abril 14, 2009

Ao Ferreira Gullar, com açucar e com afeto


Nota do blog: Enquanto rolando na net uma baita discussão provocada pelo agressivo texto do poeta Ferreira Gullar contra a Reforma Psiquiátrica brasileira, e na Folha "Ditabranda" de São Paulo os leitores aplaudem ou vaiam o poeta de um dos mais lindos poemas brasileiros - "Poema Sujo" -, Ionara Vieira Moura Rabelo, Rosana Carneiro Tavares, Yuze Rasmussen A. de Faria acabam de publicar um livro sobre experiências em CAPS - Centro de Atenção Psicossocial -, assim chamado os serviços que subsituem os hospitais psiquiátricos, e que são inteiramente desconhecidos pelo ilustre colunista do citado jornal golpista.

Quero dedicar essa postagem, com açucar e com afeto, ao Ferreira Gullar, com a esperança de contribuir para a mudança do seu olhar sobre o sofrimento mental grave, a rede de atenção diária à saúde mental e os trabalhadores que estão construindo um outro lugar para a loucura na nossa sociedade. Convido, também, meu leitores a passear seu olhar no texto abaixo que me foi enviado pela psicóloga Yonara Vieira Moura Rebelo, a quem agradeço a oportunidade de socializar o conhecimento que ela ajudou a sistematizar no livro "Um passeio por olhares que acolhem a loucura".


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Um passeio por olhares que acolhem a loucura

O livro Olhares – Experiência de CAPS apresenta um conjunto de experiências e vivências em saúde mental que se baseiam nos princípios da Reforma Psiquiátrica brasileira; reúne reflexões, relatos de experiência, crônica e conto de profissionais com formações diversas.

O que você faria se percebesse que seu familiar está enlouquecendo?

Ainda hoje, a maior parte das pessoas pode responder que procurariam um médico, ou mesmo que poderiam levá-lo para internar num hospital psiquiátrico. Porém, o que muitos não sabem é que há mais de 20 anos o Brasil luta para que as pessoas que sofrem problemas psiquiátricos não tenham apenas na internação hospitalar a única resposta ao desespero que os problemas de saúde mental podem causar a uma família.

Desde 2001 a política de saúde mental no Brasil segue as orientações da Organização Mundial de Saúde e propõe um tratamento em saúde mental que seja próximo a casa da pessoa, que inclua sua família, trabalho, lazer, moradia e geração de emprego e renda. Este trabalho é desenvolvido nos Centros de Atenção Psicossocial, mais conhecidos peal sigla CAPS.

De acordo com a área técnica de saúde mental do Ministério da Saúde, em janeiro de 2009, já estavam em funcionamento 1326 CAPS em todo território nacional. Deste montante, os CAPS diferenciam-se quanto à complexidade e especificidade no atendimento. Sendo assim, eles se dividem em: Específicos para pessoas maiores de 18 anos com transtornos mentais de moderado a grave, existem 618 CAPS tipo I, 382 CAPS tipo II, 39 CAPS tipo III; Específicos para crianças e adolescentes com transtornos mentais existem 101 CAPSi; e 186 CAPS ad para usuários de álcool e/ou drogas.

Dos 26 CAPS que existem no Estado de Goiás, 7 deles funcionam em Goiânia, e quatro são CAPS tipo II que atendem pessoas em sofrimento psíquico moradoras deste município. Um destes serviços está localizado na região sudoeste da cidade, nomeado como CAPS Beija-flor. A partir das inusitadas vivências neste local de trabalho, surgiu o desejo de escrever textos que demonstrassem os impasses de um cotidiano repleto de desafios e embates contra a discriminação dos usuários do serviço de saúde mental.

O livro inicia com o texto das psicólogas Andréa Gonzalez de Souza Pinto e Lilamar Lobo Guimarães Gonçalves que debatem a cultura da medicalização no tratamento em saúde mental. Com o título: Retirando a Máscara da Alma: Uma Proposta de Desmedicalização da Vida, as autoras fazem um histórico do processo de medicalização na psiquiatria e propõe uma reflexão sobre o uso abusivo da medicação e o mascaramento do sofrimento psíquico no mundo contemporâneo. Em seguida, a crônica Pet Shop / Mundo Cão: A saúde mental no mundo contemporâneo, da psicóloga Rosana Carneiro Tavares reflete sobre as transformações da modernidade e o conseqüente vazio do mundo contemporâneo, associando-o ao uso do medicamento para mascarar esse sofrimento.

