PICICA: "Somos nós os dependentes de soluções higienistas e fascistas. Me senti horrível em pertencer a uma sociedade amordaçada que trata aos excluídos urbanos como não-cidadãos e pertencentes a um não-lugar. Porque aquelas casas são não-lugares onde a prática médica e de cuidados não podem ser exercidos."
RELATÓRIO SOBRE AS CONDIÇÕES DO INFERNO
Edmar Oliveira
Fui honradamente convidado pela Comissão de Deitos Humanos da
Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro para comentar a leitura do
Relatório sobre os abrigos da Prefeitura para onde são levados as crianças e
adolescentes recolhidos nas “operações” da Secretaria de Assistência Social e
da Polícia nas chamadas cracolândias. Na companhia de importantes
personalidades e em audiência pública.
Detenho-me aqui ao relatório por evidências explícitas.
Aqui não vamos mais opinar sobre a infâmia do recolhimento
compulsório e como ele é feito. Mas os que acompanham essa discussão sabem para
onde são levadas essas pessoas recolhidas? Depois de sair de nossa vistas sabem
o quê acontecem com elas?
São levadas para muito longe no subúrbio de Paciência ou
Campo Grande para grandes campos de concentração de estimada quatro centenas de
almas. E a leitura nos leva a descer aos infernos de um drama trágico. Os
funcionários que cuidam dos prisioneiros se confundem em não saber se aquilo é
um abrigo ou uma internação. Certamente uma prisão, pois se fala em quantidades
de fugas e recapturas. Mas também tem características de um manicômio: os
presos estão sedados, com a fala arrastada e desconexa, impregnados de
medicação, olhos vermelhos e movimentos contidos. Há relatos de maus tratos.
A entidade que cuida dos abrigos é uma entidade religiosa em
convênio com a prefeitura. O dono dessa entidade é um policial aposentado. Ele
e sua família exercem o “cuidado” a essas pessoas.
Não consigo ouvir mais. Fico imaginando o laudo do médico
legista que suicidou Vladimir Herzog. Fico lembrando dos médicos que atendiam
os torturados da ditadura.
Hoje são os excluídos que são feitos prisioneiros e vítimas de
médicos que os sedam cruelmente na desculpa do tratamento para a “dependência
química”.
Somos nós os dependentes de soluções higienistas e
fascistas. Me senti horrível em pertencer a uma sociedade amordaçada que trata aos
excluídos urbanos como não-cidadãos e pertencentes a um não-lugar. Porque
aquelas casas são não-lugares onde a prática médica e de cuidados não podem ser
exercidos.
São levados aos infernos os jovens que não fizeram pacto com o diabo. Mas ali suas almas lhes são separadas dos corpos. Mortos-vivos aflitos onde o retorno à comunidade se torna impossível.
Fonte: Excluídos Urbanos
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