País foi considerado culpado por grampos feitos no Paraná contra grupos ligados ao MST
A Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou o Brasil pelo uso de interceptações telefônicas ilegais há dez anos contra grupos ligados ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) no Paraná. A sentença do caso “Escher e outros versus Brasil”, divulgada ontem, considera o Estado brasileiro culpado pela instalação dos grampos, pela divulgação ilegal das gravações e pela impunidade dos responsáveis. A denúncia foi levada à OEA em dezembro de 2000 pelo MST e pelas ONGs Justiça Global, Comissão Pastoral da Terra, Terra de Direitos e Rede Nacional de Advogados Populares.
Em maio de 1999, o então major Waldir Copetti Neves, oficial da Polícia Militar do Paraná, solicitou à juíza Elisabeth Khater, da comarca de Loanda, no Noroeste do estado, autorização para grampear linhas telefônicas de cooperativas de trabalhadores ligadas ao MST. A juíza autorizou a escuta. “Sem qualquer fundamentação, sem notificar o Ministério Público e ignorando o fato de não competir à PM investigação criminal”, diz a Justiça Global. Durante 49 dias os telefonemas foram gravados. “A falta de embasamento legal para determinar a escuta demonstra clara intenção de criminalizar os trabalhadores rurais grampeados”, acusa a ONG.
A Secretaria de Estado da Segurança Pública do Paraná convocou uma coletiva de imprensa e distribuiu trechos editados das gravações, dando a entender que integrantes do MST planejavam um atentado à juíza Elisabeth Khater e ao fórum de Loanda. O material foi veiculado em diversos meios de comunicação.
Em setembro de 2000, a promotora de Justiça Nayani Kelly Garcia, da comarca de Loanda, emitiu parecer dizendo que as ilegalidades no processodo caso das interceptações telefônicas “evidenciam que a diligência não possuía o objetivo de investigar e elucidar a prática de crimes, mas sim monitorar os atos do MST, ou seja, possuía cunho estritamente político, em total desrespeito ao direito constitucional à intimidade, à vida privada e à livre associação”.
Hoje, as ONGs solicitarão reunião com o Conselho Nacional de Justiça, ministérios da Justiça e das Relações Exteriores, Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Câmara dos Deputados, governo do Paraná e Tribunal de Justiça do Paraná para discutir a implementação da sentença.
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O CRIME E A PENA
O Brasil foi condenado a realizar uma investigação completa e imparcial e a reparar as vítimas pelos danos morais e materiais sofridos em decorrência da divulgação das conversas gravadas.
A corte da OEA considerou que o estado violou:
- O direito à vida privada e o direito à honra e à reputação reconhecidos no artigo 11 da Convenção Americana de Direitos Humanos, em prejuízo das vítimas dos grampos;
- O direito à liberdade de associação reconhecido no artigo 16 da Convenção Americana, em prejuízo das vítimas, integrantes do MST;
- Os direitos às garantias judiciais e à proteção judicial reconhecidos nos artigos 8.1 e 25 da Convenção Americana em prejuízo das vítimas, a respeito da ação penal seguida contra o ex-secretário de segurança do Paraná; da falta de investigação dos responsáveis pela primeira divulgação das conversas telefônicas; e da falta de motivação da decisão em sede administrativa relativa à conduta funcional da juíza que autorizou a interceptação telefônica.
Na sentença, a corte determina que o Estado deve:
- Indenizar as vítimas no prazo de um ano.
- Realizar ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional com o objetivo de reparar violações aos direitos à vida, à integridade e à liberdade pessoal.
- Investigar os fatos que geraram as violações.
- Publicar a sentença no Diário Oficial, e no prazo de seis meses também num jornal de circulação nacional e em outro de circulação no Paraná, e em dois meses num site da União e do Paraná.
- Restituir as custas dos processos.
- Apresentar relatório do cumprimento da sentença no prazo de um ano.
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