Um segundo bloco de textos apresenta experiências de trabalho desenvolvidas no CAPS pelas diversas profissões e as reflexões advindas dessas ações. O professor de Educação Física Márcio Vinícius de Brito Cirqueira com o texto Reflexões Acerca da Cultura Corporal no Espaço de Atenção à Saúde Mental apresenta um trabalho de atividade corporal desenvolvido no CAPS e propõe uma reflexão sobre o tratamento em saúde mental pela perspectiva da atividade corporal lúdica e interdisciplinar. O texto CAPS Beija-Flor e Arteterapia: Uma trajetória singular em Saúde Mental, escrito por Yuze Rasmussen A. de Faria apresenta a experiência de trabalho do arteterapeuta no CAPS e traz reflexões acerca do fazer interdisciplinar no CAPS. O artigo escrito pela psicóloga Rosana Carneiro Tavares e assistente social Lúcia Abadia de Carvalho Queiroz nomeado como O CAPS na Construção da Rede em Saúde Mental: Um relato de experiência traz reflexões sobre o conflito entre o público e o privado na construção da rede em saúde mental, a partir de uma ação de profissionais do CAPS, em conjunto com a equipe da estratégia de saúde da família. O texto da psicóloga Ionara Vieira Moura Rabelo e assistente social Lucia Abadia de Carvalho Queiroz intitulado “Pelo Céu Deixa Sombra, Pelo Chão Deixa Rastro”: Gênero e Violência Trabalhados no CAPS relata a experiência de um grupo de mulheres desenvolvido no CAPS e propõe uma discussão transversalizada de gênero e sofrimento psíquico, tendo como referência os papéis sociais assumidos pelas mulheres e as condições sócio-históricas da mulher na sociedade.

Objetivando refletir sobre o fazer no/do CAPS, são apresentados dois textos: no artigo dos psicólogos Abílio Costa-Rosa e Silvio Yasui, Algumas notas para pensar a Psiquiatria Psicossocial, os autores problematizam a práxis da psiquiatria na atenção psicossocial; o segundo trabalho, com o título, "Tecendo a Rede": Experiência do CAPS Beija-Flor de Goiânia-Goiás foi escrito pelas terapeutas ocupacionais Carlene Borges Soares e Patrícia Martins de Oliveira Silva e a enfermeira Lucilene Santana F. de Paula. Elas propõem uma discussão sobre o papel do CAPS na regulação da rede de saúde mental, na construção do projeto terapêutico do usuário e na extensão de suas atividades para fora do espaço interno da unidade. Tais propostas se apresentam não na possibilidade de construção da rede, mas principalmente na demarcação das dificuldades dessa construção. Ainda pretendendo refletir sobre esse fazer no CAPS, o artigo A Interdisciplinaridade e o Sigilo Profissional na Clínica da Reforma Psiquiátrica de autoria dos psicólogos Rosana Carneiro Tavares e José Helder Teixeira apresenta o resultado de uma pesquisa desenvolvida no CAPS, com os profissionais, sobre a atuação interdisciplinar, problematizando e explorando a questão do sigilo profissional na prática psicossocial.

Por último, o livro traz o conto da psicóloga Ionara Vieira Moura Rabelo, nomeado como: Quem é doido levanta a mão!! O conto, de forma divertida, remete à atuação do profissional de saúde mental e à sua tendência a classificar o sofrimento psíquico e a descrever os sintomas em detrimento da subjetividade.

Sobre os/as Escritores/as

Abilio Costa-Rosa – doutor em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP); docente do Departamento de Psicologia Clínica do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP-Assis.

