julho 08, 2009

Decisão da ANS bota lenha na fogueira

Foto postada em novosite.simers.org.br
Nota do blog: O Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul encontrou seu parceiro na luta contra a Reforma Psiquiátrica brasileira. Aliás, não é de hoje. A Folha de São Paulo - parceiro virtual - continua insistindo na sua decisão de espezinhar a Reforma. O gancho veio da uma decisão da Agência Nacional de Saúde sobre os planos privados. Dois coelhos foram atingidos de uma cajadada só. Além das empresas garantirem o aumento de seus lucros, a psiquiatria conservadora fortalece a justificativa de internações psiquiátricas . É dose pra sossegar leão.

Folha de São Paulo 04/07/09

Psiquiatria deve ter cobertura ampliada em planos de saúde

Agência Nacional de Saúde quer impedir que convênios deixem de custear parte da internação após prazo mínimo

Proposta de alteração apresentada ontem deve entrar em vigor em 2010, após consulta pública; para empresas, custo vai subir

PEDRO ANDRADA COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) definiu ontem novas diretrizes, que pretendem ampliar coberturas para internação, consultas e outros tipos de tratamento de doentes mentais.

A proposta, que segue em setembro para consulta pública, deve entrar em vigor em 2010 (veja as principais mudanças no quadro acima).

Se implantada sem alterações, a resolução deve minorar problemas como os de Roberto, 61 (os nomes de pacientes e familiares foram trocados, para preservar sua identidade). Diagnosticado como esquizofrênico por uso de droga, ele teve sua internação custeada pelo convênio apenas por 15 dias.

Ao final desse prazo, o plano de saúde não propôs nenhum acordo para bancar parte do tratamento (a chamada coparticipação).

Para mantê-lo em tratamen to, sua mulher, Maria, 65, e sua irmã gêmea, Paula, 61, tiveram que recorrer a uma clínica filantrópica. Para elas, a resistência dos planos de saúde em cobrir parte dos custos é "desumana".

Segundo Martha Oliveira, 33, coordenadora do grupo revisor e gerente-geral na ANS, os contratempos vividos pela família ocorrem por uma brecha na lei, que as novas diretrizes procuram eliminar.

A atual resolução prevê cobertura integral de no mínimo 30 dias por ano para internações psiquiátricas comuns e 15 dias para dependentes químicos. Após esses prazos, o custo do tratamento pode ser dividido entre empresa e cliente, mas os convênios não devem negar internação ao consumidor, como já determina a lei 9.656, que regula o setor de saúde privada.

O problema é que, como diz Oliveira, "há quem interprete hoje a resolução como se houvesse um limite para o tempo de cobertura da internação, pois ela tem uma escrita dúbia". Para Claudio Lopes, 58, diretor da clínica privada Bezerra de Menezes, muitas famílias ficam sem ter como pagar o restante do atendimento.

"Muitas vezes nós mantemos o paciente internado à nossa própria custa", afirma o diretor, que calcula enfrentar essa situação de três a quatro vezes por semana.

A Unimed Brasil e a Abramge, associação que representa cerca de 270 planos de saúde do país, não quiseram falar sobre as mudanças da agência nacional antes que elas entrem em consulta pública.

A Fenasaúde, que fala em nome de 16 grandes empresas de saúde, diz que as associadas cumprirão o determinado pela agência e que as medidas elevarão o custo do serviço prestado.

Reforma ainda patina no setor público

A lei 10.216, sancionada em 2001, tornou oficial no Brasi l uma política pública inspirada pelo psiquiatra Franco Basaglia (1924-1980), idealizador de mudanças no sistema de saúde mental italiano. O movimento antimanicomial brasileiro conseguiu, com a lei, substituir o modelo de hospitais psiquiátricos, muitos com características de depósitos humanos, por um de atendimento extra-hospitalar.

