PICICA: "Sim. Tua
cidade já não existe, ou tem morte certa. Pois, a verdadeira Cidade é
assim. Eu sei que terá ilusões, mas isto se demonstrará completamente
inviável. Você não pode morar onde quiser. Pois, ao chegar à verdadeira
Cidade, procurará morar em um bairro com vendinhas, bares, centros
comunitários para cultura, e um bom sistema de transporte público, e
buscar um trabalho perto da tua casa. Engana-se redondamente. Pois,
encontrará um trabalho em um lugar cheio de prédios, carros e espaços
para “não-viventes”, até pode querer morar em um destes grandes
edifícios, mas correrá o risco de perder qualquer identidade comunitária
e se tornar um autômato."
Qual Cidade queremos?
Por Venancio Guerrero.
A cidade, o
que é a cidade? Onde eu vivo. Minha terra. Onde moro, como, durmo, me
divirto. A cidade é o centro da minha realidade. Mas, o que é a cidade?
Pedra. Concreto. Concreto. Não. Eu quero uma cidade sem muito concreto,
com respiro, sim, respiro da árvore, respiro da terra, respiro de
parques e cachorros e gatos. Não. Esta cidade não existe. Existe sim. Eu
moro numa delas. Ela é pequena, tem uma pequena praça, tem um pequeno
parque. Mas, não tem emprego. Não posso ficar aqui, vou para outra
cidade. Você vai vir para minha cidade. Sim, esta minha cidade é cheia
de concreto. Então, esta é a Cidade realmente existente?
Sim. Tua
cidade já não existe, ou tem morte certa. Pois, a verdadeira Cidade é
assim. Eu sei que terá ilusões, mas isto se demonstrará completamente
inviável. Você não pode morar onde quiser. Pois, ao chegar à verdadeira
Cidade, procurará morar em um bairro com vendinhas, bares, centros
comunitários para cultura, e um bom sistema de transporte público, e
buscar um trabalho perto da tua casa. Engana-se redondamente. Pois,
encontrará um trabalho em um lugar cheio de prédios, carros e espaços
para “não-viventes”, até pode querer morar em um destes grandes
edifícios, mas correrá o risco de perder qualquer identidade comunitária
e se tornar um autômato.
Caro amigo,
você será obrigado a buscar uma casa distante do teu trabalho. Sim,
buscando uma vida de mais qualidade, começará tua sina. Primeiro,
buscará nos bairros das imediações, ali verá que está tudo muito caro.
Fora. Fora das tuas condições. Quem você pensa que é? Quem pensa? Não é
juiz, médico para morar em prédios bonitos, espaçosos, com vida ritmada e
algum sentido coletivo, mesmo que artificial. Não pode, você não pode. É
um qualquer, trabalhador genérico. Mesmo com universidade, não tem
família rica, não tem boa origem, todas as dificuldades à vista. É
jovem, é pobre e saiu do zero, no zero vai ficar.
Sim, a
Cidade que existe para você é o bairro longe do trabalho. Sim, ali as
coisas são difíceis, talvez tão mais difíceis do que a cidade passada,
que tinha fome, porém respiração coletiva. Aqui, não. Aqui são todos
autômatos. Apenas somos vivos nos fins de semanas, onde conseguimos um
pouquinho de vida coletiva.
Esta cidade é
a Cidade que não tem cultura e experiência coletiva. Enquanto, a Cidade
existente para os que têm dinheiro, existe teatro, música, tempo para
fruição, tempo para curtição. Aqui, não. Aqui não tem muito isto. Temos
interstícios, alguns bares, algumas fofocas, mas não, você não tempo
para isto. Trabalho. Trabalho. Trabalho. Horas para outros. A cidade não
te permite horas livres.
Sim. A
Cidade impõe barreiras para a vida bem vivida. Você não pode acordar
atrasado, pois vive bem longe. Muito cedo mesmo, senão tá’ tudo muito
lotado, sempre lotado. Apenas, quando você consegue acordar para entrar
no primeiro ônibus, como lá pelas 4 da manhã para pegar o ônibus da
5:00, ah sim, aí você pode conseguir algum lugar. Sim, esta cidade impõe
4 horas de viagem, no bolo louco de uma massa informe de gente. Sim.
Ali, você olha muitos carros com uma pessoa que poderiam estar dentro de
dois ônibus e dar mobilidade para Cidade.
Mas, a
Cidade não se importa com isto, aqui a Cidade quer Progresso, e
Progresso é construir novas pistas para carros, pois aqui gera emprego e
exploração e opressão. O Progresso é isto, uma cadeia ininterrupta de
exploração, em que a fila começa: eu sou explorado, mas eu te exploro, e
você explora outro autômato, até o final, mas no final ela reinicia,
sim. Sim. Sim. Aqui, todos estamos felizes por explorar alguém. Carros
são precisos, para construir mais carros, mais rodovias, chamar mais
gente para cidade, para fechar todas as ruas com carros, que vão
necessitar de mais carros. Sim. Sim. Carros.
Sim. Carros.
Aqui, a Cidade entope de gente e de carros. A Cidade é um monte de
gente que não se fala. Pois, eles vão todos comportados para o trabalho.
Agora você está no trem, no metrô. Conseguiu chegar, enfim, saiu do
ônibus, pague outra vez. A integração é uma mentira. Integração de
verdade é àquela que não tenho de pagar nada. Aqui, a integração você
ainda paga. Mentirosos. A Cidade mente bastante, principalmente nas
propagandas, o coração da Mentira. Sim, o metrô impõe uma Cidade de
Autômatos. Outra massa informe. Outra massa. Mais uma massa. Apenas
massa. Olhe as pessoas e suas cores, seus diversos trajes, parece que
olhamos pessoas distintas. Não. Não são distintas. A Cidade massacra e
cria esta mentira de diferença. Pois, todos pagam os malditos R$ 3,00.