Andréa Gonzalez de Souza Pinto - analista em saúde-psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde na cidade de Goiânia, atuando no CAPS Beija-flor desde 2005. No ano de 2000, trabalhou como psicóloga-supervisora no Distrito Sanitário Oeste, em Goiânia. Fez parte do Grupo Gestor em Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde na cidade de Goiânia, em 2004. Possui graduação em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás (1998) e Especialização Latu-Sensu em Saúde Mental, pela Universidade Católica de Goiás (2002).

Carlene Borges Soares - mestre em Psicologia Social pela Universidade Católica de Goiás (2003). Pós-graduada em Saúde Pública/UNAERP. Formação em Terapia Ocupacional/ College of St. Catherine-USA. Supervisora técnica do CAPS Beija-flor em Goiânia. Presidente da Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais. Conselheira do Conselho Nacional de Saúde. Ocupou o cargo de chefe da Divisão de Saúde Mental do município de Goiânia. Atuou como membro da equipe do PNASH-Psiquiatria.

Ionara Vieira Moura Rabelo (organizadora) - doutoranda em Psicologia pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP-Assis onde é pesquisadora pelo Núcleo de Estudos sobre Violência e Gênero- NEVIRG, mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás (2003), possui graduação em Psicologia pela Universidade Católica de Goiás (1994), graduação em Educação Física pela Escola Superior de Educação Física de Goiás (1992). Desde 2000 é analista em saúde-psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Goiânia, onde já atuou no Hospital-Dia, CAPS Vida e Beija-flor, foi Coordenadora do Programa de Volta pra Casa entre 2000 e 2004 e participou das equipes que realizaram o Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH-PSIQUIATRIA) no município de Goiânia.

José Helder Teixeira - psicólogo, especialista em saúde mental pela Universidade Católica de Goiás (2002). È diretor geral do CAPS VIDA/Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Goiânia.

Lilamar Lobo Guimarães Gonçalves – fundadora e diretora da Clínica Equilíbrio desde 1996, onde atua como psicóloga clínica; também trabalha como facilitadora no desenvolvimento de lideranças e equipes de trabalho. Participa da equipe de profissionais do CAPS Vida. É psicóloga especialista em Saúde Mental pela Universidade Católica de Goiás (2002); Psicoterapeuta Transpessoal pela Escola Dinâmica Energética do Psiquismo, com formação em Hipnoterapia Ericksoniana; em consultoria Coaching e Constelações Sistêmicas e no método de Transformação Pessoal Pathwork.

Lúcia Abadia de Carvalho Queiroz - mestranda em Serviço Social pela Universidade Católica de Goiás (UCG), especialista em Serviço Social Pela UCG (2000), possui graduação em serviço social, também pela Universidade Católica de Goiás (1998). É pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Estudo – Estado, Sociedade e Cidadania (NUPESC) – SER/UCG. Atualmente é Assistente Social na Secretária Municipal de Saúde de Goiânia/Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Beija- Flor e presta serviços como Perita social na Justiça Federal - Estado de Goiás.

Lucilene Santana Fernandes de Paula - enfermeira da Secretaria Municipal de Saúde (CAPS Beija-Flor) e da Secretaria Estadual de Saúde (Hospital Materno Infantil), da cidade de Goiânia-Goiás. É graduada em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Possui Graduação em Enfermagem e Obstetrícia pela Universidade Católica de Goiás (1998). Tem pós-graduação Latu-Sensu em Saúde Pública pela UNAERP. Tem experiência em Saúde Mental, Saúde pública, Epidemiologia Hospitalar, Controle de Infecção hospitalar, Medicina Tropical, Clínica Cirúrgica, Urgências e Emergências e Obstetrícia.

Márcio Vinícius de Brito Cirqueira - professor de educação física do Centro de Atenção Psicossocial Beija-Flor. Possui graduação em Educação Física pela Universidade Federal de Goiás (1999), é Pós-graduado (Lato-Sensu) em Gestão de Serviços de Saúde Mental, pela Universidade de Brasília (2001). Tem experiência como professor universitário pela Universidade Federal de Goiás, bem como na área do atendimento à criança e ao adolescente em situação de rua e transtornos mentais, e em saúde coletiva com ênfase em Saúde Mental.

