PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
dezembro 09, 2006
Devo não pago, nego quando puder!!!
DEVO NÃO PAGO, NEGO QUANDO PUDER!!!
Jair Alves
POR duas semanas o Globo Repórter exibiu programas, cujo tema era a vida do cidadão brasileiro diante de suas finanças, e quais as experiências bem ou mal sucedidas frente ao modelo econômico em que vivemos. Este programa que, no passado, mesmo debaixo de ferrenha censura, apresentava significativas contribuições para o desenvolvimento da cidadania, na atualidade parece preconizar a sua extinção, de forma melancólica. Não é para menos, recentemente, em questões aonde a informação se transforma na única arma da população para se orientar, a emissora tomou partido, em favor de um candidato, de forma bisonha. É de se esperar que ao tentar contribuir com questões mais prosaicas do dia-a-dia, essa mesma emissora se perca na sua incompetência.
O TEMA dessas duas últimas edições era: "como deve se relacionar o cidadão brasileiro, com o seu orçamento mensal". As sugestões dadas pelo Globo Repórter se levarmos em consideração os exemplos apresentados, cheiram à economia do 'Tio Patinhas'. No primeiro programa, voltou a entrevistar uma senhora que há um ano estava 'enrolada' com vários cartões de crédito. Se há um ano ela recebeu um atestado de "burrice", diante das câmeras, ao mergulhar no sonho de consumo, agora foi apresentada como uma sagaz empresária que, ouvindo o conselho de um amigo, vendeu um veículo (quase pago) para pagar todos os cartões. Concomitantemente, fez nova compra (com juros mais em conta, segundo ela) e, com novo veículo, e sua vida voltou ao normal. Belo exemplo para o cidadão médio, brasileiro; basta que ele venda...(o quê, mesmo?) para pagar suas dívidas. Exemplo típico do "só gasta aquilo que se ganha". Pena que a média da população não tenha muito que vender para liquidar suas dívidas. Na outra ponta, o programa trouxe uma empregada doméstica do interior, que sobrevive com um salário mínimo e, mensalmente, conta 'moedinhas' fazendo intensa peregrinação pelos supermercados, comparando as ofertas e só comprando aquilo que lhe pareça "preço de banana". Banana, mesmo, não vimos na cesta básica dessa mineira, o dinheiro não dá. Esta entrevistada ganhou um segundo programa.
OUTRA entrevistada, uma diarista, conseguiu, na cidade de Uberlândia, montar o seu patrimônio comprando tudo à vista, enquanto o marido, um modesto motorista de ônibus, parece não conseguir acompanhar seu entusiasmo, se arrasta como pode, levando essa brava trabalhadora de um canto a outro para, num modelo do tipo formiga atômica, fazer invariavelmente três faxinas diárias. Como prêmio, ela conseguiu comprar duas passagens (à vista) para a Europa, aonde foi visitar sua filha recém casada. Essa entrevistada mereceu uma segunda chance, um segundo programa, também veremos.
O mais revelador é que a produção do programa não atacou o vilão dessa estória, entregando a individualidade desses personagens, expondo para todo o Brasil suas desventuras, num exemplo digno dos já condenados programas sensacionalistas. Lembram-se daqueles programas que ao final do dia exploravam a miséria humana, aonde não faltava vez ou outra alguém pulando de uma ponte para chamar a atenção de sua desgraça? O padrão é o mesmo.
PARA dar credibilidade, digamos um cunho mais "profissional", Sergio Chapelin trouxe nada menos do que Mirian Leitão, com seu tailleur, combinando com as sardas do peitoril (o mesmo modelo, ela tinha usado em outro programa da tevê paga). Ela, Mirian Leitão, diz que o exemplo da empregada doméstica era "valido' e que a convidaria para Ministra da Economia Popular. Foi aí que sentimos um alivio pelo resultado das últimas eleições presidenciais. As razões são complexas e, em momento oportuno, é bom voltar ao tema. Como diz hoje o seu ex-companheiro de emissora, Paulo Henrique Amorin, "Miriam Leitão, Controladora-Geral Da República". Quanto a faxineira de Uberlândia, ela pouco disse, muito menos que todo cidadão brasileiro tem o direito de fazer uma "viagenzinha" de férias, sim, para a Europa; só não fica bem trabalhar na viagem para pagar as passagens. Está na constituição que todo trabalhador tem direito a férias e descanso semanal, mas o programa deu "bom exemplo de cidadã brasileira" que, mesmo em férias, lá no exterior, ela continuou fazendo faxina.
A CONTRADIÇÃO maior, contudo, estava reservada para o final, quando a empregada doméstica, que passou a maior parte dos dois programas dando exemplos de como viver com um salário mínimo, deixou de ser exemplo nacional ao revelar que acabou caindo na tentação das financeiras que oferecem dinheiro, a juros extorsivos (a adjetivação é nossa). Quase caiu num erro ainda maior, perdendo um terreno que havia comprado para construção de uma futura casa. Mirian Leitão perdeu sua grande chance de nos informar, como especialista em economia e jornalista séria, que os dois maiores bancos brasileiros mantém, com outra razão social, é claro, instituições financeiras que concorrem no mercado com os mesmos juros extorsivos, cujo maior alvo, sem dúvida, é a população de baixa renda. Para uma emissora que reivindica credibilidade, não atacar a razão da desorganização da economia doméstica, que passa pelo fomento desenfreado do consumo de bens supérfluos, é um erro crasso. Mas, evidentemente a Globo já não é mais um guia para vida do cidadão brasileiro. Ela já não se confunde com o Estado, como já aconteceu com a igreja Católica, na história mundial. A aldeia global já não reflete o universo, ainda que brasileiro. Isso é democracia.
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