Carta pró Cannabis Sativa - Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento
Um grupo de neurocientistas que estão entre os mais renomados do país escreveu uma carta pública para defender a liberalização da maconha não só para uso medicinal, mas para consumo próprio, informa Eduardo Geraque em reportagem publicada na edição desta quarta-feira da Folha (íntegra disponível para assinante do UOL e do jornal). A motivação do documento foi a prisão do músico Pedro Caetano, baixista da banda de reggae Ponto de Equilíbrio, que ganhou repercussão na internet. Ele está preso desde o dia 1º sob acusação de tráfico por cultivar dez pés de maconha e oito mudas da planta em casa, em Niterói (RJ). Segundo o advogado do músico, ele planta a erva para consumo próprio. Os cientistas falam em nome da SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento) , que representa 1.500 pesquisadores. De acordo com os membros da sociedade, existe conhecimento científico suficiente para, pelo menos, a liberalização do uso medicinal da maconha no Brasil. Veja a íntegra da carta:
Imaginei que, com a divulgação destes resultados por Gilberto Dimenstein, na Folha de S. Paulo em 24 de maio, haveria grande interesse sobre o estudo. Nada. A resposta ao mais impressionante resultado de superação da dependência de crack no Brasil foi o silêncio. O uso medicinal da maconha tem sido admitido em dezenas de países, inclusive nos EUA. Por aqui, o tema segue interditado pela irracionalidade. É evidente que o consumo de maconha pode produzir efeitos danosos. Sabe-se que o abuso pode conduzir o usuário a problemas de concentração e memória e que em determinadas pessoas o uso está correlacionado à precipitação de surtos esquizofrênicos. Daí a criminalizar seu consumo e impedir experiências destinadas ao uso medicinal vai uma distância que tende a ser percorrida pela intolerância e pelo obscurantismo.
O psicofarmacologista Eduardo Carlini sustenta que o princípio ativo da maconha pode ser útil no combate à depressão e ao estresse. O mesmo tem sido dito por cientistas quanto ao tratamento do glaucoma, da rigidez muscular causado pela esclerose múltipla, ou como apoio aos pacientes com Aids, aos que sofrem do mal de Parkinson e aos que se submetem à quimioterapia em casos de câncer. Estudo da USP com pacientes que ingeriram cápsulas de canabidiol, um dos compostos encontrados na erva, demonstrou resultados positivos no tratamento da fobia social e na redução da ansiedade.
As oportunidades abertas por estudos do tipo, entretanto, assim como a necessária pesquisa, estão impugnadas no Brasil por um discurso preconceituoso e por uma legislação ineficiente e estúpida. Seguimos repetindo que a maconha é “a porta de entrada” para o consumo de drogas mais pesadas, o que pode traduzir tão-somente uma “falácia ecológica” (quando se deduz erroneamente a partir de características agregadas de um grupo), vez que o universo de consumidores de maconha é muitas vezes superior ao grupo dos dependentes de drogas pesadas que se iniciaram pela cannabis. Em outras palavras: é possível que a maconha seja mais amplamente uma opção alternativa às drogas pesadas e não uma droga de passagem. Independentemente disto, é possível que a maconha seja uma porta de saída para a dependência química por drogas pesadas. O que, se confirmado, será uma ótima notícia.
