abril 30, 2009

Cinema e memórias da infância

Cine Guarany - Manaus - Amazonas - Brasil

Cinema e memórias da infância

O cine Guarany não existe mais. No início dos anos 1980, o banco Itaú destruiu esse patrimônio dos amazonenses. Em seu lugar construiu um caixote de concreto, onde funciona a sede de uma das suas agências no coração da cidade de Manaus. O imóvel era da família do comendador J.G Araújo, que fez fortuna no ciclo econômico da borracha abrindo emprego para seus conterrâneos, inclusive vovô Antônio Barbosa, português, que trabalhou na sua firma entre os anos 1920-1930. Todas as autoridades da época se omitiram diante do protesto pela preservação daquele patrimônio. A professora Selda Valle e o professor Narciso Lobo, da Universidade Federal do Amazonas, bem que tentaram romper a passividade provinciana, em defesa do velho Guarany. Nem mesmo a voz do poeta Carlos Drummond de Andrade foi ouvida pelos governantes. Nos final dos anos 1950, início dos anos 1960, o Guarany foi o meu cinema e de minhas irmãs. Inesquecíveis sessões da tarde, apinhado de crianças felizes e barulhentas. As matinês projetavam aos domingos um seriado e um filme principal. Oscarito, Grande Otelo, José Lewgoy, Wilson Grey, Eliana, Cyl Farney, Dercy Gonçalves, Zezé Macedo, Renata Fronzi, Sônia Mamede, Ronald Golias, Mazaroppi, Cantinflas, Johnny Weissmuller (eterno Tarzan) e tantos astros ficariam guardados na memória de nossa infância. Como igualmente ficaram as músicas ouvidas num alto-falante estridente, dirigidos para a praça Heliodoro Balbi (praça de Polícia). Entre elas a voz do “cantor das multidões” Anísio Silva. Sem contar Cauby Peixoto, Ivon Cury, Dalva de Oliveira, Angela Maria, Francisco Alves e tantos outros. Na saída do cinema, atravessávamos a rua Floriano Peixoto, com passagem pelo Café do Pina, e alcançávamos a praça da Polícia situada entre dois monumentos históricos: o Gymnasio Pedro II e o Quartel da Política Militar. Mãos dadas em fileirinha, tendo à frente nossa mãe, lá íamos os três apreciar o movimento das dezenas de animais espalhados pela praça e nos danarmos pelo passeio. Nos lagos, patos e marrecos, que alimentávamos com pipoca. Nas gaiolas, macaquinhos e aves da região: papagaios, araras, periquitos. Todos cuidados por jovens militares. Lembro-me de um dia em que a festa encerrou mais cedo. Sim, era uma festa para nossos sentidos de criança. Nesse dia, nossa irmã caçulinha espevitada meteu o dedinho numa gaiola, logo abocanhado por um irrequieto macaquinho. Meu lencinho branco, hábito que levei para a vida adulta, mudou de cor, ajudou a estancar o sangreiro, e voltamos mais cedo para casa. A presença de uma llama, do Peru, parecia lembrar o quanto nossas relações com o país vizinho foram mais próximas, muito antes de Mercedes Soza cantar pela integração da América Latina. Os boleros do Trio Los Panchos e Javier Soliz, as cumbias e merengues nos eram muito familiares, sobretudo para os de casa. A llama de pelos brancos era também, para nossa pequena família, um testemunho das nossas relações com o país vizinho, terra de alguns dos meus ancestrais, tanto nativos, quanto do patriarca que saira de Vallodolid, Espanha e atravessara o Atlântico para se fixar em plena selva amazônica, na última metade do século XIX. No coreto, a apresentação da impecável banda de música da Polícia Militar espalhava seus acordes, antes do findar da tarde. Dela tenho recordações que remontam à mais tenra idade. Diariamente a banda saia do quartel, cruzava as ruas José Paranaguá, Leovegildo Coelho, às vezes pela av. Joaquim Nabuco e rua Miranda Leão, até chegar no final da praça dos Remédios com a rua dos Barés onde nasci e fui criado. À sua frente um querido personagem popular, o Bombalá, que ora marchava, ora regia a banda para alegria da garotada. Ainda me vejo, entre 4 e 5 anos de idade, sentado à beira da calçada, com um copo de água e uma escova de dentes, vendo o sol empinar pelas bandas do bairro do Educandos, sob melodiosas marchinhas da banda da minha infância. Nessa época, nós, molequinhos, estávamos à toa na vida, ainda não sabíamos que seriam os amores de nossas vidas, e víamos todos os dias a banda passar.

O cine Guarany vive na nossa memória. Com ele muitos outros foram engolidos por uma noção marota de desenvolvimento, que destrói patrimônios afetivos tão importantes na construção da identidade de uma cidade e do seu povo.

Por falar em cinema, da listagem dos filmes postados em Amálgama, de autoria de Vanessa Souza, todos são da segunda metade do século XX para cá. Quero acrescentar um do início da segunda metade do século passado, clássico de Alfred Hitchcok, da categoria filmes de suspense. Comparada às temáticas atuais, o "Psicose" do cineasta inglês é fichinha entre os filmes atuais de categorias assemelhadas. O mundo já foi mais encantado.

[Amálgama]

No escurinho da mente

Posted: 29 Apr 2009 08:03 PM PDT

por Vanessa Souza – O filósofo Jacques Derrida afirmou, em uma entrevista no ano de 2001, que todo espectador, durante uma sessão de cinema, põe-se em contato com um trabalho do inconsciente, tornando a experiência estranhamente familiar – ou, no original, em alemão, “unheimlich”. Já Lacan disse que o sujeito se estrutura em uma linha de ficção.

Assistir um filme que realmente nos toca pode ser algo da ordem do visceral, trazendo identificação, alívio, curiosidade, incômodo, alegria… Como na literatura, o efeito está nos olhos – e nas entrelinhas – de quem assiste. A lista abaixo é um apanhado de filmes que enfocam, de uma forma ou de outra, temas presentes no cotidiano e na psicanálise, simultaneamente.

Leia mais em [Amálgama]

Posted by Picasa

Um comentário:

Alexandre Silva disse...

Rogélio:
O passado não deve ser melhor que o presente, mas, que dá saudades, isso lá, dá.