março 05, 2007

Morrem Robert e Rosine Lefort

















Pintura feita por criança autista

ASSOCIAÇÃO MUNDIAL DE PSICANÁLISE
O Delegado Geral aos membros.
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Homenagem a Robert Lefort

A Associação Mundial de Psicanálise acaba de perder, na pessoa de Robert Lefort, um dos fundadores da psicanálise de Orientação Lacaniana « com crianças ». Robert Lefort, pedopsiquiatra e psicanalista apaixonado, sempre quis aplicar os ensinamentos da psicanálise com as crianças psicóticas em enquadres institucionais adaptados. Para ele, a criança, especialmente psicótica, não deveria ser abordada apenas a partir do imaginário, como o faziam as técnicas de jogos especialmente divulgadas. Era preciso abordá-la mediante a amarração particular do simbólico e do real. O final dos anos sessenta foi propício para as experiências institucionais. Ele criou, com Maud Mannoni a « Escola Experimental de Bonneuil-Sur-Marne », em setembro de 1969, como uma « instituição explodida ».

A ênfase dada ao lugar e à função do real para o sujeito psicótico nos afastará das aderências kleinianas na psicanálise com crianças. Ela se manterá distante da função das imagens do corpo referidas por Françoise Dolto, graças ao (a) sem representação. Essa orientação permite, enfim, apreciar as razões do movimento clínico pós-kleiniano (Meltzer, Tustin) em direção à clínica do autismo.

A partir de sua paciente pesquisa, seu engajamento na Escola da Causa Freudiana, em 1981, é acompanhado da vontade « de dar à psicanálise com crianças todo seu lugar no Campo Freudiano ». Foi assim que começou a carta de intenção de 11 de outubro de 1982, que iria se concretizar com a criação do Cereda no âmbito do Instituto do Campo Freudiano. Robert Lefort assim situava o que estava em jogo: «Manter a psicanálise com crianças na redução a uma técnica de jogos e desenhos implicaria uma grande contradição com aquilo de que a criança se mostra capaz, mesmo ainda muito jovem – mesmo antes de falar -, no sentido de nos esclarecer sobre um ponto tão essencial quanto a constituição do sujeito no discurso analítico…Seria preciso retomar a psicanálise com crianças nesse nível mínimo, ali onde o corpo aparece de maneira privilegiada como um corpo de significante. Significante, com certeza, mas no qual o real tem todo seu lugar a partir do objeto (a); e, se o sujeito aparece como um efeito de real, é, de fato, na criança »[1].

Desde a formação do Cereda até a iniciativa de um cartel composto por Robert e Rosine Lefort, Jacques-Alain Miller e Judith Miller, e eu, foram cogitadas jornadas de estudos. Eu me lembro das reuniões calorosas e animadas desse cartel, na casa de Robert e Rosine Lefort. Essas jornadas aconteceram regularmente, primeiro semestrais, depois anuais, a partir da primeira delas em 5 de março de 1983. Elas continuam vetorizando os trabalhos dos grupos da Nova Rede Cereda, que Rosine e Robert Lefort iniciaram e enxamearam amplamente. Num certo momento escolhido por eles, Rosine e Robert Lefort souberam transmitir a outros o seu desejo. A XXV Jornada de Estudo do Cereda em Paris, em 20 de julho de 2002, teve a dupla particularidade de ser incluída em um Encontro Internacional do Campo Freudiano e de realizar-se sob o modo de uma conversação. O Cereda terá seu lugar no Encontro Pipol 3, em Paris, nos dias 30 de junho e 1o de julho deste ano.

De O nascimento do Outro (1980) à La Distinction de l’autisme (2003), Robert Lefort desenvolveu com Rosine uma obra centrada no tratamento dos sujeitos para os quais « não há Outro ». Eles chegaram a colocar este « não há Outro» em tensão com a « inexistência do Outro » na civilização. Nessa perspectiva, eles postulavam « uma estrutura autista» que, sem se apresentar como um quadro de autismo propriamente dito, o evoca por seus elementos estruturais dominantes e muito nitidamente balizáveis. Essa estrutura viria em quarto lugar entre as grandes estruturas: neurose, psicose, perversão, autismo».[2]

Em Distinction de l’autisme, os gênios e os autistas adultos que puderam testemunhar de sua singular posição subjetiva estão reunidos. Eles nos aparecem como irmãos autistas do gênero humano. Robert Lefort sabia respeitar o ponto de douta ignorância que nos surpreende diante do mistério final da saída do autismo, através de um dispositivo discursivo ou de uma passagem ao ato. Pelas minuciosas investigações que ele implica, o método que ele nos propõe, através do casos clínicos ou casos históricos, é ainda mais precioso nessa época das escalas de avaliação, em que a busca da singularidade quer ser dissolvida nas « démarches preventivas globais ». Robert Lefort nos deixa, os livros de Robert e Rosine Lefort continuam, a cada dia, nos sendo sempre necessários.

Em nome da AMP, envio minhas condolências a Rosine Lefort, à sua filha e à sua família.

Éric Laurent

16 de fevereiro de 2007

Tradução: Vera Avellar Ribeiro
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Rosine Lefort

Soubemos que Rosine Lefort se foi no domingo, 25 de fevereiro, doze dias depois Robert. Eles eram os inseparáveis para todos os que, como eu, os conheceram. E assim continuaram até os seus últimos dias.

Rosine e Robert Lefort, formados por Jacques Lacan, lhe foram inabalavelmente fiéis, em todos os momentos decisivos atravessados pelo movimento analítico na segunda metade do século XX.
Eles são daqueles que prosseguiram com Lacan no momento da dissolução de sua Escola. Não hesitaram em fazer existir a Escola da Causa Freudiana, testemunhando assim de uma confiança inteira e vigilante para com os mais jovens que eles, pois se preocupavam com o futuro de sua praxis.

Eles foram viajantes infatigáveis e clínicos rigorosos. Seus trabalhos continuam a contribuir para os avanços da psicanálise, cuja unidade sempre afirmaram. Souberam principalmente fazer ouvir que a criança no discurso analítico é um sujeito de pleno direito, sobretudo a partir do Cereda (Centre d'Etude et de Recherche sur l'Enfant dans le Discours Analytique), do qual resulta o Nouveau Réseau Cereda e suas três Diagonais (francófona, hispanófona e americana).

O desejo do qual, cada um e os dois juntos, deram provas em sua obra e em sua prática continua sendo, em minha opinião, exemplar para todos nós. O Campo Freudiano no mundo inteiro se unirá a mim para expressar sua solidariedade e endereçar suas condolências aos filhos e netos de Robert e Rosine, assim como a todos os seus familiares.

As exéquias de Rosine Lefort acontecerão em Nogent-le-Roi, sexta-feira, 2 de março de 2007.

Judith Miller

Tradução: Vera Avellar RibeiroPosted by Picasa

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