A planta Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é utilizada de forma recreativa, religiosa e medicinal há séculos, mas só há poucos anos a ciência começou a explicar seus mecanismos de ação. Na década de 1990, pesquisadores identificaram receptores capazes de responder ao tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, na superfície das células do cérebro. Essa descoberta revelou que substâncias muito semelhantes existem naturalmente em nosso organismo, permitiu avaliar em detalhes seus efeitos terapêuticos e abriu perspectivas para o tratamento da obesidade, esclerose múltipla, doença de Parkinson, ansiedade, depressão, dor crônica, alcoolismo, epilepsia, dependência de nicotina etc. A importância dos canabinóides para a sobrevivência de células-tronco foi descrita recentemente pela equipe de um dos signatários, sugerindo sua utilização também em terapia celular. Em virtude dos avanços da ciência que descrevem os efeitos da maconha no corpo humano e o entendimento de que a política proibicionista é mais deletéria que o consumo da substância, vários países alteraram, ou estão revendo, suas legislações no sentido de liberar o uso medicinal e recreativo da maconha. Em época de desfecho da Copa do Mundo, é oportuno mencionar que os dois países finalistas, Espanha e Holanda, permitem em seus territórios o consumo e cultivo da maconha para uso próprio. Ainda que sem realizar uma descriminalizaçã o franca do uso e do cultivo, como nestes países, o Brasil, através do artigo 28 da lei 11.343 de 2006, veta a prisão pelo cultivo de maconha para consumo pessoal, e impõe apenas sanções de caráter socializante e educativo. Infelizmente interpretações variadas sobre esta lei ainda existem. Um exemplo disto está no equívoco da prisão do músico Pedro Caetano, integrante da banda carioca Ponto de Equilíbrio. Pedro está há uma semana numa cela comum acusado de tráfico de drogas. O enquadramento incorreto como traficante impede a obtenção de um habeas corpus para que o músico possa responder ao processo em liberdade. A discussão ampla do tema é necessária e urgente para evitar a prisão daqueles usuários que, ao cultivarem a maconha para uso próprio, optam por não mais alimentar o poderio dos traficantes de drogas. A Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) irá contribuir na discussão deste tema ainda desconhecido da população brasileira. Em seu congresso, em setembro próximo, um painel de discussões a respeito da influência da maconha sobre a aprendizagem e memória e também sobre as políticas públicas para os usuários será realizado sob o ponto de vista da neurociência. É preciso rapidamente encontrar um novo ponto de equilíbrio.
Cecília Hedin-Pereira (UFRJ, diretora da SBNeC)
João Menezes (UFRJ) Stevens Rehen (UFRJ, diretor da SBNeC)
Sidarta Ribeiro (UFRN), diretor da SBNeC)
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Maconha, porta de saída?, por Marcos Rolim*
A epidemia de crack é um dos fenômenos mais sérios na interface entre saúde pública e segurança. O que a faz particularmente grave é a reconhecida dificuldade de superar a dependência química. Pois bem, a Universidade Federal de São Paulo realizou pesquisa com 50 dependentes químicos de crack que foram submetidos a um tratamento experimental de redução de danos. Sob a coordenação do psiquiatra Dartiu Xavier, o grupo foi tratado com maconha. Daquele total, 68% trocou o crack pela maconha. Ao final de três anos, todos os que fizeram a troca não usavam mais qualquer droga (nem o crack, nem a maconha). Anotem aí: todos.Imaginei que, com a divulgação destes resultados por Gilberto Dimenstein, na Folha de S. Paulo em 24 de maio, haveria grande interesse sobre o estudo. Nada. A resposta ao mais impressionante resultado de superação da dependência de crack no Brasil foi o silêncio. O uso medicinal da maconha tem sido admitido em dezenas de países, inclusive nos EUA. Por aqui, o tema segue interditado pela irracionalidade. É evidente que o consumo de maconha pode produzir efeitos danosos. Sabe-se que o abuso pode conduzir o usuário a problemas de concentração e memória e que em determinadas pessoas o uso está correlacionado à precipitação de surtos esquizofrênicos. Daí a criminalizar seu consumo e impedir experiências destinadas ao uso medicinal vai uma distância que tende a ser percorrida pela intolerância e pelo obscurantismo.
