior poder político temem que a passagem dos profissionais cubanos por aqui lance uma nova discussão sobre políticas públicas de saúde, questionando a lógica brasileira de se focar em remédios e na cura e pouco no tratamento preventivo? Karine Dias Nascimento: Claro. Porque aqui no Brasil os medicamentos são muito caros e os médicos, além do mais, quase não tocam no paciente. Quase todo mundo que já utilizou o Sistema Único de Saúde já viu médicos que olham a pessoa e diagnosticam de acordo com o que ela diz, mas não fazem nenhum tipo de exame físico. E, de fato, em outros países, onde os cubanos foram realizar missões internacionalistas, a classe médica, em princípio, não os aprovava. Porém, a população sempre agradece. É realmente muito diferente o trabalho deles, olham muito o paciente, vendo o que tem, e fazem o exame físico completo. É muito diferente a forma com que um médico cubano atende os seus pacientes em relação a um médico brasileiro. Ainda que existam muitos médicos formados aqui que são ótimos profissionais, outros não são e pensam de maneira completamente diferente, só olham o paciente ‘por cima’. Correio da Cidadania: Você sente falta da vida que tinha em Cuba e do país em si? Karine Dias Nascimento: Tenho saudades. Cuba é um país muito bonito. É um país onde sempre está calor. As pessoas são agradáveis, você senta para conversar com qualquer um que estiver do seu lado, e provavelmente ela terá coisas interessantes para falar. Quase todo mundo estuda, faz uma faculdade, uma universidade. Poucos ficam em casa. Lembro também das pessoas com quem tive contato estudando medicina, e elas não estudaram por status, ou por pressão dos pais, estudaram por vocação, já que em Cuba não se ganha mais dinheiro como médico do que em outra carreira universitária. As pessoas são interessantes. Eu sinto muita falta de Cuba, das pessoas, da comida. Adorei o país. Ouça também o áudio da entrevista. Gabriel Brito e Leandro Iamin são jornalistas. Colaborou: Daniela Mouro. |
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