março 04, 2007

Um tiro nas costas

Foto: Vidal Cavalcante/AE













Tentativa de assalto ao Banco Itaú, seguido de tiroteio, deixou paraplégica
a menina Priscila Aprígio da Silva, de 13 anos de idade

UM TIRO NAS COSTAS

Por Jair Alves - dramaturgo/SP

‘Ta lá um corpo estendido no chão’, diz a canção de Aldir e Bosco. Desta vez, é o da menina Priscila que devia se perguntar no exato momento do instantâneo que vai entrar para a história, "Por que está acontecendo isso? O que foi que eu fiz?". Gostaria de responder, se pudesse, à Priscila que quando o impacto é desproporcional ao corpo que recebe o petardo, este reage de forma instintiva, negando aceitar tamanha brutalidade. Foi por isso que a sua dor não foi tanta. Foi essa mesma brutalidade que doeu mais em nossas consciências, vendo seu corpo estendido no chão, do que a falta imediata da sensibilidade sentida por você em suas pernas. O trágico, querida Priscila, é que essa dor será distribuída por todos os seus dias, enquanto nós que de momento chocados pensamos possuir todas as respostas para os males do mundo. Não tenha dúvidas de que o maior deles, neste momento, e vê-la inerte, em plena avenida Moema, esquina com a Avenida dos Macucos.

De imediato, o discurso que ainda a pouco pedia penas mais severas para menores infratores; agora entrava em colapso porque a vítima era a mesma criança que muitos gostariam ver com a boca cheia de formiga. Então, estamos entendidos; a questão toda não é ser ou não menor de 18, ou 16. A questão parece óbvia, o problema não é o Estatuto da Criança e do Adolescente, mas o Estatuto dos Homens que precisa ser rediscutido.

O cenário do crime
Foi um crime, não foi?
O cenário eu já conheço, sou cliente deste banco que, no ano passado, teve um lucro recorde, suplantando o seu direto concorrente (co-irmão, assim como dizem os presidentes de escolas de samba). Sou cliente deste banco, como já disse, e sei também sou responsável por este lucro acachapante. Aí eu me pergunto se a raiz do problema (da violência, é claro), da brutalidade, eu diria, não está camuflada em pequenos detalhes de nosso dia-a-dia que nos acostumamos entender como "normais". A saber: duas manifestações me chamam a atenção, ambas registradas naquele cenário do crime. Um deles é o constante treinamento dos funcionários do banco que são obrigados a decorar procedimentos identificados por siglas com nomes estranhos, como CGF, DHX, XHY, ou coisa parecida. São treinamentos porque passam os funcionários, cujo objetivo não é outro senão atingir melhor rentabilidade e maior produtividade (para o Banco, é claro). É impossível identificar qualquer propósito ligado à justiça social, melhor distribuição de renda e oportunidades; tudo gira em torno da maldita lucratividade. No entanto, para os padrões vigentes acusar esses procedimentos como uma das causas da brutalidade ali expressa, com predominância da cor vermelha, tem sido um descalabro. Mas não é!

A outra se manifesta na cor preta, ali também predominante está na cor do terno preto e gravata do imbecil que sacou a arma, dentro do que é chamado "aquário" e começou a atirar. Deu nove tiros. Eu disse, nove tiros. A quem ele protegia? A vida de Priscila e dos clientes do banco? Não, ele protegia o patrimônio, não dele porque com certeza nada tem. Mas, ele está condicionado a atirar para defender a ordem, mesmo que essa ordem contrarie a Lei e, pior, o bom senso. Esta instituição valorizada e ampliada, sim, nos últimos tempos com o nome de Segurança tem sido uma das causas de nossa insegurança. Alguém duvida? Vide o envolvimento de seus integrantes, nos últimos crimes de projeção nacional; nos tempos idos eram chamados 'Leão de Chácara', muito comum nas Boates e inferninhos, ou seja, no Bafon. Hoje, virou Instituição. Seus integrantes vestem um ridículo terno preto, que são identificados facilmente pela criminalidade e por qualquer outra pessoa que tenha freqüentado ambientes pouco recomendáveis, tais como Câmaras Municipais, Congresso Nacional, etc. O corte dessa farda em nada se parece com a roupa fina dos executivos, mas como esses pobres diabos muito pouco exigem da vida, devem se imaginar importantes. No caso em questão, foram sim. Foram importantes agentes de uma violência explicita que os veículos de "comunicação social" teimam em não ver.

No cair da noite, a apresentadora Nídia Maria (cito seu nome porque ela deve ter orgulho do que fez), ao comentar a fala do presidente, que dizia em outras palavras que "a questão da criminalidade precisa de soluções de longo prazo", ela disse "É, senhor presidente, precisamos de qualquer forma tomar medidas imediatas", reproduzindo, assim, o discurso oportunista de que tudo é uma questão de vontade política do governo federal, passando por cima, inclusive, da máxima constitucional de que a Segurança é de responsabilidade dos Estados. Mas, não ouso mais polemizar politicamente com a experimentada jornalista, ela parece estar blindada para olhar seus próprios descalabros. Mas, ouso sim dizer que se ela está disposta a tomar atitudes imediatas, sugiro que depois da apresentação de seu programa ela freqüente uma academia para aprender defesa pessoal, e uma outra de tiro ao alvo. Eu não. Prefiro, em momentos como este, de aparente resignação diante do tiro nas costas de Priscila, pedir para a minha mãe que, além de rezar por mim todos os dias, que pense na Priscila como uma criança, como se fosse uma neta sua. Enquanto isso, eu me recupero e reciclo meus argumentos para combater a brutalidade.

São Paulo, 03 de Março de 2007Posted by Picasa

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