Nota do blog: A fotografia acima foi feita quando o poder público ainda dialogava com o movimento social por uma sociedade sem manicômios no Amazonas. O texto abaixo, do CRP-RS, foi feito no ano passado como resposta a um artigo publicado no jornal Zero Hora, de Porto Alegre. O autor do artigo voltou a publicá-lo neste ano, com algumas variações. Muito já foi feito pela Reforma Psiquiátrica, mas ainda há muito mais por fazer, como a ampliação do número de CAPS III (modelo que substitui o manicômio), atualmente em números insuficientes, e a abertura de leitos em hospitais gerais, que existem em quantidade irrisória em todo país. É bom pensar o significado da ausência de diálogo entre o poder público e os movimentos sociais antimanicomiais nesse cenário, que permite discursos reducionistas, como o do deputado federal Germano Bonow, e a proposta de recolhimento dos "deficientes mentais" das ruas de Manaus, por um vereador do Partido dos Trabalhadores. Aos trabalhadores de saúde mental e outros que queiram se manifestar, o espaço deste blog está aberto.
***
SAÚDE MENTAL COM RESGATE DE CIDADANIA:
Outros lugares de cuidado que superam manicômios e fazem avançar a Reforma Psiquiátrica Brasileira
Ao se aproximar do 18 de Maio “Dia Nacional da Luta Antimanicomial” vale uma reflexão:
Garantir os avanços da Reforma Psiquiátrica brasileira e promover assistência em saúde mental, sem exclusão, com acesso universal, para todos os que necessitarem, independente da gravidade do seu sofrimento, requer esforços por parte de todos os segmentos da sociedade em geral e dos Poderes Públicos em particular. Pensar o cuidado em saúde mental, tão debatido nos tempos atuais exige a superação do discurso reducionista do cuidado apenas em um “lugar” específico (a internação em hospital psiquiátrico). Há que se considerar os referenciais teóricos e práticos preconizados pelas diretrizes da Organização Mundial de Saúde e outras tendências internacionais, ressaltando pontos importantes, neste novo modelo de atenção proposto no mundo inteiro, entre eles: subjetividade, interdisciplinaridade, humanização, integralidade, inclusão social, garantia de direitos, redes sociais, entre outros.
Faz-se necessário compreender que se trata de sujeitos, portadores de sofrimento psíquico, que antes de tudo são seres humanos dotados de sentimentos, necessidades, desejos, com singularidades que lhe conferem uma identidade, cuja existência real só pode adquirir certa projeção no tecido social, se conquistados seus direitos e deveres que os coloquem na condição de cidadãos.
Disponibilizar cuidado em saúde mental, a partir de outros olhares, para além de um modelo proposto pela internação em manicômio, como único recurso possível, é avançar na contramão de uma lógica reducionista, positivista, bilogicista e excludente que há muito tempo já se mostrou superada frente à complexidade da vida moderna, que se apresenta atravessada pelo avanço da desigualdade social, onde a violência e a dependência química são os maiores sintomas que assolam os grandes centros urbanos.
A ciência tem defendido que o adoecimento mental é sintoma, dentre outros, de uma matriz familiar disfuncional e que, portanto também necessita de cuidados. Partindo de um olhar do micro para o macro contexto, podemos inferir que este adoecimento mental invisível e visível nas ruas, dependendo do olhar de quem os vê, debaixo de pontes e viadutos, nas esquinas ou periferias das grandes cidades é reflexo de uma sociedade também adoecida, que concebe seus semelhantes, a partir de um modelo individualista, consumista e excludente, onde todos são transformados em mercadoria de maior ou menor valor na escala social.
Considerando ainda este “lugar”, é preciso pensar que o ser humano não escolhe tempo, hora ou lugar para sentir dor ou prazer, sofrer ou ser feliz, isto decorre do cotidiano e de suas experiências com o meio em que vive, e que mesmo trazendo em sua herança genética um traço de doença, é este contexto social ao qual está inserido, com seus condicionantes e determinantes que irá permear o adoecimento e seus entornos.