O psicofarmacologista Eduardo Carlini sustenta que o princípio ativo da maconha pode ser útil no combate à depressão e ao estresse. O mesmo tem sido dito por cientistas quanto ao tratamento do glaucoma, da rigidez muscular causado pela esclerose múltipla, ou como apoio aos pacientes com Aids, aos que sofrem do mal de Parkinson e aos que se submetem à quimioterapia em casos de câncer. Estudo da USP com pacientes que ingeriram cápsulas de canabidiol, um dos compostos encontrados na erva, demonstrou resultados positivos no tratamento da fobia social e na redução da ansiedade.
As oportunidades abertas por estudos do tipo, entretanto, assim como a necessária pesquisa, estão impugnadas no Brasil por um discurso preconceituoso e por uma legislação ineficiente e estúpida. Seguimos repetindo que a maconha é “a porta de entrada” para o consumo de drogas mais pesadas, o que pode traduzir tão-somente uma “falácia ecológica” (quando se deduz erroneamente a partir de características agregadas de um grupo), vez que o universo de consumidores de maconha é muitas vezes superior ao grupo dos dependentes de drogas pesadas que se iniciaram pela cannabis. Em outras palavras: é possível que a maconha seja mais amplamente uma opção alternativa às drogas pesadas e não uma droga de passagem. Independentemente disto, é possível que a maconha seja uma porta de saída para a dependência química por drogas pesadas. O que, se confirmado, será uma ótima notícia.
*Jornalista
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texto com a crítica
A nova polêmica da maconha
Especialistas criticam pesquisador paulista que defende uso da droga como terapia para derrotar crack
A pesquisa paulista que aponta a maconha como remédio para derrotar o vício em crack é considerada inválida e até mesmo irresponsável na comunidade científica brasileira. O assunto ganhou repercussão no fim de semana, quando o trabalho foi citado pelo jornalista Marcos Rolim em artigo da edição dominical de Zero Hora.
No texto intitulado Maconha, porta de saída?, Rolim afirma que a pesquisa representa o “mais impressionante resultado de superação de crack no Brasil”, critica a falta de repercussão que ela teve e utiliza o estudo para defender o uso medicinal da maconha. O artigo motivou forte reação de leitores. Vários enviaram e-mails de protesto ao jornal.
A pesquisa citada por Rolim foi realizada pelo psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, diretor do Programa de Orientação e Tratamento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A experiência consistiu em oferecer maconha a um grupo de 50 usuários de crack. Conforme os dados, 68% haviam trocado de droga depois de seis meses. Após um ano, quem fez a substituição deixou também a maconha. Em reportagem recente da Folha de S.Paulo, Silveira descreveu o experimento como “um sucesso”.
– A dependência de maconha é muito menos agressiva do que a do crack. Nesses casos, a maconha funcionou como porta de saída do vício – disse o pesquisador.
Não é o que pensam especialistas em dependência química. Ex-presidente e atual membro do conselho consultivo da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead), o psiquiatra gaúcho Sérgio de Paula Ramos é enfático na hora de criticar o trabalho de Silveira. Ele cita um episódio ocorrido em um Congresso Brasileiro de Psiquiatria, alguns anos atrás, na época em que o experimento foi divulgado. Ramos e Silveira foram agendados para uma mesma mesa, durante a qual discutiriam. Segundo o gaúcho, Silveira, que estava presente no congresso, não apareceu e “escapou do debate científico sério”.
– Ele não teve peito de ir. O experimento não tem a menor credibilidade científica. Foi muito criticado quando veio a público, anos atrás. Foi feito com poucas pessoas, seguidas durante pouco tempo. Dizer que a maconha pode fazer algum bem beira a irresponsabilidade. É dar as costas para a ciência – diz Ramos.
Psiquiatra diz que estudo é contestado na metodologia
Conforme ele, chefe da unidade de dependência química do Hospital Mãe de Deus, há uma biblioteca inteira de trabalhos científicos brasileiros e internacionais demonstrando que a maconha é prejudicial à saúde e serve de porta para drogas mais pesadas.
