PICICA: "Quando falo de parto, penso que o feminismo luta, acima de tudo, para que a gravidez e o parto sejam escolhas das mulheres. Escolhas conscientes e com todos os recursos que precisarem. Seja parto normal ou cesárea, isso deve ser uma decisão da mulher. Então, mulher nenhuma é menos mãe por ter feito cesárea e nenhuma mulher que tenha tido parto normal é uma mãe melhor. Parto é uma experiência pessoal que tem diferentes significados para cada pessoa. (...) Por causa da matéria do Fantástico, o Cremerj (Conselho
Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro) enviará denúncia ao
Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo contra o médico
Jorge Francisco Kuhn, que participou de reportagem do Fantástico
defendendo o parto domiciliar. Médicas e médicos tem direito de
aceitarem ou não realizar partos domiciliares. Porém, acho estranho e
perigoso que Conselhos de Medicina se posicionem contra a realização de
partos domiciliares."
Parto humanizado domiciliar: direito das mulheres
Quando falo de parto, penso que o feminismo luta, acima de tudo, para que a gravidez e o parto sejam escolhas das mulheres. Escolhas conscientes e com todos os recursos que precisarem. Seja parto normal ou cesárea, isso deve ser uma decisão da mulher. Então, mulher nenhuma é menos mãe por ter feito cesárea e nenhuma mulher que tenha tido parto normal é uma mãe melhor. Parto é uma experiência pessoal que tem diferentes significados para cada pessoa.
Por causa da matéria do Fantástico, o Cremerj (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro) enviará denúncia ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo contra o médico Jorge Francisco Kuhn, que participou de reportagem do Fantástico defendendo o parto domiciliar. Médicas e médicos tem direito de aceitarem ou não realizar partos domiciliares. Porém, acho estranho e perigoso que Conselhos de Medicina se posicionem contra a realização de partos domiciliares.
Em resposta a arbitrária decisão do Cremerj, nos dias 16 e 17 de junho acontecerá a Marcha do Parto em Casa. Mulheres ocuparão as ruas de várias cidades brasileiras em defesa dos seus direitos sexuais e reprodutivos, entre eles a escolha pelo local de parto. Confira a lista com as cidades, locais e horários em que a Marcha acontecerá. Está sendo divulgada também uma Carta aberta à sociedade em repúdio ao Cremerj.
Partos domiciliares
Há muitas mulheres que vivem longe de centros urbanos e tem seus partos em casa. Apesar de não haver uma estatística oficial, estima-se que sejam realizados 40 mil partos domiciliares no país ao ano, a maioria deles assistida por parteiras tradicionais das Regiões Norte e Nordeste.
Na região norte, as parteiras tradicionais são consideradas patrimônio humano e social. Em maio desse ano, o Amapá promoveu o II Encontro Internacional das Parteiras Tradicionais. Mais de 90 parteiras tradicionais do Amapá frequentaram oficinas sobre procedimentos de assistência a partos (novas técnicas, higiene, prevenções, uso correto dos equipamentos médicos, dentre outros) e, ao final do curso, cada uma recebeu um kit parteira, do programa Rede Cegonha do Ministério da Saúde.
Sempre há notícias de mulheres que pariram no meio da rua, no trânsito a caminho do hospital ou em casa com o auxílio de bombeiros ou de alguém da família. Ninguém nega a importância do avanço tecnológico da medicina, mas no princípio gravidez não é doença e parto não é cirurgia.
Quando planejados, os partos domiciliares são feitos por profissionais qualificados e possuem uma estrutura que assegura a saúde da mulher e da criança. Fora as parteiras tradicionais, o profissional que atende parto domiciliar é médico, enfermeira obstetra ou obstetriz, formados em cursos superiores e com experiência em atendimento de partos normais, com e sem complicações. Para conhecer os mitos que cercam o parto domiciliar indico o texto de Ana Cristina Duarte: Mitos do parto em casa.
As mulheres (e os homens que possam engravidar) devem ter o direito de serem protagonistas de seus partos. Então, o que desejo é que tanto a opção da cesárea, quanto do parto normal seja acessiveis as mulheres e feitos de forma humanizada. Porém, o que vemos hoje no Brasil são altas taxas de cesárea e muito preconceito em torno do parto humanizado e domiciliar por parte dos profissionais de saúde.