Patrícia Martins de Oliveira Silva – pós-graduanda em Saúde Mental pela Universidade de Brasília (2008), possui graduação em Terapia Ocupacional pela Universidade Católica de Goiás (2004). Atualmente é Terapeuta Ocupacional na Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Goiânia- CAPS Beija-flor. É Membro do Conselho Fiscal da Associação Brasileira dos Terapeutas Ocupacionais (ABRATO). Foi professora convidada do Departamento de Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Universidade Católica de Goiás (2005). Tem experiência na área de Saúde Mental.

Rosana Carneiro Tavares (organizadora) – psicóloga e mestre em Psicologia, pela Universidade Católica de Goiás. Tem Especialização Lato-Sensu em saúde mental pela Universidade Católica de Goiás e em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Goiás. É professora da Fundação Universidade do Tocantins (TO) e é analista em saúde-psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde do município de Goiânia, atualmente à disposição do estado do Tocantins e membro da equipe de psicólogos do Hospital de Referência Dona Regina, no município de Palmas-TO. Foi trabalhadora do CAPS Beija Flor/Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Goiânia.

Silvio Yasui – doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ); docente do Departamento de Psicologia Evolutiva, Social e Escolar e do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP-Assis

Yuze Rasmussen A. de Faria (organizadora) – Arteterapeuta, desde 2004 é analista em Cultura e Desporto do CAPS Beija Flor / Secretaria Municipal de Saúde da cidade de Goiânia. Possui Graduação em Artes Visuais, pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Especialização Lato-Sensu em Arteterapia, pela UFG. Estagiou em Instituição Estadual para Menores Abrigados, e Pestalozzi. Ministrou aulas de História da Arte para alunos do ensino médio, fundamental, no Lyceu de Goiânia e Ensino Médio. Atuou como arteterapeuta no projeto Arte Educação da Organização Jaime Câmara. Realizou Workshop: Construção de mandalas no Congresso Pensar em 2003.
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3 comentários:

Unknown disse...

Só tenho que parabenizar o blog e o texto muito oportuno para clarificar qual é o espectro da Saúde Mental, hoje, no Brasil.
Pena que algumas pessoas por mais "inteligentes" que sejam, ainda possume uma defasagem de informações, principalmente em relação à um tratamento de saúde.
Faço parte hoje de um programa de NASF (Nucleo de Apoio a Saude da Familia),em São Paulo, que contempla questões referentes a saúde mental em todos seus ambitos, principalmente na familia, na desospitalização, no regresso ao território, onde a história de cada individuo se constitui. Novamente Parabéns e espero que este e-mail que recebi sobre o texto a que este do blog responde chegue a mais pessoas, no entanto fique claro que ha a possibilidade de tratamento sem internação, pois no texto do e-mail não quase não se ve o link do blog. E deixo um grande abraço a meus professores Abilio e Silvio (grande orientador).
Bruno Bittencourt

Luzenir Pires disse...

Parabenizo também este espaço onde posso externar minha admiração por estas pessoas que publicaram este livro, profissionais daqui da minha terra. Muitos, queridos por mim, e todos contam com o meu respeito pela luta que travam pela continuidade do processo de implantação da reforma psiquiátrica, em especial a discípula de Cora Coralina: Ionara. Todas são pessoas que fazem a diferença, nesse processo de mudança dos paradigmas, com relação à reforma psiquiátrica na nossa sociedade. Segundo Antônio Carlos Gomes da Costa, somente uma sociedade que aprende a respeitar os piores poderá um dia chamá-los de cidadãos.
Luzenir Pires

Mayk da Glória disse...

Sem dúvida alguma Ferreira Guillar não deve conecer a história da psiquiatria no Brasil e muito menos o que é um atendimento humanizado... Talvez precise de algumas aulas com Ionara Vieira Moura Eabelo, pois que foi aluna dela como eu passou a entender a necessidade e benefícios da reforma psiquiátrica no Brasil. Recomendo a Ferreira Gullar que leia o livro citado no blog. parabéns pelas colocações e citação bibliográfica...