PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
dezembro 02, 2006
Dois comentários de Marcelo Seráfico sobre o caso "Correio Amazonense"
NOTA: O autor dos comentários aqui publicados é Marcelo Seráfico, doutorando em Ciências Sociais, em Porto Alegre/RS, que os enviou por e-mail para este blog. Pela importância do comentário, eles saem da seção "comentários" para a "página principal". Quem não tem jornal (cão), caça com blog (gato).
São muitas questões...
O caso "Correio Amazonense" é um tipo extremo daquilo em que estão se transformando os grandes veículos de comunicação, particularmente a mídia escrita.
Dificilmente se encontra neles uma "matéria", um texto que procure alinhavar informações diversas sobre um mesmo fato e que permitam ao leitor formar um juízo razoavelmente objetivo. Os jornais são "opinião", e comumente a do dono, da primeira à última página - exceção feita aos textos assinados.
Em época de eleição esse peso da editoria sobre a informação fica mais óbvio. Porém, mesmo quando não está em causa o Poder, somos freqüentemente, leitores, bombardeados por facciosismos de toda espécie.
Dos cadernos de política aos de polícia - às vezes muito próximos -, predomina o trato frouxo da informação, a omissão das questões centrais, dos interesses envolvidos, das versões em jogo etc.
A que se deve isso? Sabe-se que os jornalistas, cada vez dispõem de menos tempo para elaborar suas matérias; sabe-se, também, que, como muitos trabalhadores, desfrutam de relações de trabalho precarizadas.
Enfim, parece-me que o caso "Correio Amazonense", sob muitos aspectos, é revelador do quanto a combinação de poder econômico com a busca por poder político é capaz de instrumentalizar a comunicação.
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Rogelio, a situação é dramática. Eu me ponho na pele de muitos jornalistas, pelo menos de muitos que conheço, e fico imaginando as pressões que enfrentam, o desencanto que experimentam em não poder exercer a profissão que escolheram com a competência que tem.
A situação é tanto mais difícil quanto há número significativo de profissionais dispostos a se submeter a tudo, ou quase tudo, em troca de salário e, quiçá, um pouco de fama e prestígio.
Como mobilizar e organizar a categoria?
Fora isso, tem o problema estrutural, da concentração da propriedade da mídia empresarial. Como negócio, os cálculos dos donos levam em consideração critérios diferentes das necessidades dos cidadãos-leitores - que para eles são, em primeiro lugar, consumidores.
Fecham-se os espaços para a contestação e quando eles são abertos pela Justiça, começa-se a falar em cerceamento da liberdade de expressão. É quase anedótico: os mesmos que não dão voz a amplos segmentos da sociedade, queixam-se quando são obrigados pela Lei, que procura dar ordenamento jurídico à essa sociedade, de caçar-lhes o direito de livre expressão.
E mais, muitos jornalistas assumem, estranhamente, a posição dos donos dos jornais. Será isso sintoma de incapacidade de divisar interesses ou, simplesmente, uma adesão política e ideológica de quem sonha um dia, talvez, ser também dono?
São muitas questões e problemas e eles precisam ser discutidos com seriedade e tranqüilidade.
Um colega daqui escreveu um trabalho sobre os jornalistas free-lancer, mostrando quanto há de precarização e de ganhos relativos no avanço desse tipo de trabalhador do jornalismo. Suscitou interessante discussão na banca. Ele mostrou como vem se dando a reestruturação produtiva nas redações e os efeitos disso na organização política dos jornalistas.
Enfim, Rogelio, espaços como o do teu Blog são, por enquanto, as melhores saídas para começar o debate, mas creio que os sindicatos e as universidades deveriam se empenhar nele, tentando ampliá-lo ao máximo.
Abraço,
Marcelo Seráfico
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