A vedete do sistema são os Caps (Centros de Atenção Psicossocial), cujo objetivo é fornecer serviços médicos e psicológicos, assistência social e atividades terapêuticas.

Para o caso de surtos, no lugar das instituições exclusivas, a ideia é abrir leitos psiquiátricos em hospitais comuns.

Ainda existem manicômios com péssimas condições, no entanto, e o progressivo fechamento de hospitais psiquiátricos criou um vácuo de internação, necessária para pacientes em surto.

Para especialistas, é preciso reforçar a capacidade da rede básica de diagnosticar e encaminhar doentes mentais e garantir internação a quem precisa.

Para escritor, internação pode ajudar doentes

RODRIGO VIZEU

O escritor e jornalista Renato Pompeu, 67, tem um histórico de internação que data dos anos 1970, quando começou a ter alucinações. Chegou a passar 20 meses seguidos internado em clínicas psiquiátricas particulares. O último surto, em 2000, levou-o a ficar um mês no Água Funda, hospital psiquiátrico paulista.

Mesmo tendo conhecido a rede de saúde mental antes da lei de 2001, que reformou o sistema psiquiátrico, Pompeu defende a internação como opção de tratamento, principalmente por fazer o paciente conviver com pessoas com situação semelhante e, assim, passar a entender a própria doença. Com passagens pela Folha, pela "Veja" e pelo "Jornal da Tarde", Pompeu é hoje br />colunista da "Caros Amigos".

FOLHA - O que lhe causou os primeiros sintomas?

RENATO POMPEU - Fui preso por uma semana durante o regime militar (1964-85), devido a coisas que escrevi e por conhecer pessoas procuradas. Sofri espancamento com cabo de vassoura e choque nos dedos. Saí com mania de perseguição e me deteriorei até ter alucinações.

FOLHA - Como foram suas experiências internado?

POMPEU - Concordo que alguns hospitais antigos eram depósitos de doentes. Mas o internamento foi a melhor coisa que me aconteceu depois da psicanálise. Acho que a pessoa deve ser internada quando não se aguenta mais e deve ficar até voltar a se aguentar. Eu não entendo esse negócio de ficar sete dias e depois voltar para a família. O doente vai voltar à situação patológica que se criou. Quando eu saí da internação, fui morar com amigos e, depois, sozinho.

FOLHA - Qual o papel dos outros internados no hospital?

POMPEU - O normal é você pensar que não está pensando coisas malucas. Mas, quando você está internado, percebe o outro e surge na sua cabeça: "Estou vendo que o cara está fazendo coisas absurdas, eu digo para ele e ele não acredita. Ele está fazendo o mesmo comigo. Será que eu também não estou pensando coisas absurdas?". A grande terapia do doente mental é o outro doente.

FOLHA - Você já sofreu violência durante internações?

POMPEU - No primeiro ano e meio que fiquei internado, um doente socou meu ombro por trás. Em outro ano e meio que morei sozinho, fui assaltado três vezes. Um hospital bem organizado é relativamente protegido.

FOLHA - Como foi ficar no hospital da Água Funda, que é público?

POMPEU - Tinha medicação, atividades, psicoterapia individual e de grupo. Achei bastante razoável.

FOLHA - Você tem contato com o movimento antimanicomial?

POMPEU - Tinha mais antes. Eles foram parando de me chamar pelas minhas posições a favor de internação e contra o retorno para a família. Acho também que lugar pequeno não é muito conveniente; médicos ficam amigos de pacientes, passam a tolerar os sintomas, não se cria uma noção clara do que é normal e do que é doença.
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Um comentário:

Unknown disse...

Caro Pompeu, você é um resignado porque não conheceu algo melhor para sua vida. Quando conheceu preferiu não arriscar a experimentar, pois você já estava institucionalizado. É uma pena você ser tão egoísta e metido a normal. Normal é ser feliz com auto-aceitação, com liberdade para exercer a cidadania e direito para ter voz e não ser um excluído!