Para a Cidade você é uma massa que vale R$ 9,30.
Sim. Sim.
Uma cidade cara para caramba. Onde a vida coletiva vale muito. Onde eu
como mal e caro. Onde eu não consigo morar sem ter de pagar muito.
Lembre-se que você vai ter morar longe, ainda por cima, morar caro. O
preço de tudo cresce, cresce e cresce. A Cidade é cara e vai ficando
também pior. Mais gente. Mais gente para entupir e deixar tudo caro.
A Cidade é
um monte de formiga que se esbarra e se morde. Cuidado. A Cidade é medo.
A Cidade é insegurança. Nunca sente junto com outra pessoa no ônibus,
os casais devem separar-se sempre. Não admitimos intimidades. Não
admitimos contatos humanos. Sim. A cidade se compõe deste mosaico de? De
homens e mulheres massas. Todos fazem parte de uma mesma massa informe.
A Cidade da enchente. A Cidade da depressão, da pressão e da loucura.
Saúde mental morreu, quem matou não fui eu, foi a Cidade.
A Cidade é
poluição. A Cidade é sujeira. A Cidade é irracionalidade. Suje sempre. A
Propaganda diz que vai melhorar. Como te disse, a Cidade é bem
mentirosa. A Cidade não sabe que fazer do Plástico. A Cidade é feita de
plástico. A Minha Cidade é posto de saúde ruim, hospital ruim, ônibus
ruim, educação mentirosa. Sim. O meu, o teu, o nosso bairro carece de
tudo! Até dias atrás você poderia participar do Sarau do Binho, mas
agora não tem mais, pois Cultura na Minha Cidade não existe realmente
para todos. Sim. Sim. Esta é tua Cidade. Esta é a Minha Cidade. Aceite.
Aceite isto!
(…)
Cale-se.
Cale-se. Cale-se. Você já falou muito do que é esta Minha Nova Cidade.
Mas, agora eu quero dizer algumas coisas. Você me deixa? É verdade que
minha Cidade quase já morreu, por isto estou aqui nesta Cidade de
Concreto, de Espelhos que refletem o desespero do vil metal. Sim. Não
tenho respiro, não tenho vida coletiva. Mas, Cale-se. Pois, não quero
aceitar. Teu discurso é ruim, pois aceita tudo passivamente.
Ainda, quero
sim. Posso querer. Quero uma Cidade onde a Cultura é realmente
existente. A Cultura democrática, onde eu posso escrever meu lirismo e
poder ser escutado, poder compartilhar em Bonitos Saraus. Onde eu canto e
escuto canções. Sim. Sim. A música, o drama, a vida vivida em termos
artísticos. Sim. Perto de casa! Poder compartilhar da boa conversa e da
boa arte. Sim. Com estrutura e tempo para isto.
Eu quero ter
uma cidade onde eu possa andar e andar. Conhecer cada ponto e canto de
sua imensidão sem ter de gastar R$ 9,30 por dia. Sim. Poder andar e
caminhar pagando barato, com transporte coletivo que gire esta cidade.
Assim, posso me relacionar com as pessoas. Quero ter espaços coletivos.
Quero ter um trabalho perto de casa. Quero ter uma boa casa, com vida,
muita vida comunitária.
Queria poder
trocar idéia com meu médico sobre a melhor forma de manter minha saúde
bem vivida, sim. Queria ter no meu bairro uma escolinha aberta para toda
comunidade. Escola com arte. Sim. Professores bem pagos e bem
alimentados de saber e cultura que pudessem pensar minha comunidade.
Sim. Sim. Pudessem socializar o conhecimento para meus futuros filhos.
Sim. Respirar cultura, respirar coletividade. Respirar natureza. Queria
olhar e entender melhor tudo isto, ter acesso à ciência, para isto ter
acesso à educação.
Sim. Queria
poder trabalhar menos, e ter um bom trabalho, mas para isto precisaria
ter uma Cidade que me desse coletivamente um acesso a bons meios de
produção. Sim. Consumir bons alimentos, consumir bem, pois consumiríamos
coletivamente, sem ter de pagar pela comida boa. Acabar com o plástico.
Sim. Coletivamente gerar e autogerir tudo na minha comunidade. Sim.
Sim. Criar coisas duradouras, andar de bicicleta, e respirar, respirar,
viver coletivamente, viver e cantar novas canções de novos mundos
coletivos! Minha cidade parte da coletividade humana, parte da Cidade
Humana!
Sim. Eu posso. Para isto quero que Cale tua conformidade. Pare. Pare. Criticaremos a este mundo Na Luta! Para isto ocuparemos os lugares caros, para isto ocuparemos coletivamente. Ocuparemos os espaços de cultura, os espaços de vida! Sim. Ocuparemos o transporte coletivo e gestionaremos todos juntos. Ocuparemos o Espaços de Poder. Ocupar o Espaço de Poder planificar este mundo. Sim. Pensaremos juntos. Romperemos o Espaço do Poder Privatizado. Romperemos com a alienação do meu tempo. Romper a Alienação do Espaço. Romper com o tempo imposto pelo Progresso do Dinheiro e da Acumulação das Coisas. Sim. Vamos! Vamos! Romper com os Donos deste Poder. Com as Classes que nos roubam a nossa Cidade e a transformam e lixo tóxico. Pensar. Formular na prática. Lutar. Lutar e Lutar!
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