maio 02, 2010

Os limites da Reforma

Jornal Amazonas em Tempo
Os limites da Reforma

Mais de trinta grupos, gente de todo o país, discutiam propostas para fazer avançar a reforma psiquiátrica, no III Congresso Brasileiro de Saúde Mental, realizado em Brasília, em 2001. Num deles um homem caminhava de um lado para outro, no meio do salão. Falando alto, aqui e ali, interrompia os oradores, e invocava a figura do saudoso médico sanitarista David Capistrano Filho: “Se estivesse vivo, David diria: ‘chega de Reforma, o que precisamos é de uma Revolução’”.

O personagem era Antonio Lancetti, coordenador da coleção Saúde em Debate, da série Saúde & Loucura, cujo número 7 tem num dos artigos uma citação do autor destas mal traçadas.

A julgar pelo tratamento dispensado pelo Ministério da Saúde aos movimentos sociais, não precisava ser profeta para predizer o futuro. Há tempos vínhamos chamando atenção para os gargalos da reforma, o descompromisso dos gestores, a falta de formação adequada ao novo paradigma de atenção em saúde mental e o investimento desproporcional às necessidades de expansão dos serviços substitutivos ao manicômio.

Paga-se caro essa indiferença. O fato vem sendo explorado, à farta, pelos setores conservadores, interessados em esvaziar da Reforma Psiquiátrica brasileira a sua proposta mais revolucionária: o fim dos manicômios.

No Rio Grande do Sul parlamentares do DEM e do PSDB botaram as mangas de fora. Partiram para a modificação da primeira lei de saúde mental sancionada no país. Até agora não lograram êxito.

Em nenhum momento o Ministério da Saúde abriu diálogo com os movimentos sociais. Em se tratando do governo Lula, um pecado capital. O mesmo pecado que ao considerar a propriedade como algo sagrado, em detrimento da terra, atrasa a reforma agrária, omissão que contribuiu para as tragédias socioambientais que invadiram os noticiários do primeiro trimestre deste ano.

Houve um tempo em que as restrições políticas faziam dos líderes dos movimentos sociais hábeis agentes em combinar ação coletiva com participação institucional. Atualmente prevalece um pragmatismo conciliador, que ousou decretar o fim de ações politicamente conectadas aos movimentos sociais.

Nesse ciclo não revolucionário prevalece uma visão reformista voltada para a estratégia de cooptação para claques presumidas, que acaba comprometendo os quadros interpretativos da ação coletiva.

Desse modo a vaca caminha perigosamente para o brejo. Sem entendimentos e identidade compartilhada, estava na cara que o empresariado do setor, reprovado no teste de aptidão ao novo modelo de atenção em saúde mental surgido com a Reforma Psiquiátrica, auxiliado por um aparelho formador, que está mais por fora do que umbigo de vedete, iria deitar e rolar nesse mar de ambigüidades. O que não se esperava era a resposta dos usuários que marcharam a Brasília com o objetivo de retomar o eixo da Reforma Antimanicomial que queremos.

Vem aí a IV Conferência Nacional de Saúde Mental, uma conquista dos portadores de sofrimento psíquicos organizados, tendo à frente a Rede Nacional Internúcleos da Luta Antimanicomial, e como parceiro o Conselho Federal de Psicologia. É hora de avançar mais.

Manaus, Abril de 2010.
Rogelio Casado, especialista em Saúde Mental
Pro-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da UEA
www.rogeliocasado.blogspot.com

Nota do blog: Publicado, hoje, no caderno Sáude & Bem Estar, Jornal Amazonas em Tempo.

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