PICICA: A "Guerra contra as Drogas", política norte-americana adotada desde os tempos de Nixon, e reforçada pelo governo de Bush (pai), está falida. Entretanto, os proibicionistas ainda se debatem convulsos na tentativa de sobreviver aos novos tempos em que a rebeldia da juventude põe a nú a hipocrisia social. Em debate informal pude sentir o peso da mídia sensacionalista. Ao informar que para o álcool e maconha, há anos os estudos indicam que apenas 10% dos usuários se tornam dependentes, e que para o crack esse número atinge 20 a 25%, fui contestado com a alusão ao abarrotamento de "clínicas para dependentes", drama que ganhou visibilidade na sociedade brasileira menos pelo sucesso de suas "terapêuticas", do que pela notória incapacidade de lidar com a questão. Neste cenário sobressaem os baixos investimentos em serviços públicos de qualidade. O setor está terceirizado. Mas foram os números de dependentes que chamaram mais atenção. O êxito da demonização do uso de maconha - para ficar na mais leve das drogas - é de tal sorte que meu interlocutor não acreditou no que ouviu. Alguém precisou lhe lembrar minha condição de médico. Delicadamente, lembrei aos circunstantes que santo-de-casa-não-faz-milagres, e citei a fonte: o Dr. Dartiu Xavier Silveira que montou um serviço para atendimento de dependentes na Universidade do Estado de S. Paulo, cujos estudos já duram vinte e quatro anos. Dartiu é um dos médicos brasileiros contrários à instituição da internação compulsória, a qual qualifica como sistema de isolamento social, mas não de tratamento. Assino embaixo. Leia a introdução da entrevista que Dartiu concedeu à Caros Amigos. Em tempo: Recomendo, também, a leitura do texto abaixo, de autoria do Dr. Henrique Carneiro, professor universitário de história na USP, enviado pela professora de história Gleice Oliveira. Ele pertence ao PSTU, partido que costuma ser criticado por estar à esquerda do PT. É hora dos companheiros do PT produzirem textos à altura dos debates que estão rolando na sociedade brasileira, se não quizermos ficar reféns da subliteratura que costuma estar na base do discurso de alguns parlamentares, como aquele deputado estadual do PT-AM que não tendo como criticar a posição do ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc sobre a re-construção da estrada Manaus-Porto Velho, em plenário da Assembléia Legislativa disse em alto e bom som que o ministro não só não conhecia a Amazônia, como teria vindo para essas bandas apenas para "acender um baseado". É essa mediocrização do debate que a juventude não aceita mais. Veja o vídeo em que o conflito entre policiais e estudantes é anunciado por William Wack, âncora da TV Globo, recentemente denunciado pelo Wikileaks como informante do governo norte-americano.
A tentativa de prisão de três estudantes pela PM na FFLCH e a reação dos seus colegas em sua defesa é um episódio revelador das muitas contradições que existem em nossa sociedade.
Em primeiro lugar, fica patente o sentido absurdo do proibicionismo de certas drogas. O uso de cigarros ao ar livre em lugar retirado seja de tabaco, de cravo ou de maconha, não afeta ninguém exceto os seus usuários. É uma conduta tipificada na teoria do direito como isenta de qualquer princípio de lesividade. O bem estar público não estava sendo afetado. Ninguém estava sendo ameaçado em seus direitos nem havia nenhuma violência em curso. A própria legislação vigente por meio da lei 4330 já entende que o uso de drogas em si não deva ser penalizado.
O uso de maconha em parques, praias e locais abertos é prática disseminada entre milhões de usuários e sua injustificada repressão envolve uma compreensão de que o papel da polícia deva ser o da coerção em massa de práticas culturais recreacionais e de estilos de vida característicos da juventude e das camadas populares. Essa função torna a polícia um veículo de distúrbio da paz social e uma fonte de corrupção devido às extorsões comumente praticadas contra usuários de substâncias ilícitas.
Toda a violência adveio da intervenção da polícia que terminou inclusive usando armas químicas lacrimogêneas que, embora sejam chamadas de “não-letais”, são armas extremamente tóxicas e inclusive cancerígenas. PMs chegaram a ameaçar atirar bombas no interior do prédio da Ciências Sociais e há relatos de que ao menos um tiro foi disparado para o ar. Após a brutal invasão da tropa de c hoque em 2009, novamente gases tóxicos são espalhados pelos prédios da FFLCH e estudantes agredidos pela polícia que supostamente estaria lá para defendê-los.
A PM no Brasil é um entulho autoritário do período da ditadura militar, é uma polícia militarizada com foros privilegiados que se constitui na força policial mais violenta do mundo, com registro de torturas, assassinatos, até mesmo de juízes, como ocorrido recentemente no RJ, onde a formação das chamadas “milícias” mostra como ocorre um acelerado processo de deriva delinquencial de uma parte do aparelho policial.
O uso de drogas por jovens não pode ser tratado como um caso de polícia. Menos ainda num ambiente escolar, onde o diálogo e a busca de soluções negociadas e não violentas deve ser uma parte constituinte do projeto pedagógico.
O uso de maconha pela juventude há muitas décadas é parte tanto de uma atitude de rebeldia e desafio, elogiável característica da juventude que lhe confere boa parte de sua capacidade de indignar-se, como de uma busca de recursos alternativos aos remédios farmacêuticos para se lidar com a tensão e ansiedade da vida contemporânea ou para se potencializar a criatividade. Quando se sabe que personalidades científicas como Carl Sagan, Stephen Jay Gould, Oliver Sacks ou Sérgio Buarque de Hollanda usaram maconha não se objeta que tal uso tenha sido contraproducente para sua criatividade. Quando um empresário como Steve Jobs declara que sua experiência com LSD foi uma das coisas mais importantes de sua vida ou quando cientistas como Francis Crick reconhecem que a experiência com psicodélicos tem enorme potencial cognitivo, eles não são acusados de apologistas.
Em 1967, diversos intelectuais de todo o mundo, como Gilles Deleuze, François Chatelet, entre outros, assinaram manifesto publicado no Times de Londres, solicitando a despenalização da Cannabis. Passado quase meio sé culo e essa reivindicação continua presente e, mais do que nunca, necessária.
É mais do que hora da comunidade acadêmica se manifestar novamente contra a proibição do uso da Cannabis, explicar para a opinião pública os argumentos contra a mortífera e imperialista guerra contra as drogas imposta ao mundo pelo governo dos EUA e defender o direito ao autocultivo de maconha e exigir que a questão social e cultural das drogas não continue sendo tratada como caso de polícia.
Se até um professor titular da faculdade, ex-presidente da República, se autocriticou de sua política de drogas e aderiu à campanha antiproibicionista, porque a maioria de nosso corpo docente não se manifesta na forma de um abaixo-assinado contra a continuidade da proibição e perseguição ao uso da maconha no país, propondo uma alteração da atual legislação?
Um comentário:
Robélio, excelentes gancho, comentário e chamado à produção de textos! Abração
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