Hidrelétrica de Balbina - Amazonas
Certamente não foi o contribuinte que paga as contas de desastrados projetos energéticos concebidos nos gabinetes da tecno-burocracia brasileira. Por trás da catástrofe ecológica e dos conflitos sociais que acompanham a construção de projetos faraônicos, como o da hidrelétrica de Balbina que consumiu quase um bilhão de dólares, a busca do lucro fácil envolve respeitáveis figuras que circulam entre a elite da república tupiniquim. Desse modo é possível afirmar que, em todos os tempos, quem se beneficia são aqueles que dispõem de informações privilegiadas para lucrar com a desgraça alheia, como dizia tia Pátria, consciência política da minha pequena família de imigrantes que se radicou no Amazonas.
Hora de demonstrar o enunciado. Valho-me de matéria publicada no jornal Amazonas em Tempo, em 20 de novembro de 2003, intitulada "Doação pode render R$ 350 milhões", assinada por Joaquina Marinho. Segundo a jornalista: "Mais de um ano depois de esgotado o prazo de o ex-governador Amazonino Mendes suspender ou anular os títulos de doação a 27 empresários paulistas que reivindicam R$ 350 milhões pelas terras inundadas na área da hidrelétrica de Balbina, nenhuma providência foi adotada. Devido a isso, o procurador da República, Franklin Rodrigues, que acionou o ex-governador a anular esses títulos, disse que Amazonino Mendes pode ser processado por improbidade administrativa".
Mais adiante, no detalhamento das doações irregulares, lê-se o seguinte parágrafo: "A documentação apresentada pelo Ministério Público Federal ao ex-governador Amazonino Mendes, em dezembro de 2001, é farta e não deixa dúvidas: no período de 1969 a 1971 foram efetuadas doações irregulares de terras a empresários paulistas pelo governo do Estado, exatamente na área onde hoje está a hidrelétrica de Balbina. Essas doações, consideradas pelo procurador Franklin Rodrigues “um plano ilícito e imoral sob a falsa aparência da legalidade e engendrado por um grupo de pessoas gananciosas”, podem custar para os cofres públicos federais a bagatela de R$ 350 milhões".
E mais: "Tudo isso, segundo ele, por conta da inação (inércia) do governo do Amazonas, que tem permitido que 'os valores que de direito lhes pertencem pela desapropriação' dos lotes cedidos a empresários paulistas, como Chiquinho Scarpa, sejam transferidos indevidamente para particulares".
Segundo Joaquina Marinho: "Informado dessa situação, o ex-governador Amazonino Mendes nomeou, através do decreto nº 22.449, de janeiro de 2002, uma comissão especial para apurar e julgar a inadimplência dos contratos que outorgam títulos a particulares na área de construção da Usina de Balbina. O prazo para que a comissão apresentasse o resultado dos trabalhos foi de seis meses".
Obviamente, o prazo não seria cumprido.
Ainda segundo a matéria, conforme os termos da ata da reunião da comissão criada por decreto, "o então superintendente da Suhab, Paulo Augusto Fiúza, esclareceu que entre as medidas adotadas para a conclusão dos trabalhos, destacavam-se as plotagens (identificação) dos títulos, bem como das plantas correspondentes aos lotes outorgados a pessoas sem vínculo com a região, mas ligadas a grupos familiares e econômicos do Centro-Sul".
Ainda na mesma reunião, "o representante do Incra, Mário Braule, foi incisivo e perguntou o por quê do desinteresse do Ministério Público Estadual e Procuradoria do Estado em investigar as titulações".
Ué! O Ministério Público não deveria garantir aos direitos e interesses sociais e coletivos do cidadãos brasileiros? Afinal ele não faz parte de nenhum dos três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário. Significa dizer que o MP possui autonomia na estrutura do Estado, não pode ser extinto ou ter as atribuições repassadas a outra instituição. Não é fato que os procuradores e promotores têm a independência funcional assegurada pela Constituição? Também não é verdade que, embora subordinados a um chefe apenas em termos administrativos, cada membro é livre para atuar segundo sua consciência e suas convicções, baseado na lei. Ao que se sabe, procuradores e promotores podem tanto defender os cidadãos contra eventuais abusos e omissões do Poder Público quanto defender o patrimônio público contra ataques de particulares de má-fé.
Segundo o repesentante do INCRA, não foi este o papel do MP à epoca da investigação sobre as escandalosas titulações que poderiam custar caro aos cofres públicos federais.
A matéria de Joaquina Marinho finaliza com a afirmação de Gustavo Souto, um dos advogados da Eletronorte. Segundo ele, "o risco de transferir a particulares R$ 350 milhões a título de indenização pelas terras inundadas de Balbina, R$ 50 milhões já estão penhorados e podem cair na conta de empresários paulistas que nunca realizaram qualquer benfeitoria nas áreas que lhes foram concedidas".
Tia Pátria, como sempre, em sua leitura política laica, está coberta de razão: "Só deu pro nosso".
Para lembrança da nossa surrada memória: governava o estado do Amazonas entre 1967 e 1971 o governador Danilo Areosa, coincidentemente o período de doações irregulares de terras aos empresários paulistas.
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