outubro 09, 2011

CASO GISELE BÜNDCHEN - "Todos erraram o alvo", por Tina Amado

 PICICA: "Esse comercial, sim, deveria ter sido questionado. Um dos maiores obstáculos à igualdade entre os gêneros é a ideia, generalizadamente aceita por homens e mulheres neste país, de que as tarefas domésticas cabem à mulher, enquanto o homem deve ser servido. E isso, toda a mídia, impressa e televisiva, não se cansa de reforçar, via publicidade, cadernos femininos ou programas “para a mulher”, repletos de receitas e dicas para cuidar e decorar a casa."


CASO GISELE BÜNDCHEN

Todos erraram o alvo

Por Tina Amado em 04/10/2011 na edição 662

Ela é leviana, negligente, irresponsável (e é bonita, elegante, sensual).

Vive batendo o carro, estourando crédito especial.

Não tem renda própria: depende do marido.

É consumista, vive pedindo ao marido sofá novo, novo eletrodoméstico...

“É a mulher do publicitário?”

Não, ensina a Hope: este é um estereótipo. Uma “ideia ou convicção classificatória”, resultante de falsas generalizações. Que transparece em uma arrasadora quantidade anúncios da propaganda brasileira – apesar de ser desmentido pelo cotidiano da avassaladora maioria das mulheres brasileiras.

No caso recente da propaganda de lingerie cuja suspensão a Secretaria de Políticas da Mulher (SPM) pediu ao Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), parece que todos os envolvidos erraram a mira – a SPM, a fabricante de lingerie e os comentaristas da mídia.

Jornalista achou “divertido”

A SPM foi infeliz ao alegar que a peça publicitária reforça o estereótipo da mulher-objeto sexual. Uma tonelada de anúncios faz isso. Por que ajudar a promover especificamente esta? A própria Secretaria mantém o Observatório Brasil da Igualdade de Gênero, que poderia, entre outras coisas, promover pesquisas sérias sobre publicidade e mulher, convocar fóruns com publicitários e jornalistas, com as instituições que os formam...

Hope, a fabricante da roupa íntima, chutou duplamente para fora: alegando que, ao usar a milionária supermodelo, evitaria “o viés da subserviência ou dependência financeira da mulher” (?); mas, sobretudo, admitindo candidamente que a mulher deve, sim, usar calcinha, sutiã e a sensualidade para prevenir ou resolver conflitos. Este é que é o ponto questionável, na ótica da relação entre os gêneros, como aliás defende Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão.

A mídia parece não ter levado muito a sério o episódio. Mas em nada contribuiu para pôr os pingos nos is. Na Época, Ruth Aquino achou “divertido” o comercial – só acertou ao notar, como vários, que o que a SPM fez foi dar uma tremenda publicidade ao anúncio.

Mantendo o tom de troça, Sérgio Augusto, no Estado de S.Paulo, não resiste à tentação de reclamar “como nós, marmanjos, somos retratados como trouxas que se deixam enrolar por mulheres de lingerie e como idiotas que babam por uma cerveja gelada”. É ele que lembra outro comercial (da operadora de TV por assinatura Sky) estrelado pela modelo, “em que ela não se importa de parar de esfregar o chão da casa para pegar uma cerveja para o marido, refestelado diante de um televisor”.

Caderno masculino

Esse comercial, sim, deveria ter sido questionado. Um dos maiores obstáculos à igualdade entre os gêneros é a ideia, generalizadamente aceita por homens e mulheres neste país, de que as tarefas domésticas cabem à mulher, enquanto o homem deve ser servido. E isso, toda a mídia, impressa e televisiva, não se cansa de reforçar, via publicidade, cadernos femininos ou programas “para a mulher”, repletos de receitas e dicas para cuidar e decorar a casa.

Queria ver caderno masculino nos jornais. Pois a própria existência dos cadernos femininos pressupõe que todo o resto – notícias, esporte etc. – devem interessar ao sexo masculino. Queria ver era muitos anúncios com homens discutindo o preço da margarina, as vantagens desta ou daquela geladeira, escolhendo uma marca de sabão em pó ou amaciante porque acompanha uma medida certa, para a roupa ficar fofinha, ou, quem sabe, quando ela chega em casa do trabalho, o marido ficar todo carinhoso, sensual, para anunciar que o feijão queimou um pouquinho...

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[Tina Amado é socióloga, editora e tradutora]

Fonte: Observatório da Imprensa

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