setembro 06, 2007

No ano comemorativo dos 20 anos de luta antimanicomial, o governador Eduardo Braga irá sancionar a Lei de Saúde Mental do Amazonas

Foto: Rogelio Casado - TV A Crítica recebe usuários e técnicos de saúde mental, 2003

Quando assumi a Coordenação de Saúde Mental do estado do Amazonas em 2003, da qual me desvinculei este ano de 2007 para responder pela Pro-Reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), recebi um convite do programa Ponto Crítico da TV A Crítica, então afiliada ao SBT, hoje à Record.

Ao confirmar minha participação, tomei conhecimento de que dividiriam comigo o espaço do estúdio um grupo de reformistas de araque, ou seja, gente de práticas duvidosas, tipo retórica raivosa dez (10), ação que é bom zero (0). Graças à sensibilidade do produtor do programa, minha reputação foi salva, a quem sou eternamente grato. No miúdo: ser confundido como farinha do mesmo saco deixaria uma nódoa na minha biografia de luta antimanicomial.

Atendendo ao meu apelo de me livrar do mico de ser confundido com tais criaturas, a solução foi de uma simplicidade franciscana. O programa habitualmente usava um link para a manifestação do público. Pois bem! Fora do estúdio ficaram comigo os velhos e novos companheiros do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro (que, a médio prazo, pode ser transformado num Hospital de Clínicas, com manutenção de leitos para atendimento de crises psiquiátricas, se não houver atraso no cronograma municipal de implantação de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), o que é mais provável, pois até a presente data só o governo estadual criou um desses dispositivos tão importante para por fim aos hospitais psiquiátricos). Preservado o espaço que ocupo na interlocução com a sociedade, garantido meu lugar de fala, o resto foi graça, estado de graça.

Dividi aquele glorioso dia com terapeutas ocupacionais, enfermeiras, assistentes sociais, psicólogas e usuários de longa permanência no hospital psiquiátrico, alguns deles que trabalharam no primeiro programa de reabilitação psicossocial remunerado, nos anos 1980, que resultou na produção de uma tonelada de verdudas, roçado de macaxeira, milho, mandioca, feijão, criação de sessenta suínos e uma casa de farinha.

Detalhe: os falsos reformistas mencionados só apareceram em cena depois do êxito de um dos quatro abraços simbólicos a prédios públicos (Assembléia Legislativa, Teatro Amazonas, Palácio Rio Negro e Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro) que a Coordenação de Saúde Mental fez com o objetivo de sensibilizar a opinião pública em defesa da redução do preconceito e pela inclusão social dos portadores de transtorno mental. Perceberam a jogada? Pegar carona no espaço dado pela mídia sem fazer esforço, sem considerar que é a gota que escava a pedra, é moleza. Quero ver é cutucar o c.. da onça, como diria a saudosa Tia Pátria.

Essa breve introdução é só para lembrar que a luta antimanicomial faz 20 anos neste ano de 2007. Em novembro de 1987, no Congresso de Trabalhadores de Saúde Mental, em Baurú-SP, a bandeira de luta por uma sociedade sem manicômios estebaleceu uma ruptura sem precedentes com os velhos paradigmas vigentes nos serviços públicos de saúde mental. Nunca mais eles seriam os mesmos. As práticas da psiquiatria carcerária passaram a ser objeto de crítica pela mídia. Aliás, o desafio civilizatório de incluir a loucura na cultura dos nossos tempos não pode prescindir das mídias eletrônicas, impressas, radiofônicas e televisivas.

Vários eventos estão programados no país inteiro para celebrar estes vinte anos de luta. Temos o que comemorar no Amazonas. Embora haja apenas um CAPS na cidade de Manaus, a jovem equipe que ali trabalha emociona a todos que ali testemunham, cotidianamente, que é possível tratar com dignidade o sofrimento dos humanos portadores de transtorno mental. A decisão do governo estadual de transformar o Hospital Psiquiátrico em Hospital de Clínicas é exemplar. A criação da primeira residência médica em psiquiatria é outro gesto decisivo num cenário histórico de ausência de investimento na formação de pessoal. Com a UEA poderemos ampliar a formação de outros profissionais de saúde mental, através de cursos de especialização. Ainda este ano, a telemedicina da UEA estará oferecendo orientação em saúde mental, em tempo real, para os companheiros que trabalham no interior do estado, onde atualmente existem dois CAPS (Tefé e Parintins), e perspectivas de implantação de outros em Itacoatiara, Tabatinga e São Gabriel da Cachoeira. A telemedicina a curto prazo, além de contribuir para o conhecimento e abordagem dos transtornos mentais, bem como melhorar a qualidade do atendimento das pessoas em sofrimento, poderá tratar in loco o que antes exigia um dispendioso deslocamento para Manaus de pessoas com transtorno mental. Com isto poderemos evitar o intenso sofrimento para quem se via privado do convívio com um parente com transtorno mental, quase sempre sujeito a internações desnecessárias (embora o Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro nem de longe lembra os manicômios brasileiros que infestavam o nosso litoral).

Entre os eventos programados, o mais simbólico dos acontecimentos, para nós amazonenses, ocorrerá dia 10 de Outubro - dia Mundial de Saúde Mental -, quando o governador Eduardo Braga estará sancionando a Lei de Saúde Mental, proposta originalmente encaminhada para a Assembléia Legislativa pela Associação Chico Inácio, filiada à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial. Faltava uma decisão política.

Ontem, em pleno feriado, dia 5 de setembro - data comemorativa da emancipação do estado do Amazonas, historicamente vinculado à província do Grão-Pará - em reunião de avaliação de governo com todo o seu secretariado, no auditório da UEA, na presença da Reitora e de seus Pro-Reitores, a decisão política foi tomada: o Amazonas terá uma legislação em saúde mental moderna, e ouso dizer, mais avançada que a Lei Federal, que só não foi mais desfigurada pelos agentes que defendem interesses privados, graças ao movimento por uma sociedade sem manicômios.

Eduardo Braga, ao sancionar a Lei de Saúde Mental, re-coloca o Amazonas no mapa da história da Reforma Psiquiátrica, da qual somos um dos estados pioneiros. Usuários, familiares e técnicos em saúde mental têm o que comemorar.

2 comentários:

Thiene disse...

Oi Rogelio, td bem?
Sou Terapeuta ocupacional e gostaria de sabermais sobre o CAps II de Tefé.
Onde posso encontrar?
Grata
Thiene

PICICA disse...

Olá Thiene! Sugiro que você entre em contato com o coordenador do programa municipal de saúde mental de Tefé, o psicólogo Ralf Kyser, que, inclusive trabalha no CAPS II, pelo e-mail: ralfkayser@pop.com.br.
Inté.