agosto 09, 2010

Migrante pobre nordestino é alvo de movimento fascista em São Paulo

[ Amálgama ]



 

por Fernando da Mota Lima – Li na Terra Magazine uma entrevista concedida por Willian (sic) Godoy Navarro. Ele se pronuncia em nome de um nascente movimento de jovens supostamente contrário à migração. Digo supostamente porque o buraco é bem mais embaixo. O sentido real do que diz vai bem além de uma mera – e necessária, acrescento por conta própria – política de migração. O alvo é antes de tudo o migrante pobre nordestino. Em alguns momentos, interpelado pela repórter Ana Cláudia Barros, Willian tergiversa, reluta e até se contradiz. Mas o sentido substancial desse movimento é, sim, fascista.



Sei que este termo, barateado e até corrompido pelo excesso de uso e abuso, não é de entendimento unívoco. Por isso deixo bem claro o que quero dizer quando o emprego. Esse movimento é fascista por ferir os princípios fundamentais da democracia, por afrontar os direitos fundamentos de todos os brasileiros que não integrem o grupo em questão.

Como todo movimento inspirado na tradição do irracionalismo de direita, ele contém uma enxurrada de disparates, contradições e erros que agridem os fatos mais elementares da realidade que pretende criticar e corrigir. Por exemplo: os termos fundamentais envolvidos no movimento e na polêmica, pois o caldo já entornou no chão minado da polêmica, como seria inevitável, não têm nenhuma consistência. O que quer dizer cultura paulista? Ou nordestina? São Paulo se constituiu como uma mescla errática de gente de todas as procedências e culturas. Também o Nordeste, que a estupidez e o preconceito sulista reduzem a estereótipos grosseiros.

Willian Godoy afirma besteiras do tipo: foram os paulistas que fizeram a riqueza de São Paulo. E notem que é um dos moderados confessos do grupo. Imagino o que Fabiana, a extremista desse movimento, não diria. Diz ainda que São Paulo foi sempre um estado rico. Onde esse rapaz estuda, o que leu na vida? São Paulo era um fim de mundo na época em que Pernambuco e a Bahia constituíam o centro da riqueza colonial brasileira, que depois se deslocou para Minas.

Não lembro isso com o propósito de afirmar nenhuma superioridade regional, apenas para alertar a estupidez intolerante para o fato de que a produção de riqueza e desenvolvimento econômico independem de algum suposto caráter racial, regional, nacional ou coisa que o valha. São Paulo é evidentemente a força hegemônica do Brasil. Mas este fato não tem nada a ver com superioridades ou separações intolerantes como essas reivindicadas por esses jovens paulistas. As razões da hegemonia paulista podem ser explicadas em termos históricos e sociológicos que esses intolerantes deveriam ocupar-se em aprender, ao invés de se mobilizarem para organizar movimentos fascistas no Brasil.

Grande parte dos horrores do século 20, de resto um século de horrores, derivou de ideologias intolerantes, de movimentos que afrontaram e por pouco não destruíram as bases da civilização penosa e lentamente construídas sobre valores de tolerância e esclarecimento humanista. O racismo e outras formas de intolerância não são estranhos à nossa formação histórica. Como conceber a inexistência de racismo num país que desgraçadamente foi o último a abolir a escravidão, num país que ainda hoje retém em situações sociais rotineiras os vincos iníquos dessa herança maldita: o colonialismo e o escravismo? Mas como negar que felizmente nunca vivemos, em meio a nossos horrores irrefutáveis, os extremos do racismo e da intolerância política e religiosa observáveis na história de outros povos?

A julgar pelo açoite do feixe de varas brandido por esses belicosos e intolerantes paulistas, está a caminho um movimento empenhado em fechar fronteiras dentro do Brasil, em instituir um apartheid tropical. Como reconduzir cada brasileiro à sua região de origem? O presidente Lula, por exemplo, deve voltar para sua terrinha pernambucana? Chico César deve ser recambiado para Catolé do Rocha? Os japoneses e italianos devem ser expulsos de volta a seus países de origem? Se houvesse um pingo de coerência ideológica nesse movimento nefasto, aposto como nenhum dos 600 signatários do manifesto teria o direito de continuar vivendo em São Paulo, usufruindo a riqueza e a insanidade paradisíaca dos puros. A solução, portanto, é destruir São Paulo, pois nem o moderado Willian Godoy é portador dos traços de dignidade e pureza necessários à sobrevivência dessa cultura paulista ideal.

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