dezembro 09, 2006

N.S. da Conceição rogai pela CMM

Foto: Rogelio Casado - Semana da Consciência Negra, nov/2006













Faltou à Câmara Municipal de Manaus (CMM) o que sobrou em sensibilidade ao padre Luís Gonzaga de Souza, que recebeu no interior da Catedral de N.S. da Conceição os representantes dos cultos afro-ameríndios com uma fraterna saudação, numa demonstração serena do espírito de uma tradição esquecida - o acolhimento: "Maria é mãe de todos". Era o dia da padroeira da cidade de Manaus - Nossa Senhora da Conceição -, dia 8 de dezembro de 2006, dia em que os cultos afros celebram o dia de Oxum, senhora das águas doces.

Três dias antes, dia 5 de dezembro, por 20 votos a 8, fôra arquivado o projeto de criação do Parque dos Orixás, de autoria da vereadora do PC do B Lúcia Antony. O projeto têm um viés ecológico de merecida importância: por fim ao risco das aeronaves trombarem com um urubu nas proximidades do aeroporto internacional Eduardo Gomes. Em suas proximidades, algumas estradas, a despeito do avassalador urbanismo predatório que se estendeu pela cidade, ainda hoje recebe em suas encruzilhadas o povo do candomblé e da umbanda para a prática de uma tradição nacional: o despacho nosso de cada dia, que costuma atrair as aves indesejáveis.

Curiosamente, o arquivamento do projeto ocorre semanas depois da Semana da Consciência Negra, celebrada na CMM, e que mereceu rasgados discursos de amor à causa. É verdade que foram pouco mais de meia dúzia. Só agora a verdade veio à tona. A CMM não consegiu perceber a dimensão social da proposta, talvez porque tenha aderido a uma meia verdade: o número de negros em Manaus estaria reduzido à população que reside no bairro da Praça 14. E os que moram em outros bairros, ficaram invisíveis?

Resta saber se o protesto realizado através da lavagem das escadarias da Câmara Municipal de Manaus - logo após a acolhida dos manifestantes dos cultos afro-ameríndios pelo generoso padre - sensibilizará os vereadores do município de Manaus. O ritual de desacarrego para afastar os maus espíritos da casa foi feito. Os movimentos sociais estão de olho.

"Maninho, na Bahia isso não teria acontecido nunquinha!", declarou Zefofinho de Ogum, assessor e consultor espiritual do PICICA - Observatório dos Sobreviventes (www.picica.com.br). Posted by Picasa

Um comentário:

Anônimo disse...

NOTA DE APOIO À CÂMARA MUNICIPAL DE MANAUS



O FORAFRO – FÓRUM AFRO DA AMAZÔNIA, centro independente, plural e apartidário de discussão da comunidade afrodescendente e de suas organizações representativas, vem expressar seu apoio à decisão majoritária da Câmara Municipal de Manaus de arquivar o PL 242/2006, de autoria da ilustre Vereadora Lúcia Antony, Líder do PCdoB, o qual visava, entre outras, à “criação do ‘Parque dos Orixás’, local público para a realização de manifestações de religiosidade, do Candomblé e dos Umbandistas”.

Durante a análise do citado projeto pelo FORAFRO, foram observados diversos aspectos que levaram à conclusão unânime de que a aprovação do mesmo seria prejudicial à comunidade afrodescendente do Município de Manaus, sendo oportuno apresentar a título de contribuição informações que sirvam para orientar futuras análises de projetos assemelhados relacionados à comunidade afrodescendente e a manifestações ligadas à sua cultura.

O PL privilegiava seus idealizadores. Talvez o aspecto mais negativo do PL 242/2006 estivesse no privilégio que concedia não só a determinado ramo das manifestações religiosas existentes em nossa cidade (analisado abaixo) em relação a outras, mas à rigorosa exclusividade que dava aos próprios idealizadores do projeto de cadastrar as entidades que viessem a desejar fazer uso do pretendido espaço público, as quais, assim, ficariam permanentemente dependentes do arbítrio dos mesmos. Isto na prática seria uma forma de terceirização do serviço público, além de ser um indicativo de não ter havido uma ampla discussão com os diversos interessados, seguidores e praticantes das manifestações que o PL afirma desejar beneficiar.