– O brasileiro começa com álcool. Quem evolui para as drogas ilícitas passa primeiro pela maconha e depois para a cocaína. Em 40 anos, nunca tratei um usuário de cocaína e de crack que não tivesse começado pelo álcool e pela maconha – afirma.
O psiquiatra Félix Kessler, do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), também afirma que o estudo de Silveira é muito contestado em termos metodológicos. Uma das falhas seria o trabalho não levar em conta se outros fatores, como família e emprego, conduziram os dependentes observados à abstinência.
– Do jeito como o estudo foi feito, não é possível dizer que foi a maconha que fez os pacientes deixarem de usar crack, como dá a entender – disse Kessler.
Ontem, Zero Hora não conseguiu contato com Dartiu Xavier da Silveira.
Fonte:02/08/2010 - Zero Hora
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EM DEFESA DA CIÊNCIA
Dartiu Xavier da Silveira
Doutor em Psiquiatria e Psicologia médicaA maconha tem sido utilizada há séculos por suas propriedades terapêuticas e seu uso medicinal vem crescendo progressivamente em diversos países (EUA, Canadá, entre outros) graças à possibilidade de verdadeiros pesquisadores testarem suas hipóteses. É assim que caminha o avanço científico. Em inúmeras áreas, principalmente na medicina, observamos, felizmente, que barreiras moralistas e preconceituosas são derrubadas dando lugar a descobertas muito importantes para a humanidade. É o caso dos estudos com as células-tronco. No campo da dependência de drogas o cenário é o mesmo. Não haverá evolução no tratamento de dependentes e usuários pesados de drogas se permanecermos fechados a preconceitos. Este comportamento pautado em ideologias é na sua essência anti-científico! Têm sido muito animadores os resultados obtidos a partir de centenas de pesquisas científicas sérias comprovando a eficácia do uso de princípios ativos da maconha no tratamento de múltiplas doenças tais como glaucoma, dor crônica, ansiedade, câncer, AIDS e esclerose múltipla. Nos países verdadeiramente abertos à pesquisa e ao desenvolvimento da medicina os doentes que sofrem destes males já podem contar com os benefícios destes resultados incorporados ao seu tratamento.
Enquanto pesquisador da Universidade Federal de São Paulo, há muitos anos oriento teses e publico artigos sobre o potencial terapêutico da cannabis. A investigação deste potencial terapêutico obviamente não implica em não reconhecermos os riscos e danos relacionados ao uso indevido desta droga. Desta forma, causou-me surpresa tomar conhecimento da polêmica que se instalou no jornal Zero Hora, no último final de semana, a partir de um trabalho de minha autoria publicado há mais de dez anos em uma conceituada revista científica americana sobre o uso terapêutico de cannabis em dependentes de crack (Journal of Psychoactive Drugs, 1999). Maior espanto foi constatar que fui atacado pelo médico Sergio de Paula Ramos ao dizer que eu teria “fugido” de uma discussão sobre o tema em um congresso científico “escapando do debate científico sério”, tendo ele ainda acrescentado “Ele não teve peito de ir. O experimento não tem a menor credibilidade científica. Foi muito criticado quando veio a público, anos atrás. Foi feito com poucas pessoas, seguidas durante pouco tempo. Dizer que a maconha pode fazer algum bem beira a irresponsabilidade. É dar as costas para a ciência”.
Inicialmente gostaria de esclarecer que, contrariamente ao que afirmou o médico, não havia nenhuma discussão agendada, mas tão somente uma mesa redonda onde alguns trabalhos seriam apresentados, entre os quais o meu e o dele. Por um problema de organização do evento, foram equivocadamente programadas duas atividades simultâneas nas quais eu participaria. Diante do ocorrido, optei por estar presente na outra atividade, de maior relevância científica que a mesa referida, e solicitei a um colega que fizesse a apresentação do trabalho em meu lugar. A propósito, recordo-me de que a participação de Sergio de Paula Ramos, ao apresentar seu trabalho nesta mesa redonda, foi muito comentada durante o evento (Congresso Brasileiro de Psiquiatria) pelo seu conteúdo ideologicamente tendencioso e uso de linguagem pejorativa, onde ele inclusive se referia aos dependentes de maconha como “maconheiros”, comportamento inaceitável em um evento cientifico sério.
