abril 05, 2009

Lições de barbárie

Foto: Rogelio Casado - SOS Encontro das Águas - Manaus-AM, março/2009

À direita da Alumazon (lugar destinado à captação de águas para a Zona Leste da cidade de Manaus) começa o igapó-santuário- berço dos peixes que compõe a boca do lago do Aleixo. Nesse trecho, por 260 metros, pretende-se construir o Porto das Lajes. Qualquer ginasiano sabe que o ecossistema dessa região será profundamente abalado: captação de águas, porto e santuário de peixes não combinam em qualquer parte do mundo.

Lições de barbárie

Lição de barbárie (I) - Meados da primeira década dos anos 1980, Hermengarda Junqueira estava Superintendente da então TV Educativa quando entrevistou um festejado autor literário, dono de faculdades particulares no triângulo mineiro.

A criatura havia fixado residência temporária em Manaus, de cujo porto singrava os rios a bordo do “Marquês de Carvajal”, em busca da natureza exuberante da Amazônia. Tinha o porte altivo de nobre decadente. Suas madeixas longas, embranquecidas, emolduravam um rosto envolto num ar blasé. Dono de um gosto requintado, dispunha no seu barco de um piano de cauda, onde Zé Martins dedilhava clássicos da música erudita. Costumava marcar ponto no bar Opção, o bar da moda da época.

Durante o programa, amineiradamente foi tecendo uma série de heresias sobre a realidade amazônica. Negou a existência de malária na região, de conflitos sociais, ambientais e urbanos. Na verdade, negou problemas de qualquer natureza, como se habitássemos o paraíso. Tudo sob o olhar estupefacto de um político local e de um padre. Este último, na condição de entrevistador, bem que tentou se contrapor às litero-chatices do nosso personagem.

Hermengarda, anfitriã, interviu perguntando se ele desconhecia que a malária é endêmica na região. “Malária? Malária? Ah, sim! Maleita?...”, respondeu enfastiado, “Peguei uma vez... num córrego da minha cidade”. Tamanho era o mal-estar que não se via a hora de acabar o programa. Eram tempos de ditadura militar.

O professor da então Universidade do Amazonas, Ernesto Renan Freitas Pinto, um pernambucano de alma cabocla, lavou a alma dos manauaras escrevendo o clássico “Lição de barbárie”, publicado no jornal A Crítica.

Lição de Barbárie (II) - Este episódio me veio à memória devido um outro semelhante, mas desigual. Desta vez em mídia radiofônica.


Na manhã de sexta-feira (04.04), o que era para ser um debate sobre os prós e contras à construção do porto das Lajes na radio CBN, começou com um festival de grosserias, tal a arrogância dos argumentos do professor José Alberto da Costa Machado, da UFAM. O que há de semelhante com o episódio anterior é a arrogância, embora uma seja literária e a outra científica. Uma estava emoldurada nas artimanhas da linguagem metafórica, a outra em argumentos atentatórios à ética científica. Uma tinha o ar da enfastiada nobreza em decadência; a outra, da violência verbal em ascendência, tão ao gosto do mundo pós-moderno.

Nenhum conhecimento nega outro conhecimento, dentro da lógica mais elementar da interdisciplinaridade. Só o inquebrantável humor do antropólogo Ademir Ramos para conter o furor ardiloso do seu interlocutor, que exigia o seu “curriculum em duas vias autenticadas em cartório”, ao identificar no opositor uma brincadeira da infância: tu mostras o teu, que eu mostro o meu, e vamos ver qual dos dois é maior. Foram necessários dois blocos do programa para desarticular o discurso desesperado de um interlocutor supostamente temperado nos debates acadêmicos. Nem nos debates ginasianos, quando se trabalha a ética dos debates, se desqualifica o discurso do oponente com tamanha desfaçatez.

Há tempos não via uma causa sendo defendida de modo tão extremado. Se o professor universitário José Alberto da Costa Machado desqualifica um professor com trinta anos de vida acadêmica e social, com mestrado em antropologia e um doutorado inconcluso, imagina como seria tratado o conhecimento tradicional e popular dos ribeirinhos do lago do Aleixo. A empresa Login Logísta Intermodal não precisa de adversários que comprometam sua imagem, ela já tem uma à mão. O mesmo personagem que horas depois, em debate na FIEAM, com a presença do senador João Pedro, defendeu veementemente o projeto das Lajes, invocando uma cândida e insuspeita cidadania. Foi “desmascarado” pelo próprio presidente da respeitada entidade que o identificou como interlocutor para assuntos referentes à construção do porto das Lajes.

É compreensível que a Login Logística Intermodal e a FIEAM busquem aliados entre os homens de ciência. Escolheram mal o parceiro. Hermengarda tem razão: “Na marra, não dá!”. Queremos debates civilizados, e não a beligerância típica de indivíduos inseridos em gangues habituadas a refregas de esgoto. Vale lembrar que até nas boas gafieiras existem regras a serem respeitadas.

Ao professor Ademir Ramos, minha solidariedade.

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Leia, também, a análise do jornalista Wilson Nogueira sobre a questão do Porto das Lajes: O porto incômodo e a autoridade

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Um comentário:

contato disse...

Rogelio, O José Alberto é caso conhecido e comprovado de alguem que deu aula a Deus.