PICICA - Blog do Rogelio Casado - "Uma palavra pode ter seu sentido e seu contrário, a língua não cessa de decidir de outra forma" (Charles Melman) PICICA - meninote, fedelho (Ceará). Coisa insignificante. Pessoa muito baixa; aquele que mete o bedelho onde não deve (Norte). Azar (dicionário do matuto). Alto lá! Para este blogueiro, na esteira de Melman, o piciqueiro é também aquele que usa o discurso como forma de resistência da vida.
abril 06, 2007
Tristeza no Rio Grande do Sul... Alegria no Ceará
Misture aí a simpatia da mídia, a competência dos trabalhadores de saúde mental e a mudança do poder administrativo da cidade de Fortaleza e veja como esses ingredientes fazem a alegria dos cearenses.
Como este blog preza pela clareza do que afirma - na melhor tradição popular de matar a cobra e mostrar o pau - acesse o Diário do Nordeste e se surpreenda com os bons ventos que vem lá dos verdes mares do Ceará.
Diferentemente do Rio Grande do Sul, que com a saída do PT, dos poderes municipal e estadual, a Reforma Psiquiátrica enfrenta sérias dificuldades (basta lembrar o exemplo mais paradigmático: o parlamentar do PSDB que tentou colocar abaixo a primeira legislação estadual de saúde mental que o Brasil conheceu, de autoria do deputado do PT Marcos Rolim, em 1992, quando o estado era governado pelo PDT de Alceu Colares), no caso do Ceará o governador Ciro Gomes, então do PSDB, entrou para a história ao sancionar a segunda legislação em saúde mental no país, em 1993.
E mais: a Reforma Psiquiátrica no Ceará começou pelo interior do estado. Só agora é que sua capital - Fortaleza -, sob a administração do Partido dos Trabalhadores, conhece um avanço maior na implantação de serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico e seus ambulatórios medicalizadores.
O papel dos partidos políticos no cenário da Reforma Psiquiátrica ainda está por merecer análise mais apurada. Por outro lado, se a simpatia da mídia cearense é recorrente na cobertura da Reforma Psiquiátrica no Ceará, para tanto o papel dos trabalhadores de saúde mental tem sido decisivo. Escolhi dois deles, entre tantos os que fazem da luta antimanicomial no Ceará - motivo de orgulho para os brasileiros de todas as latitudes -, para prestar-lhes, nesta quadra pascal, minha sinceras homenagens: José Jackson Coelho Sampaio e Luíz Fernando Tófoli, o último digno representante do premiado trabalho no município de Sobral.
Tenho de Fortaleza uma grata lembrança. O ano era o de 1976, o evento nada mais que o IV Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que tinha como tema: A formação do estudante de medicina em psiquiatria. Ali fiz meu primeiro discurso público, logo eu, um tímido de carteirinha.
Lembro-me de uma das mesas-redondas, que tinha como tema a tortura no país - à época estávamos sob o regime militar (1964-1985). Centenas de jovens em formação testemunhariam homens que trabalhavam com a palavra no campo da psiquiatria negando sistematicamente a existência dessa prática ignóbil, uma das mais bárbaras violações da dignidade humana e dos direitos humanos. Enquanto isso, os presos políticos estavam sendo submetidos a essa prática degradante. Pretendia-se quebrar a vontade e o moral da sua vítima. Foram além, ceifaram a vida de centenas de jovens na trágica história recente da política brasileira. O massacre de centenas de jovens militantes que se imolaram em favor da volta ao Estado de Direito não merecia tamanho silêncio. Alguns, se viram sem saída e decidiram pela luta armada, único espaço deixado pelas forças do arbítrio e da intolerância que deram suporte ao Regime Militar de 1964, como afirma o Grupo Tortura Nunca Mais no dossiê sobre os mortos e desaparecidos políticos no regime militar a partir de 1964. Ora, nenhuma causa, política, militar, religiosa ou seja de que tipo for pode justificar a tortura. Acrescentaria: nenhum saber poderia se omitir sob pena de fraudar princípios éticos fundamentais para a civilização, como a construção da verdade, significante problemático para muitos dos nossos saberes. Decididamente não era essa psiquiatria que desejava.
Lembro-me do companheiro Humberto Mendonça, redigindo um texto para a manifestação contrária. Não lhe ocorreu que a negação do contraditório estivesse tão próximo de nós. Surpreendeu-nos a covardia dos estudantes presentes em uma reunião para encaminhamento de nossas demandas. Ninguém quis ser signatário da Carta dos Estudantes ao IV Congresso Brasileiro de Psiquiatria. Quem eram os sujeitos que estavam em formação e que não tomavam posição diante de tamanhos agravos à ética da boa formação presenciados naquele congresso? Com esta indagação, tomei das mãos do meu querido amigo Beto o texto que teria como destino a lata de lixo da história se não fosse um desses textos comprometidos com a minha e a tua vida, como dizia uma poesia da época. Antes de alguém usar o microfone, fui o primeiro a me manifestar em nome dos estudantes brasileiros. O texto mexeu com corações e mentes dos presentes, salvo os dos covardes de sempre. O auditório viria abaixo. A manifestação de carinho do saudoso Luíz Cerqueira ficou guardada para sempre em minha memória. Senti-me batizado pela segunda vez, tendo como padrinho um dos mais corajosos psiquiatras que conheci em vida.
Hoje, quando os Judeus celebram a páscoa, em comemoração à saída do Egito, e os Cristãos em comemoração à ressurerição de Jesus, quero desejar nessa data para todos os mentaleiros que pelo menos três dos seus significados estejam sempre presentes entre nós:
PROTEÇÃO: Que possamos desfrutar da proteção contra toda forma de acomodação institucional e extra-institucional, posto que nenhum Reforma que se preze possa se dar por concluída, uma vez que ela é construção permanente. Pisemos na cabeça dessa serpente.
LIBERDADE: Que a liberdade continue sendo a mais preciosa de todas as nossas humanas possessões. A escravidão é uma joça.
SUBSTITUIÇÃO: Que um novo pacto venha a nos unir, senão pela fé, pelo amor. Pois pode-se viver sem fé, mas não se vive sem amor.
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