abril 20, 2009

In Nação: Dia do Índio

Foto: Bruno Dourado - 4a. Conferência de Saúde Indígena
[Amálgama]

In Nação: Dia do Índio

Posted: 19 Apr 2009 03:01 PM PDT

por Suelen Viana * – Dizem por aí, as famintas e curiosas línguas ávidas de saber, que nação é uma palavra derivada do latim natio, de natus (nascido). Muito bem, o que quero dizer hoje está (pelo menos desta vez) ao alcance da língua que por ventura aprendi a falar e tomar como minha: a tal língua luso-brasileira. Nascer no Brasil é tornar-se imediatamente um brasileiro.

O nascido no Brasil se torna natu-brasileiro e mergulha num rio de possibilidades nacionais predeterminadas, primárias, “prinatas”. Este é o nosso primeiro mergulho nas águas turbulentas do poder que emana da natureza humana. A força da natureza humana é uma migalha da força da mãe natureza. A natureza humana não tem o poder natural de mover montanhas, causar tsunamis ou erodir furacões. A força da natureza humana se revela notavelmente no exercício do poder subjetivo e abstrato, para a geração de consequências visíveis e concretas.

A força da natureza humana se exerce no seio da comunidade das gentes. É aí que entra a polêmica discussão acerca do índio no Brasil, das legítimas nações indígenas que aqui estavam antes das caravelas portuguesas lideradas por Pedro Álvares Cabral fincarem em “suas costas”, em 22 de abril de 1500, as suas bandeiras cristãs e logicamente (estavam em páscoa) rezarem sua primeira missa, a 26 de abril do mesmo ano.

Quando nasceu o Brasil? O Brasil nasceu quando a soberania indígena por aqui morreu. Nasceu em 22 de abril de 1500. Nasceu aí a nação brasileira que de Ilha de Vera Cruz, mudou para Terra de Santa Cruz, que finalmente se assumiu como Brasil – o país continente. De pequeno ficou grande, espaçoso e imponente.

E as nações indígenas? Nasceram por aqui, já tinham seu recorte no tempo e no espaço, já eram nação antes mesmo de se conceberem como tal. Eram donas “inatas” destes lugares, tinham suas próprias políticas, seus próprios domínios e conceitos de paz e guerra. As nações indígenas não foram inventadas pelos brasileiros, elas antecederam os brasileiros. Portanto, como podem ter sido assim engolidas pelo recém nascido e monstruoso Brasil? Responda a estas perguntas quem puder em poucas palavras explicar a natureza da nossa humana força bruta.

As nações indígenas em território brasileiro hoje são por força política e econômica parte inalienável da Nação brasileira. Nasce-se índio, mas acima disto está o chão que você pisa e este chão te batiza como brasileiro. Na mesma condição estão os milhares de brasileiros que aqui nascem todos os dias e que são descendentes de outras “etnias”.

Diante disto, como fazer para exercer uma política nacional e soberana cujo poder não massacrará nem alienará o direito ao culto e liberdade de cada um que nasce neste berço esplêndido? Como fazer para promover o crescimento e ao mesmo tempo evitar que nações se sobreponham e guerrilhem com a “sua” nacionalidade? Como fazer, por exemplo, com que uma Raposa Serra do Sol ou uma Reserva Parabitana Cuécué se conserve e preserve o direito que tem os que ali nasceram, sem ao mesmo tempo alienar o direito que tem aqueles que ali escolheram viver por também serem brasileiros?

O Brasil é hoje um país soberano. Os brasileiros constituem uma nação que, respeitadas todas as diferenças, devem satisfação e subordinação a uma tal Constituição que atende (ou pelo menos deve atender) aos direitos e deveres de todo cidadão brasileiro (sem entrar no mérito de cidadania, por enquanto).

Não me parece justo condenar os povos indígenas à marginalidade, à mediocridade, ao preconceito, à falta de estrutura e de condições mínimas de educação e saúde. Não me parece justo deixar que estrangeiros se apoderem de nosso capital e riqueza humana e façam disto um exército de reserva pronto para lutar a favor de seus interesses. Assim como fizeram os portugueses no Brasil de 1500, fazem os estrangeiros no Brasil do século 21. Não se propaga a fé e o império sem qualquer interesse de dominação!

*

A minha opinião é que, hoje, o Brasil deve assumir a sua cara e dar continuidade à colonização que começou quando do seu nascimento, sem aqueles exageros grotescos, é claro. Não estou dizendo que devemos sair por aí dizimando índios. Estou dizendo que devemos tomá-los como patrimônio nosso. Hoje nós aprendemos que os índios são parte nossa assim como somos parte deles. Se queremos que eles defendam uma soberania brasileira, que se sintam brasileiros, é o Brasil que tem que dar a eles este sentimento de nacionalidade. Quando o Brasil permite que estrangeiros façam aqui o que ele deveria estar fazendo, acabamos por entregar ouro ao bandido. A colonização de hoje tem que acontecer nos moldes de hoje. Humanitariamente. Trazer para a gente o que já é nosso e não tirar da gente para dar aos outros. É isso. Infelizmente é isso. Eu poderia pensar de forma romântica e defender aqui uma soberania indígena onde índio faz o que quer com as terras que “diacronicamente” lhes pertence; mas eu sei da fragilidade do índio e sei do poder da força humana que se transforma diante de qualquer oportunidade mínima de poder. É só ler A revolução dos bichos, de George Orwell, ou Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago.

Acredito que índio tem que ter os mesmos direitos que tem ou deveriam ter todos os cidadãos brasileiros. Índio não merece ser tratado de forma diferente. Isto implica em direitos e deveres. Índio tem direito a terra, a saúde, escola, estruturas básicas, direito de preservação de culto, de cultura. Assim considerado, o Brasil não tem direito à inação no que tange às causas indígenas, porque elas são legítimas. O Brasil não tem direito de virar as costas a estes brasileiros. O Brasil não pode deixar que outros cuidem de suas feridas com interesses escusos. Em contrapartida, o Brasil não tem direito de humilhar e expulsar de suas terras os brasileiros que não nasceram índios mas que vivem em terras hoje consideradas legalmente indígenas. Estes também tem direito sobre estas terras. Visite a Raposa Serra do Sol e converse com os não-indígenas que estão sendo expulsos de lá. Não estou falando dos rizicultores. Estou falando de gente simples e humilde que vive (vivia) na área.

O Brasil que dê ao índio o que lhe é de direito, mas que não tome erroneamente no seio desta medida a decisão de aprovar a segregação entre “nações” brasileiras. Apesar de belo, o índio no Brasil não é só índio, é também brasileiro. De novo: isto é um exercício de poder necessário, dada a imensa inclinação humana para a subjugação e alienação do outro, do semelhante. Em terra sem lei, quem tem uma bala na agulha é rei. Ou você tira a munição de todo mundo ou você dá bala e revolver para todos.

Complicado? Eu sei que é.

* Suelen Viana nasceu na ilha Tupinambarana (hoje Parintins) e mora em Manaus. Mestre em Linguística, tradutora, professora de inglês e português para estrangeiros.

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Leia também Aldo, o Bandeirante Vermelho na coluna Taquiprati, do imortal José Ribamar Bessa Freire.
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