abril 06, 2009

Memórias do hospício (XI)

Foto: Rogelio Casado - Gov. José Lindoso no HPER - Manaus-AM, 1981

Secretário de Saúde Francisco de Paula, governador José Lindoso e Raimunda Souza Santos (que dizia ter morado na casa do "padrinho" Getúlio Vargas, antes de ser internada); ao fundo, o Sub-secretário de Saúde Tancredo Castro

Memórias do hospício (XI)

O ano era 1980. O governo, José Lindoso. Um homem honrado. Morreu sem usar sua autoridade para se locupletar. Seu pecado, apoiar a ditadura militar. Entretanto, como nenhum outro governo até então, soube desvencilhar-se da psiquiatria conservadora e abrir novos caminhos para a saúde mental do estado, prestando relevante serviço à história da atenção e dos cuidados aos loucos da cidade.

Tanto assim que depois do então Hospital do Câncer – recém saído de um escândalo sem precedentes –, o Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro foi considerado, naquele período, o segundo melhor desempenho de todos os serviços públicos de saúde da cidade de Manaus.

Tudo porque a psiquiatria da época soube conciliar clínica e política como jamais se vira no velho hospício da cidade. O ócio químico a que estavam submetidos “doentes” internados de longa data foi sucedido por um projeto de reabilitação psicossocial, num período em que o orçamento do hospital psiquiátrico era no mínimo precário. Nem por isso impeditivo da construção de um novo horizonte de cidadania para os chamados “doentes mentais”.

Data dessa época a construção da reforma psiquiátrica no território amazonense, na perspectiva de uma clínica cidadã, capaz de conciliar demandas de saúde e demandas sociais. Ou seja, o uso criterioso de psicofármacos e a remuneração do trabalho protegido. Este último, um salto qualitativo no campo dos direitos civis e políticos dos cidadãos vivendo em hospícios.

De lá para cá, na ausência de processos de educação continuada, o que se viu foi o progressivo distanciamento dos princípios consagrados pelo movimento da reforma psiquiátrica brasileira, a incapacidade de estabelecer os termos da ruptura com a instituição manicomial, que nem mesmos os cursos de saúde mental, oferecidos mais recentes, foram suficientes para mediar a construção de uma nova passagem ao modelo de atenção psicossocial, para os quais são fundamentais recursos humanos convertidos ao novo ideário. Sem eles a reforma não avança.

Manaus, Março de 2009.

Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com

Nota do blog: Artigo publicado no Caderno Raio-X, do jornal Amazonas Em Tempo.

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