Nota: Geraldo Peixoto, companheiro da Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial, envia o poema abaixo, de autoria do poeta uruguaio Mario Benedetti, sobre a morte do general Augusto Pinochet que liderou a mais sangrenta ditadura da América Latina, depois de um golpe de estado perpetrado em 11 de setembro de 1973. Naquele dia, o médico socialista Salvador Allende, presidente dos chilenos, eleito democraticamente, morre em defesa do palácio presidencial - Palácio de la Moneda.
Naquele período, no Brasil, a ditadura do general Emílio Garrastazu Médici cometia atrocidades contra os opositores do regime militar, vitimando inúmeros companheiros da esquerda brasileira. Parte da esquerda sobrevivente se tornaria aliada do companheiro presidente Luís Inácio Lula da Silva, em sucessivas companhas pela presidência da república. Lula, por sua vez, ainda não se decidiu pela abertura dos arquivos da ditadura militar, numa demonstração do que o país está longe de acertar as contas com o seu passado, com afirmava Sérgio Buarque de Holanda, um dos nossos mais importantes historiadores brasileiros, que foi, também, crítico literário e jornalista.
Para a doutora em sociologia pela USP Maria José de Rezende: "Os que defendem a abertura dos respectivos arquivos são aqueles que desejam ver esclarecidos muitos fatos nebulosos que ainda pairam sobre as ações repressoras daquele momento. O acesso aos documentos daria, até mesmo, uma melhor dimensão da estrutura repressiva que foi montada pelo regime militar. Revelaria o quão complexa foi tal estrutura e como ela envolvia muitos civis, além dos próprios militares, nessa tarefa de coagir, de amedrontar, de ameaçar, de espionar, de torturar, de chantagear, de silenciar, de amordaçar e de eliminar aqueles que eram considerados não-confiáveis pela ditadura".
Sobre o golpe de estado no Chile de Allende, lembro-me, com horror, a notícia que circulou na Faculdade de Ciências da Saúde, onde cursava o segundo ano do curso de medicina: o músico e cantor Victor Jara, de etnia mapuche, tivera as mãos decepadas no Estádio Nacional do Chile, que havia se transformado num grande campo de concentração dos presos do general ditador. Trinta anos depois do golpe militar, em 2003, o mesmo estádio de futebol, onde fôra torturado e assasinado, passou a chamar-se Estádio Victor Jara. Saiba mais sobre este músico, cantor e pesquisador do folclore chileno, autor de Canto por Travesura, no depoimento de uma brasileira que reside no Chile e que assistiu um show inesquecível, numa noite fria de maio de 2004, em sua homenagem (http://www.cordal.cl/nosnochile/VictorJara.htm).Às novas gerações, uma síntese da biografia do grande Salvador Allende, publicado em http://www.vidaslusofonas.pt/salvador_allende.htm :
Salvador Allende
(Valparaíso, 1908 - Santiago, 1973)
Político chileno. Estuda Medicina, mas dedica toda a sua vida ao exercício da política. Em 1933 é um dos fundadores do Partido Socialista Chileno, de cujo grupo parlamentar faz parte entre 1937 e 1946. Entre 1939 e 1942 é ministro da Saúde; 1943 é o ano em que assume a direcção do partido. Perde as eleições presidenciais de 1952, 1958 e 1964, atinge em 1970, como candidato de uma coligação de esquerda, a presidência do Chile.
A sua política, a chamada «via chilena para o socialismo», pretende uma transição pacífica para uma sociedade mais justa, de raiz socializante. Nacionaliza os bancos, as minas de cobre e algumas grandes empresas, e enfrenta pressões políticas norte-americanas. Apesar das gravíssimas dificuldades económicas, a referida coligação obtém 43% dos votos nas eleições legislativas de 1973. Em Junho desse mesmo ano ultrapassa uma tentativa de golpe de Estado, mas numa nova intentona, em Setembro, os militares de direita, chefiados pelo general Pinochet, derrubam-no. Allende morre durante o golpe, na defesa do palácio presidencial. Após a sua morte, o regime democrático é extinto e o país sofre um terrível banho de sangue.
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OBITUARIO CON HURRAS
Mario Benedetti (poeta uruguaio)
Vamos a festejarlo
vengan todos
los inocentes
los damnificados
los que gritan de noche
los que sueñan de dia
los que sufren el cuerpo
los que alojan fantasmas
los que pisan descalzos
los que blasfeman y arden
los pobres congelados
los que quieren a alguien
los que nunca se olvidan
vamos a festejarlo
vengan todos
el crápula se ha muerto
se acabó el alma negra
el ládron
el cochino
se acabó para siempre
hurra
que vengan todos
vamos a festejarlo
a no decir
la muerte
siempre lo borra todo
todo lo purifica
cualquier día
la muerte
no borra nada
quedan
siempre las cicatrices
hurra
murió el cretino
vamos a festejarlo
a no llorar de vicio
que lloren sus iguales
y se traguen sus lágrimas
se acabó el monstruo prócer
se acabó para siempre
vamos a festejarlo
a no ponermos tibios
a no creer que éste
es un muerto cualquiera
vamos a festerjarlo
a no volvermos flojos
a no olvidar que éste
es un muerto de mierda
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