O artigo que publiquei em 1999 tem ocasionalmente sido objeto de ataques e críticas descabidas lançadas por indivíduos que, ao fazê-las da forma como fazem, denotam sua total ignorância sobre o estudo realizado. Claramente, demonstram sequer terem lido o trabalho!
Gostaria de esclarecer que, efetivamente, trata-se tão somente de um estudo observacional onde apenas constato um fenômeno espontâneo que ocorre entre dependentes de crack: o uso da maconha na tentativa de se manterem abstinentes desta droga. O acompanhamento destes dependentes mostrou, surpreendentemente, que a partir de sua iniciativa de utilizar esta estratégia (substituir crack por maconha) 68 % destes dependentes conseguiram abandonar o uso de crack. Posteriormente deixaram também de utilizar a maconha.
Finalmente, quanto à seriedade científica deste trabalho, ele não somente foi aceito para publicação em uma reconhecida revista científica americana como foi elogiado por pesquisadores nacionais e internacionais de grande prestigio na comunidade científica acadêmica.
Não se trata de ser contra ou a favor do uso de maconha. Trata-se, sim, de ampliar o conhecimento que temos sobre as propriedades neuroquímicas das substâncias e seus efeitos no cérebro de forma a permitir o desenvolvimento de novos tratamentos com maior eficácia. A postura científica de pesquisa pressupõe isenção de crenças pessoais, preconceitos e ideologias, o que eventualmente nos coloca frente a constatações surpreendentes.
Não entendo porque este jornal publicou as críticas inusitadas destes “especialistas” sobre a minha pessoa e sobre a qualidade científica deste meu trabalho sem consultar minha opinião a respeito e sem paralelamente submetê-las ao julgamento de referências renomadas e verdadeiros especialistas no campo das dependências em nosso meio. O Brasil conta com grandes pesquisadores na área de drogas, com projeção internacional, que têm opiniões bastante diferentes das divulgadas neste jornal, além de se destacarem por uma postura eticamente impecável.
Não entendo porque este jornal publicou as críticas inusitadas destes “especialistas” sobre a minha pessoa e sobre a qualidade científica deste meu trabalho sem consultar minha opinião a respeito e sem paralelamente submetê-las ao julgamento de referências renomadas e verdadeiros especialistas no campo das dependências em nosso meio. O Brasil conta com grandes pesquisadores na área de drogas, com projeção internacional, que têm opiniões bastante diferentes das divulgadas neste jornal, além de se destacarem por uma postura eticamente impecável.
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Reflexões sobre a Carta pró Cannabis Sativa - Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento
A carta da Sociedade Brasileira de Neurociência traz uma argumentação bem feliz, e me parece que os diálogos entre os que desejam se apropriar dessa demanda em direitos humanos pra vender remedinho, com os jardineiros guerrilheiros deste Brasil, que têm condições de tocar as plantações, estão se aprimorando. Começam-se a escutar entre si as demais forças, movimentos sociais.. Isso é muito bom. É bom saber que mais pessoas acham um absurdo alguém ser preso por usar drogas ou plantar para consumo próprio. Ponto.
E, diante disso, entram pautas para o movimento das pessoas que são usuárias das políticas públicas de drogas. Para quem se interessa nisso, claro.
É provável que os EUA, país que sustenta tão apaixonadamente o genocídio em nome do combate às drogas em acordos internacionais, irão reformar sua política de proibição de algumas drogas - e da pior forma possível. Se somos críticos aos figurões que eles enviam às bancadas da UNODC e demais instâncias, temos que ver onde e como elas se reproduzem por aqui também.
