Os humoristas ficaram assanhados com a impropriedade verbal e histórica do deputado federal Fernando Gabeira. Tiririca com a absolvição do presidente do senado Renan Calheiros, Fernando resolveu dar um basta ao consumo de tantas "pizzas" no Congresso Nacional. Para o político verde, pouco importa se há ou não provas da prevaricação do político alagoano. Ao lançar um movimento pelo afastamento de Renan da presidência do senado, sob a palavra de ordem "Te entrega, Corisco", desagradou gregos e nordestinos.
Ao invés do humor, o nosso estimado Edmar Oliveira optou por um texto curto e certeiro. Como me agradam um e outro - humor e texto reflexivo - oPTei em publicar o desagravo deste mentaleiro nordestino radicado no Rio de Janeiro.
EM MEMÓRIA DE CORISCO
Edmar Oliveira
Corisco era um cara direito. Embora errado na luta no cangaço sempre foi sensível a questões éticas, mesmo que nem soubesse o que era isto. Conta a lenda que ele sempre pautou as questões de condutas, na luta em que se meteu, seguindo as regras ditadas por códigos vigentes nas leis da honra sertaneja. O Riobaldo do Guimarães Rosa dispara onde está o código de honra sertaneja: "Sertão é onde o pensamento da gente se forma mais forte do que o poder do lugar". E é neste pensamento mais forte que Corisco foi buscar as razões de sua luta. Mas, seguindo os ditames vigentes no sertão. Homem de palavra vale mais que a valentia. E é isto que faz o inimigo respeitar a lida. Ela tem regras claras, embora nem nunca escritas como queria o poder do sertão, que sempre interpretou a lei escrita de acordo com seus interesses. Corisco foi um chefe decente. E justo, embora as atitudes tenham que se precipitar, pois é ainda Riobaldo quem nos ensina que "a chefe não convém deixar os outros repararem que ele está ansiando preocupação incerta". Um chefe tem que ser justo e rápido: e isto era a ética nos tempos de Corisco.
Talvez a maior demonstração de sua conduta esteja no seu comportamento com Dadá. Foi cobrar uma dívida com um inimigo seu e lhe raptou a filha menor. Mas não tocou um dedo nela até ela ficar maior e deixar se namorar. Um respeito deste tamanho ecoa pelo sertão, certificando o código de ética dos tempos dos cangaceiros. E, para nós nordestinos, descendentes de nossos gregos e troianos, não importa se macaco ou cangaceiro, pois os heróis estão umbilicalmente ligados à conduta ética, pouco importando de qual lado se enfileirou. E Glauber Rocha fez dois filmes, a Ilíada e Odisséia nordestina, com Antonio das Mortes e Corisco numa guerra santa onde o Dragão da Maldade enfrenta Deus e Diabo.
Tudo isto me veio à cabeça quando ouvi, de forma enviesada, o deputado Fernando Gabeira propor o bordão de Antonio das Mortes para constranger o senador Renan Calheiros a deixar a presidência do senado: "Te entrega, Corisco". O que é isto, companheiro? Renan e Corisco são dois nordestinos de planetas diferentes. Corisco é o pensamento mais forte que o poder do lugar. Renan é o poder nordestino branco, coronel, escravagista, politiqueiro, grileiro e boiadeiro que com ferro fere a carne do povo sofrido do sertão. Foi contra este poder que Corisco se insurgiu na sua cruzada, com seu pensamento mais forte. E como um raio rasgou o céu da chapada em dia de tempestade para fazer chover justiça no sertão. Portanto, deputado Gabeira, não chame Renan de Corisco, pois isto é ofender a memória de todos nós nordestinos.
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