RogelioCasado — 18 de outubro de 2009 — Manaus tem 2 milhões de habitantes, 1 hospício, 2 ambulatórios e apenas 2 CAPS. É de morrer de vergonha. A ACI luta por uma reforma psiquiátrica antimanicomial. Por mais CAPS, leitos psiquiátricos em hospitais gerais, residências terapêuticas, centros de convivência e pela substituição do hospício por um hospital geral.
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I Conferência Municipal de Saúde Mental
Entre os dias 27 a 29 de abril aconteceu a I Conferência Municipal de Saúde Mental. A Associação Chico Inácio (ACI) – filiada à Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial – participou da organização do evento.
Depois de um imbróglio - no único dia em que a ACI não se fez presente numa reunião da comissão organizadora - que por pouco teria rifado meu nome, graças à defesa dos representantes dos movimentos sociais foi garantido minha participação na mesa redonda sobre a consolidação da rede de atenção psicossocial e fortalecimento dos movimentos sociais.
No convite à minha participação, pesou, curiosamente, minha condição de militante de movimentos sociais, sobretudo o da luta antimanicomial, do que minha representação intersetorial, face à minha ligação com a Universidade do Estado do Amazonas. O reconhecimento me encheu de orgulho, por um lado. Porém, não posso deixar de registrar que em quatro anos como Pro-Reitor de Extensão da Universidade do Estado do Amazonas prevaleceu um boicote provinciano, na medida em que se desprezou o potencial dessa instituição como parceira da Reforma Psiquiátrica.
A exceção à regra deu-se apenas uma vez, na verdade depois de uma provocação pessoal que fiz à coordenação da Residência Médica em Psiquiatria para discutir as saídas possíveis dos impasses vividos no seu terceiro ano de funcionamento. Ressalto que a referida residência foi por mim criada quando Coordenador Estadual de Saúde Mental (2003-2007).
Consegui driblar esse quadro de apatia deliberada, aproximando a Saúde Mental do Programa de Telessaúde da Universidade do Estado do Amazonas, ao articular um Programa de TelePsiquiatria, pelo qual responde o psiquiatra Francisco Assis, vinculado ao Pronto Atendimento Humberto Mendonça, da Secretaria Estadual de Saúde Mental. Através dele, mantemos um serviço de orientação e supervisão clínica para auxiliar médicos e equipes de saúde do interior do estado nos casos de cuidados médico-sociais de pessoas portadoras de sofrimento psíquico.
Na platéia identifiquei meus desafetos políticos:
1. um que fez uma falsa denúncia de desvio de recursos financeiros do ministério da saúde (verba que aqui só aportou por duas ocasiões, a da implantação do CAPS Silvério Tundis e da realização do censo da população psiquiátrica, quando já não respondia pela coordenação de saúde mental; informação que foi parar num jornal local sem direito de defesa);
2. outra que liderava o deslocamento de internos de longa duração do manicômio local para a periferia da cidade, numa operação típica das classes médias incultas que promovem a qualquer custo a limpeza do visual urbano sem atentar para a ausência dos equipamentos exigidos para uma efetiva inclusão de portadores de sofrimento psíquico na vida social, quais sejam: cultura, saúde, educação, para ficar nos três mais importantes.
3. um terceiro, cujo ódio visceral ao Partido dos Trabalhadores, do qual sou um dos fundadores, aliado ao pensamento retrógrado e conservador dos grupos de direita deste país, tinha como missão anarquizar lideranças que não rezam na cartilha do fascismo.
Curiosamente, estavam todos contidos. Nenhumas das suas antigas teses e práticas foram usadas durante os debates. Agiam com cautela, para não serem flagrados em contradições que seriam perceptíveis mesmo por um público carente de referências e práticas no âmbito da reforma psiquiátrica.
A conferência ocorreria sem incidentes, não fosse a grosseria de um contumaz provocador que tentou desqualificar os usuários de saúde mental, sendo advertido com firmeza pelos reais protagonistas da conferência. Quanto às questões controversas, fruto da ausência de pré-conferências, na sua grande maioria elas foram esclarecidas no plenário. Entre mortos e feridos, salvaram-se todos.
Protagonizei um episódio grotesco ao final do evento. A penúltima proposta, de minha autoria, foi duramente criticada por uma profissional de saúde mental manicomial. Eis a frase que detonou a defesa mais intrigante que ouvi naquele dia, sobretudo por sua defensora ter sido aluna do curso de especialização de saúde mental da Fiocruz: “Substituição do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, instituição histórica da violência, por um hospital de clínicas”.
Na infeliz defesa, a profissional em causa usou como argumento o fato de que nunca usou de violência contra os usuários internados no hospício manauara. A criatura sequer suspeita da violência simbólica da instituição. Seria pedir muito que ela alcançasse esse nível de abstração. Ou que fosse ler Goffman. Esse fato grotesco talvez explique porque a Reforma Psiquiátrica patinou durante todos os anos 1990. É dose pra elefante o tamanho da alienação que retirou o Amazonas do mapa da Reforma Psiquiátrica, da qual fomos pioneiros.
A melhor resposta veio de dois usuários de saúde mental. Um lembrou-se do fim trágico de um usuário que morreu carbonizado, e da contenção física que ele próprio sofreu num banco do Pronto Atendimento. Outro, do tratamento desrespeitoso de um médico plantonista que destratou sua mãe, que o acompanhava num dos atendimentos.
Depois da proposta de construção de casinhas para os internos do hospício dentro do próprio hospício, só faltava essa defesa da não violência do manicômio para coroar a indigência de alguns setores que se dizem reformistas. Neste caso, não precisamos de reforma, mas de uma revolução no ensino e nas práticas de saúde.
Um comentário:
Realmente estou encantada com o trabalho dos senhores, como so conhecia de "nome" não tinha propriedade nenhuma para falar, parabéns pela narrativa da Conferência principalmente nos ultimos paragráfos referindo -se aos profissionais de saúde mental manicomial....
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