abril 07, 2007

Hidrelétricas na Amazônia

MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens)


















Quando a professora Gleice Oliveira (nascida amazonense e prestes a se tornar acreana graças ao surto expansionista do vizinho estado do Acre) me enviou as matérias sobre a Campanha Contra os Altos Preços da Energia Elétrica (publicadas na postagem anterior), estávamos às vésperas do Dia Internacional de Combate às Barragens. Quase não li os jornais do dia, mas estou certo de que pouco ou nada se escreveu sobre o tema. Quem leu alguma coisa, que atire a primeira pedra.

Um delas abordava a questão das Hidrelétricas na Amazônia. Me reportei no tempo. 1989. Passavam exatos dez anos que retornara para Manaus. Voltara da Residência Médica em Psiquiatria, realizada na Comunidade Terapêutica Enfance e no Instituto de Psiquiatria Social, em Diadema-SP, onde conheci Franco Basaglia em sua vinda ao Brasil, que teve como um dos patrocinadores a Comunidade Terapêutica, criada por Osvaldo di Loreto.

Ao final daquela década a Reforma Psiquiátrica encerraria um ciclo. Um emblemático movimento corporativista, nascido no interior do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, me daria um pé na bunda. Coincidentemente, trata-se do período em que foi colocado um freio nos ideais reformistas que durante uma década mudou a face da atenção em saúde mental no Amazonas, e que a partir daí deixaria de acompanhar o movimento por uma sociedade sem manicômios criado pelos trabalhadores de saúde mental no congresso de Baurú, em 1987.

Ainda não estava literalmente só, embora os companheiros de jornada estivessem saindo de cena um a um, e antes mesmo do bota-fora no melhor estilo "último dos manaós", eis que Muriel Saragoussy, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, atualmente a serviço do Ministério do Meio Ambiente, de Marina Silva, me convida para documentar uma tragédia anunciada: o desastre ecológico provocado pela construção da hidrelétrica de Balbina. Um rio piscoso como o rio Uatumã, que banha a cidade de São Sebastião do Uatumã, teria seu curso alterado por uma barragem que não iria gerar nem 270 megawatts firmes para a cidade de Manaus. Um desastre. Vi cenas de causar indignação.

Com a viagem patrocinada pela Associação de Pesquisadores e de Servidores do INPA, e com a generosa ajuda de dezenas de amigos, dei à luz um documentário intitulado "Balbina no País da Impunidade". Fomos para a rua. Pichamos muro para chamar atenção da opinião pública. A mídia da época era um caso perdido, tal o volume de propagandas oficiais de governo. Confesso que pichei: uma ou duas das pichações em muros estratégicos da cidade. Uma delas foi fotografada pela revista Isto É, a mesma que mais tarde se notabilizaria por produzir matérias encomendadas para envolver políticos em escândalos, alguns nitidamente fantasiosos, como a que vitimou o atual vice-prefeito de Manaus.

"Balbina no País da Impunidade", por indicação da professora Selda Vale, da Universidade Federal do Amazonas, seria vista num Festival de Cinema e Vídeo sobre Meio Ambiente da Universidade Federal da Bahia. Hoje, há uma cópia disponível no Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Amazonas, graças ao diligente trabalho ali realizado pela professora Edineia Mascarenhas Dias. Várias outras cópias foram encaminhadas pelo Conselho Indigenista Missionário e a Comissão Pastoral da Terra para o Movimento dos Atingidos por Barragens, se não me falha a memória. A Associação Brasileira de Vídeo Popular - ABPV tem no seu acervo as oito horas de filmagem que serviram para o documentário original, que tem apenas 26 minutos. Pelo que tomei conhecimento, através de Andrea Palladino, cineasta italiano, que morou no Amazonas na década de 1990, um outro documentário foi realizado, depois que confiei o material para um ilustre jornalista que foi até minha casa na companhia dos companheiros da FASE, organização não governamental que atua no campo da promoção dos direitos humanos, que naquela época me cedeu seu estúdio para a edição do material gravado. A ABPV encerraria suas atividades em 2000. Atualmente, há um movimento tentando resgatar seu acervo.

Não poderia deixar de lembrar que entreguei uma fita para Marisa Letícia, esposa do companheiro presidente, ao pé do palanque do comício realizado na praça da Saudade durante a campanha presidencial de 1989. Ao que parece o companheiro presidente andou mudando de idéia. Dizem os cínicos só não mudam de idéias quem não as tem.

Digo-lhes onde quero chegar. Imerso no espírito do cancioneiro popular "recordar é viver", atraído por uma matéria de capa da agradável Revista de História da Biblioteca Nacional, de fevereiro de 2007, sobre o mito do brasileiro indolente, eis que me deparei com a seguinte entrevista da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, que me deixou de cabelos em pé:

RH Que expectativa você tem para a política ambiental neste segundo governo Lula?

MCC É o cúmulo que Lula tenha declarado que quilombolas, Ministério Público, índios e ambientalistas são os grandes empecilhos ao desenvolvimento. Isso é um discurso de ministros do Interior ou de governadores de Roraima de 30 anos atrás! Pelo visto o agronegócio, neste segundo mandato, vai ser o grande motor das decisões políticas. Um exemplo assustador do que pode vir por aí: uma das famosas obras que os ambientalistas estariam "empatando" são as hidrelétricas do Rio Madeira, Santo Antônio e Jirau, ali perto de Porto Velho. Falei na semana passada com um biólogo, especialista em malária, que me contou que foi dado um laudo negativo para aquelas hidrelétricas, porque o plano delas é manter o reservatório permanentemente cheio. Ora, um reservatório cheio o tempo todo significa um grande aumento de casos de malária. Então eles teriam um laudo negativo para a obra, mas a empresa teria contratado outras pessoas para darem um laudo positivo. O desenvolvimento, se é que se pode traduzir o aumento do PIB diretamente por "desenvolvimento", não pode se dar a qualquer custo, seja ambiental ou social. Quer dizer, nós já arrasamos a Amazônia Oriental, agora é a vez da Amazônia Ocidental. Se a política é apenas atrelada ao agronegócio e o desenvolvimento é medido pelo aumento do PIBm se esta é a noção de desenvolvimento, estamos perdidos...

Cáspite! Alguém tem que impedir essa catástrofe anunciada. Minha querida Muriel Saragossy, que continua no Ministério do Meio Ambiente, e meu querido amigo e compadre Marcus Barros, que além de deixar o IBAMA também está correndo o risco de se tornar acreano, uma palavrinha de vocês e centenas de outros corações aflitos deixarão de crer que as declarações da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha venham se tornar realidade. Ninguém merece!Posted by Picasa

Nenhum comentário: