PICICA: "O
sentido político da tentativa de golpe também está suficientemente
claro. O Paraguai foi controlado, durante 61 anos, pelo Partido
Colorado, de direita. Na maior parte deste tempo (1947-1989), o país
esteve sob ditadura. O presidente Lugo, um ex-bispo ligado à Teologia da
Libertação e às lutas dos pobres, foi eleito em 2008, mas não conseguiu
apoio da maioria do Congresso. Ele articulou uma coalizão de governo,
mas a direita – incluindo a mídia – nunca aceitou de fato sua
presidência.
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O
governo Obama respondeu à crise atual no Paraguai com uma declaração em
apoio ao devido processo. Talvez tenha aprendido algo de Honduras e não
se oponha ativamente aos esforços da América do Sul para defender a
democracia. Certamente, os países da região não permitirão que
Washington controle o processo de mediação, se houver um – como fez
Hillary Clinton com a OEA, em Honduras. Mas Washington pode desempenhar
seu papel tradicional, assegurando à oposição que o novo governo terá
apoio, inclusive financeiro e militar, dos EUA. Vermos nos próximos
dias."
Paraguai: o golpe e o dedo de Washington
Por que destituição do presidente Lugo é inconstitucional. Como reage América do Sul. Quais os sinais de envolvimento dos EUAPor Mark Weisbrot | Tradução: Antonio Martins
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Atualização:
No final da tarde desta sexta, o Senado do Paraguai, dominado por partidos conservadores, decretou o afastamento do presidente eleito, Fernando Lugo. Mas o futuro do país é incerto. No plano interno, é provável que haja resistência ao ato, visto por boa parte da sociedade como um golpe. Uma multidão permanece diante do Legislativo, e passou a pedir a dissolução do próprio Congresso, por considerá-lo ilegítimo.
Na cena internacional, a União das Nações Sul-Americanas também acaba de emitir em que frisa “sua total solidariedade ao povo paraguaio e o respaldo ao Presidente constitucional Fernando Lugo.”
Em meio aos acontecimentos, um aspecto permanece incerto: o papel dos Estados Unidos. Com quem os golpistas poderiam contar, se enfrentam oposição interna e dos governos da região? No texto abaixo, o jornalista e cientista político Mark Weisbrot sugere: Washington pode estar dando respaldo aos golpistas. Colaborador do “The Guardian”, Weisbrot é também co-diretor do Centro para Pesquisa Econômica e Política, baseado na capital norte-americana (A.M.)
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Um golpe de estado está sendo perpetrado neste exato momento, sexta-feira à noite, no Paraguai.
É esta a visão de diversos governos vizinhos. E a União das Nações Sulamericanas (Unasul) está tratando os acontecimentos desta maneira, além de levá-los muito a sério. Todos os doze ministros de Relações Exteriores (inclusive os do Brasil e da Argentina, que estão profundamente preocupados) voaram para Assunção na quinta-feira à noite, para manter contatos com o governo, e também com a oposição, no Legislativo.
O Congresso do Paraguai tenta afastar o presidente, Fernando Lugo, por meio de um procedimento de impeachment em que lhe foram dadas menos 24 horas para preparar sua defesa, e apenas duas para apresentá-la. Tudo indica que uma decisão para condená-lo já foi escrita, e será apresentada nesta noite (22/6). Seria impossível chamar este trâmite de “devido processo”, em qualquer circunstância, mas é também uma clara violação do Artigo 17 da Constituição paraguaia, que assegura o direito a defesa adequada.
O sentido político da tentativa de golpe também está suficientemente claro. O Paraguai foi controlado, durante 61 anos, pelo Partido Colorado, de direita. Na maior parte deste tempo (1947-1989), o país esteve sob ditadura. O presidente Lugo, um ex-bispo ligado à Teologia da Libertação e às lutas dos pobres, foi eleito em 2008, mas não conseguiu apoio da maioria do Congresso. Ele articulou uma coalizão de governo, mas a direita – incluindo a mídia – nunca aceitou de fato sua presidência.
Conheci Fernando Lugo no início de 2009. Impressionaram-me sua paciência e estratégia de longo prazo. Ele dizia que, dada a força das instituições alinhadas contra seu governo, não esperava ganhar tudo no presente; estava lutandopara que a nova geração pudesse ter uma vida melhor. Mas a oposição sempre foi implacável. Em novembro de 2009, Lugo teve de demitir os principais comandantes militares, devido a relatos firmes de que conspiravam com a oposição.
O impeachment foi desencadeado por um conflito armado entre camponeses que lutavam por terra e a polícia, quando morreram ao menos 17 pessoas, inclusive sete oficiais de polícia. Segundo os sem-terra, a área em disputa havia sido obtida ilegalmente por um político do Partido Colorado. Mas o confronto violento é apenas um pretexto: está claro que o presidente não teve responsabilidade alguma pelo ocorrido. Os oponentes de Lugo sequer apresentaram alguma evidência para as acusações no “julgamento” de hoje. O presiente propôs uma investigação sobre o incidente; a oposição não se mostrou interessada, preferindo partir para um procedimento judicial fraudulento.
A eleição de Lugo foi uma das muitas na América do Sul (Argentina, Brasil, Venezuela, Bolívia, Equador, Uruguai, Peru, Honduras, Nicarágua, El Salvador) em que as sociedades escolheram governos de esquerda e mudaram a geografia política do hemisfério, nos últimos 14 anos. Com a mudança, veio uma crescente unidade política em temas regionais – especialmente na resistência aos Estados Unidos, que antes tinham sucesso, ao evitar o surgimento de governos de esquerda.
Por isso, não é surpreendente a resposta urgente e imediata dos países sul-americanos a esta tentativa de golpe, vista por eles como uma ameaça à democracia. O secretário-geral da Unasul, Ali Rodriguez, insistiu que Lugo deve ter direito ao “devido processo” e ao direito de se defender. O presidente do Equador, Rafael Correa, afirmou que a Unasul poderia recusar-se a reconhecer o governo pós-golpe – em cumprimento a uma das cláusulas de sua Carta.
Correa foi um dos mais duros oponentes ao golpe de Estado em Honduras, que afastou há três anos o presidente Manuel Zelaya. Honduras continua a sofrer violência extrema, incluindo assassinato de jornalistas e políticos opositores, sob o regime estabelecido em seguida ao golpe.
O afastamento de Zelaya foi um ponto de mudança nas relações entre os Estados Unidos e a América Latina. Governos como os do Brasil e Argentina, antes esperançosos de que o presidente Obama abandonasse as políticas de seu antecessor, desapontaram-se. Washington fez declarações conflitantes sobre o golpe e em certo ponto – em oposição ao resto do hemisfério – fez todo o possível para assegurar-se de que o golpe teria sucesso. Isso incluiu bloquear, no interior da Organização dos Estados Americanos (OEA) os esforços das nações sulamericanas para restaurar a democracia. No último Encontro das Américas Obama ficou – em contraste com o que ocorrera em 2009 – tão isolado quanto seu antecessor, George W. Bush.
O governo Obama respondeu à crise atual no Paraguai com uma declaração em apoio ao devido processo. Talvez tenha aprendido algo de Honduras e não se oponha ativamente aos esforços da América do Sul para defender a democracia. Certamente, os países da região não permitirão que Washington controle o processo de mediação, se houver um – como fez Hillary Clinton com a OEA, em Honduras. Mas Washington pode desempenhar seu papel tradicional, assegurando à oposição que o novo governo terá apoio, inclusive financeiro e militar, dos EUA. Vermos nos próximos dias.
Resta saber o quê mais a Unasul fará para se opor ao golpe de direita no Paraguai. É certamente compreensível que a organização o enxergue como uma ameça à democracia e à estabilidade na região.
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