PICICA: "Confira a Lei e não deixe suas amigas e familiares passarem por tamanho constrangimento."
Foto: Rogelio Casado - Manaus, 8/06/2012
8 de junho. Sexta-feira. Antes das 07h00, dirigi-me ao Hospital Beneficente Portuguesa do Amazonas para acompanhar meu filho e minha nora, que ali se encontravam desde às 06h00, para aguardar o nascimento de minha netinha Flor. Algumas pessoas aguardavam na sala de espera, entre elas uma outra gestante. O obstetra passou pela sala, cumprimentou meu filho e foi para o Centro Cirúrgico preparar-se para o parto cesareana. Nessa altura, encontrava-se na sala de espera, a mãe, a irmã e uma sobrinha da esposa de meu filho Diego.
Por
volta das 08h00, minha nora foi chamada para entrar no Centro Cirúrgico. Em
seguida meu filho é chamado para guardar a roupa da esposa, com a informação de
que ele seria chamado mais tarde. Talvez aqui esteja o primeiro ruído de
comunicação. Não imaginávamos o quão tarde seria. Dávamos como certa a sua
presença ao lado da esposa, conforme reza os princípios do parto humanizado.
Com a demora, pedimos informação. Atribuiu-se ao atraso do
anestesista. Enquanto isso, pus-me a estudar para a defesa da minha dissertação
de mestrado, que aconteceria na segunda-feira, dia 11 de junho.
Quando nos demos conta, vimos passar uma criança. Passava
das 09h00. Era a filha da outra gestante, que embora tivesse chegado depois, já
havia dado a luz. Intrigados, fomos até a recepcionista saber a razão pela qual
o pai da minha neta não havia sido chamado até aquela hora para assistir o parto.
Com surpreendente convicção, a recepcionista informou que era norma da casa.
Argumentei que a lei do 'parto humanizado' estava sendo desrespeitada; que em
outros hospitais isso não acontecia. “Mas aqui é um hospital particular”, argumentou
a zelosa funcionária, sem se dar conta de uma particularidade: hospitais conveniados com o SUS não estão isentos do cumprimento da Lei.
Resolvemos não tensionar o ambiente. Guardamos a indignação,
conscientes de que os danos cometidos pelo desrespeito aos direitos
reprodutivos deveriam ser apurados numa outra instância.
Logo em seguida, nossa querida Flor chegou e a emoção de
acompanhá-la até o berçário foi o que restou ao pai, aos familiares da sua
esposa e a esse avô frustrado por tamanho desrespeito para com uma legislação
que está em vigência desde 2005.
Em fevereiro de 2005, quando nasceu meu filho Juan, a lei
tinha acabado de ser sancionada. Demos entrada num hospital privado, e resolvi
não me identificar como médico. Não deu outra; a enfermagem quis impedir o
acompanhamento de minha esposa. Tive que invocar minha condição de médico e
lembrar que havia uma nova lei garantindo o parto humanizado. Havia, entretanto, uma particularidade na lei, que convido o(a) leitor(a) a checar.
Segundo a Lei, a gestante pode escolher qualquer pessoa do
seu relacionamento próximo para acompanhá-la durante todo o trabalho de parto, seja
cirúrgico ou não. Nessa hora é fundamental estar ao lado da sua companheira. A
segurança que advém desse gesto é incontestável. A mulher sente-se apoiada por
mãos que lhe são familiares.
Tenho três filhos. Assisti ao parto de todos. Em todos eles minha condição de médico prevaleceu. Sete anos depois do nascimento do meu filho mais novo, jamais imaginaria que uma
antiga e respeitada casa de saúde estivesse a desrespeitar a lei sistematicamente.
O caso de minha nora infelizmente não é um caso isolado. Além do tornar público
o fato, para que outros não se repitam, estamos procurando a Justiça para o
devido reparo a tão danosa conduta. Em Manaus, em pleno século XXI, pelo menos
no Hospital Beneficente Portuguesa do Amazonas o parto ainda não foi de todo
humanizado. O impedimento de familiares no acompanhamento do parto configura uma violência obstétrica. Confira a Lei e não deixe suas amigas e familiares passarem por tamanho constrangimento.
Rogelio Casado
Médico psiquiatra
Rogelio Casado
Médico psiquiatra
3 comentários:
Parabéns pela sua denúncia, Dr. Rogério. É terrível que a maioria dos hospitais em Manaus não cumpre essa e outras Leis ou portarias. Se cumprissem e seguissem não estaria infectado hoje por duas bactérias incuráveis dentro do Hospital Prontocord, amigo. Um abraço!
Rogélio:
Caramba, que momento difícil esse em que vivemos. A humanização da saúde é algo que certamente se consolidará, porque, as pessoas estão ficando mais conscientes de seus direitos, esse é o caso. Tenho observado que em todos hospitais não temos alguém que possa nos ajudar no antes, no durante e no depois de uma cirurgia. Alguém com quem possamos estar sendo consolados e principalmente acompanhados nesses terríveis momentos de stress cirúrgico, principalmente.
Há uma espécie de ignorância mal-educada nas pessoas envolvidas tanto na burocracia quanto nos partícipes do ato cirúrgico em si.
Tomara, oxalá, não demore essa conscientização ser generalizada para que de fato possamos ficar menos estressados e mais confiantes na êxito de qualquer cirurgia, acompanhados de alguém que possamos confiar, talvez, um familiar, um ente querido, pois, nãomhá nada melhor do que o paciente despertar e olhar um rosto conhecido, alguém que o ame de fato.
Rogélio:
Parabéns pela Flor, que ela venha para abençoar mais sua já abençoada vida.
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