A rejeição ao PL não teve caráter racista ou discriminatório. Infelizmente a condição social da população afrodescendente, que exige do poder público medidas efetivas para melhorá-la, e o histórico de discriminação de diversos tipos de que foi e tem sido objeto, tem servido também como material para pressões políticas que não raramente não são do interesse da comunidade afrodescendente. Certamente os recursos que seriam usados para a aquisição do terreno, construção de estruturas, manutenção de pessoal – do quadro da Prefeitura ou de ONGs beneficiadas – e outros gastos não eram nem são uma prioridade para os afrodescendentes de Manaus, a maioria deles necessitada de serviços de saneamento em suas ruas, de escolas em suas comunidades, de centros de saúde em seus bairros, necessidades onde o emprego da verba que seria aplicada no pretendido ‘Parque dos Orixás’ certamente será mais útil aos afrodescendentes e demais manauaras de todas as religiões, crenças e cores. Acusações de ter sido a Câmara Municipal de Manaus racista ou discriminatória neste episódio são totalmente infundadas; esta legislatura, como várias outras, até o momento se tem mostrado atenciosa e colaborativa com as demandas legítimas dos afrodescendentes e de suas instituições.

O PL vai contra o caráter laico do Estado, uma conquista também dos afro-brasileiros. Durante a vigência da Constituição de 1824, o Brasil tinha como religião oficial o Catolicismo Romano. Isto, além de permitir a concessão de verbas públicas para a manutenção das atividades da Igreja Católica Romana, servia como base legal para grupos intolerantes justificarem perseguição e restrição às atividades de outras manifestações religiosas, tanto cristãs quanto não cristãs, muitas delas ligadas às diversas manifestações culturais de origem africana. Com a Constituição de 1891, o Estado brasileiro assumiu legalmente um caráter laico (o que não é sinônimo de Estado ateu), ou seja, não estaria entre as finalidades da ordem legal do país privilegiar qualquer manifestação religiosa; todo brasileiro e estrangeiro aqui residente estava livre para crer e não crer no que ditasse sua consciência – algo que foi uma enorme conquista para os brasileiros, mas especialmente benéfico para grupos perseguidos por razão de opção religiosa, entre estes aqueles que o PL pretensamente visava beneficiar. Aprovar o projeto, porém, seria caminhar no sentido contrário ao que levou a esta conquista.

A diversidade das manifestações religiosas de origem africana. Uma das idéias mais enraizadas e falsas sobre os povos africanos que vieram para o Brasil está na crença de que eles fossem seguidores de uma mesma religião, a qual seria atualmente manifestada nas chamadas ‘religiões afro-brasileiras’. A história, porém, ensina que nossos ancestrais provinham de diversas regiões da África, apresentando uma diversidade religiosa igualmente variada, que ia do Islamismo ao animismo, passando pelas religiões ligadas aos atuais Candomblé e Umbanda. Acompanhando este fato, houve no Brasil o fenômeno do sincretismo religioso, de modo que algumas das chamadas “manifestações de religiosidade afro-brasileira” mais corretamente seriam denominadas manifestações de religiosidade afro-euro-ameríndias. Também na história do Cristianismo a África e sua cultura esteve presente, de modo que não se deve alimentar a idéia de que determinadas manifestações religiosas sejam mais “afro-brasileiras” do que outras.

O FORAFRO entende que as instituições de caráter religioso e seus particulares, de qualquer doutrina, devem trabalhar para fortalecer os vínculos e o espírito de cooperação entre os seus a fim de atender às suas necessidades, devendo também buscar em suas próprias comunidades os recursos necessários à sua manutenção e de suas atividades, não onerando a sociedade civil com encargos que não atendam a interesses comuns dos contribuintes.

Esperamos, assim, que a Câmara Municipal de Manaus volte a repelir, no interesse de todos, inclusive dos afrodescendentes deste município, projetos de lei de similar jaez.



Manaus (AM), 16 de dezembro de 2006.



A Coordenação