Dito isto, temos que ter um cuidado muito especial com o modo em que construiremos estas políticas de regulamentação. O mundialmente relevante lobby estadunidense, como consta no modelo de "legalização" do Prop-19 que será votado em novembro desse ano na Califórnia, impele a um tipo de regulamentação do plantio que em nada muda a atual condição de desrespeito aos livres usos do corpo, contando com taxações e demais abusos de ingerência estatal (e privada também, já que o "estatal" aqui é atravessado pelo lobby). Dentre os estados (já são aproximadamente 15) que reconhecem a "Maconha Medicinal" há até o pagamento de anuidade de U$200 para a posse de um cartão/registro individual de acesso aos dispensários/
Ocorre que lá pelas tantas, quando o "apoio" de megainvestidores passou a ser mais visível dentro do movimento de legalização, um dos estados (Texas) regulamentou o plantio com alguns tópicos bem interessantes: por exemplo, proibia-se o cultivo caseiro para pessoas que viviam a até 25 milhas de distância de um "dispensário" (botica de maconha). Desde então algumas pessoas começaram a dividir as coisas e a questionar. Não acho que precisamos chegar a este ponto pra amadurecer nossa luta. A militância por lá gerou divisões que até nomes ganharam: os "utópicos", que defendem legalização radical (radical significando o respeito aos direitos humanos, ok?), e os "incrementalistas" Incrementalistas: Chris Conrad (NORML), Kevin Stroup (NORML), Allen St. Pierre (NORML), Rob Kampia (MPP), Ethan Nadleman (DPA), Marc Emery (2010, Cannabis Culture). Utópicos: Bruce Cain, Jack Herer, Eddy Lepp, John Sinclair, Ron Kasinsky, Dennis Peron Ethan Nadelman é o mesmo sujeitinho que a Esclarecida ABRAMD fez a façanha de convidar pra falar sobre """novas""" políticas de drogas, na primeira vez em que, repentinamente, reconheceu a "relevância do tema". Sua Drug Policy Aliance apóia algumas ONGs pró-legalização na América Latina, dentre elas a Psicotropicus no RJ. Sempre lembro que George Soros, um dos megainvestidores ligados à DPA, ao mesmo tempo em que "milita", também apóia benevolentemente uma rede inteira de boticas, pra vender "maconha medicinal". Não sei avaliar as implicações dessa rede, mas os devires do mercado simplesmente se encontram, não necessariamente são interligados/ Mas sabemos que aqui é Brasil e as políticas de saúde são outras; aqui saúde é direito constitucional e o buraco é mais embaixo. Só acho que, enquanto ativista canábico, é ótimo ver pessoas se revoltando com os abusos da proibição. Mas penso que, se os cientistas querem brincar de fazer "remédio de THC" e, para isso, estão dependentes do seu delírio apaixonado sobre a Segurança Universal da Verdade e coisa que o valha, tudo bem - desde que não façam da legalização uma maneira de regulamentar a mesma condição opressora que, hoje, opera na clandestinidade. Em outras palavras, se não estivermos atent@s, a opressão que hoje sofremos da polícia em forma de punição moral pode ser traduzida para a lei - tudo embasado cientificamente, de acordo com todas as perversidades possíveis em nome da preocupação com a "saúde pública". E então entra um ponto interessante que o Bruce Cain coloca no ar, para reflexão: 70% dos lucros dos "cartéis mexicanos" nos EUA são ligados à marijuana vendida nas ruas. Acho que Jorge Atílio poderia enriquecer muito esse debate, pensando o lugar do Brasil enquanto grande país produtor deste cultivo ilícito e os tensionamentos disso com as eventuais apropriações industriais sobre o THC (laboratórios tb são indústrias). Algum ponto positivo? Claro: estamos avançando. Mas que possamos aproveitar disso e tomar posições, sem conservadorismos, sem ver a banda passar. Que possamos estar juntos na causa da jardinagem (grower não é traficante!) |
Rafael Gil Medeiros
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