Pensar um único “lugar” de cuidado é ir além, considerando não somente o sujeito cuidado, mas também os sujeitos que cuidam, e a forma como é realizado esse cuidado. Um cuidado que supere o modelo hegemônico centrado apenas num saber em detrimento dos outros. Há que se considerar esse sujeito sob diferentes olhares a partir de uma concepção biopsicossocial, respeitando a diversidade de saberes que garantem uma intervenção interdisciplinar. É preciso garantir que todos tenham acesso aos cuidados em saúde mental, em espaços humanizados que considere os sujeitos, com diferentes graus de sofrimento psíquico, inseridos num contexto social, cujos vínculos afetivos necessitam ser preservados.
Há que se considerar ainda que cada pessoa tem suas especificidades no tratamento e que o medicamento não é a única tecnologia no cuidado. Nem tão pouco a internação hospitalar é necessária para todos, e por fim, no novo modelo o espaço de atenção deixa de ser o hospital psiquiátrico passando o município com seus serviços substitutivos a ser o espaço de referência.
A saúde é determinada pelas condições de vida: moradia, trabalho, lazer, educação e cultura. As pessoas nascem, crescem, moram, trabalham, ficam ociosas, estudam, aprendem diferentes formas de expressão e de comunicação, dançam, cantam, constituem-se sujeitos dentro de uma família, mas toda a família pertence a um lugar – pertencer é uma necessidade humana. É nesse lugar e desde esse lugar que se constroem projetos de futuro.
Para cada pessoa que nasce, mora ou está de passagem é necessário proporcionar condições de vida dignas, de inserção social de acordo com suas precariedades e potencialidades rompendo com as discriminações e exclusões.
A comunidade, com sua rede de cuidado e proteção passa então a ser o centro potencializado para buscar soluções para os problemas referentes à vida das pessoas, prevenindo assim a doença como um todo e promovendo a saúde integral não só do indivíduo, mas comunidade como um todo e garantindo assim a inclusão deste sujeito que sofre, mas apesar disso pode viver de maneira harmoniosa neste lugar de pertencimento, que poderá contribuir para a sua estabilidade.
Loiva Maria De Boni Santos
CRP – Conselho Regional de Psicologia do RS
***
06 de abril de 2009 ZH - N° 15930
ARTIGOS
Dia para repensar a saúde mental no Brasil, por Germano Bonow*
Amanhã é o Dia Mundial da Saúde, data que é comemorada desde 1950 para lembrar a criação da Organização Mundial da Saúde (OMS). Neste 7 de abril, é bom lembrar que saúde, segundo a constituição da OMS, é definida como um “estado de completo bem-estar físico, mental e social, não consistindo somente da ausência de enfermidade”.
Neste dia, gostaria de lembrar que um tipo de saúde, a saúde mental, vem sendo sistematicamente negligenciado pelos governantes. Nos últimos 20 anos, foram fechados 80 mil leitos no Brasil e não foram substituídos por nenhum outro modelo de atendimento eficaz. A intenção desta nova política de saúde mental seria abrir leitos psiquiátricos em hospitais gerais. Neste período, abriram-se somente 2,6 mil desses leitos. Onde foi atendido o restante dos pacientes, levando em conta, ainda, o aumento da população nessas duas décadas?
A expectativa da atual política de saúde mental é de que os centros de atendimento psicossocial, os chamados Caps, pudessem dar este atendimento em nível ambulatorial. Ocorre que nestes casos a internação é fundamental, basta olharmos o número de pacientes mentais que se encontram abandonados nas ruas, como mendigos, nos presídios e nas casas daqueles que não podem pagar um tratamento particular. Recentemente, o Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) fez uma campanha publicitária intitulada “Loucura é não ter leitos psiquiátricos”, chamando a atenção para este problema.
Para que esta questão seja enfrentada, é preciso retirar determinados mitos do debate. Um deles é a questão dos manicômios. Não conheço ninguém que seja a favor de manicômios. É necessário que se entenda que o hospital psiquiátrico que se quer é um hospital especializado em psiquiatria, como existem os especializados em cardiologia, otorrino, traumatologia, entre outros.
“Salvar vidas – Hospitais seguros em situações de emergência” é o tema das comemorações do Dia Mundial da Saúde em 2009. Em cada ano, a OMS aproveita a ocasião para fomentar a consciência sobre alguns temas-chave relacionados com a saúde mundial. No meu entender, é um excelente momento para a política de saúde mental no Brasil ser discutida e começar a ser revista.
*Deputado federal (DEM-RS) e médico
Nenhum comentário:
Postar um comentário