Partos e nascimentos no Brasil
Pesquisas indicam que a maioria das mulheres, no início da gravidez, preferem o parto vaginal. Cerca de nove em cada 10 entrevistadas que tinham experimentado ambas as vias de parto, e três em cada quatro que tiveram só cesáreas, uma diferença significativa apontada na pesquisa: Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência pela via de parto.
Dados do Ministério da Saúde apontam que, em 2010, o Brasil registrou mais cesarianas do que partos normais. Enquanto em 2009 o país alcançava uma proporção de 50% de partos cesáreos, em 2010, a taxa subiu para 52%. A Organização Mundial da Saúde recomenda que essa taxa fique em torno de 15%. Na rede privada, o índice de partos cesáreos chega a 82% e na rede pública, 37%. Para descobrir o porquê da preferência de muitas brasileiras pelo parto cirúrgico, a Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz está coordenando a pesquisa “Nascer Brasil: Inquérito sobre Parto e Nascimento”. O estudo vai entrevistar 24 mil mulheres em situação de pós-parto.
Resultados preliminares do projeto revelam que apenas 45% das mulheres que dão à luz no país planejam de fato a gravidez. Isso mostra que as mulheres não estão tendo acesso a todas as informações referentes a gravidez e ao parto, além de não estarem conscientes de seus direitos reprodutivos. O pré-natal bem feito é essencial para que a pessoa tenha pleno conhecimento pleno sobre seu parto. Sabemos que a violência obstétrica é grande em nosso país. Portanto, é fundamental melhorar o atendimento de saúde e a formação dos profissionais da área. Esses dados revelam também que propostas do governo como a MP 557, que institui um cadastro compulsório de grávidas, não resolvem o problema da mortalidade materna, já que as mulheres estão mal informadas e sem apoio humanizado.
Vale lembrar também que a mortalidade materna das mulheres negras no Brasil é, expressivamente, maior que a das mulheres brancas. Para compreender melhor essa questão recomendo a entrevista de Conceição Lemes com a enfermeira obstétrica Alaerte Leandro Martins: A morte materna invisível das mulheres negras.
Medicalização do corpo da mulher
Cesáreas são importantes, salvam vidas de mulheres e bebês em risco. Porém, a cesárea não é necessária em todos os casos. Os casos reais onde se precisa de uma cesárea são bem mais raros do que imaginamos, aproximadamente 10% das gestações. Ao questionar o número de cesáreas no país não quero que as mulheres sofram dores durante seus partos, todas devem ter direito a anestesia. No relato de seu parto, Carol Mafra conta como planejou um parto sem intervenções, mas que quando chegou no seu limite da dor pediu anestesia e ela foi dada. O que questiono é por que no Brasil o número de cesáreas, uma cirurgia que envolve riscos, é tão alto? Percebo que muitas vezes obstetras alegam motivos que nem sempre inviabilizam o parto normal, como mostra Renata Correa no texto: Quando a cesárea é uma cirurgia realmente necessária?
A obstetriz Mariane Menezes explicou-me por email que as brasileiras acabam se vendo em uma encruzilhada. Em hospitais particulares podem ser levadas a uma cesárea desnecessária. Veja uma lista dos procedimentos em que há indicação de cesárea. Na rede pública, provavelmente terão um parto cheio de intervenções que são na maioria das vezes desnecessárias e obsoletas: ocitocina, enema (lavagem intestinal), tricotomia (raspagem dos pêlos pubianos), episiotomia (incisão cirúrgica no períneo para alargar o canal de parto), dieta zero, privação de movimentos fazendo com que a mulher fique deitada durante todo o trabalho de parto, manobra de kristeller (uma pressão fúndica, ou seja, empurram a barriga). Procedimentos que tornam o parto doloroso, sem contar a violência física e verbal.
Sabemos que num parto podem haver complicações, mas negar e criminalizar o parto domiciliar me parece uma atitude que visa muito mais medicalizar o corpo da mulher do que pensar em sua saúde ou na da criança. Gerando uma desapropriação do corpo da mulher ao produzir um controle disciplinador sobre ele. Sabemos que o parto normal demanda mais tempo, consequentemente os profissionais de saúde envolvidos ficarão mais tempo trabalhando, o que acaba trazendo o viés econômico a questão. Isso talvez explicasse porque tantos médicos e médicas preferem marcar cesáreas, mas sabemos que não é apenas isso.
Em decorrência da desigualdade social percebe-se que escolher o tipo de parto é uma opção apenas para a mulher que tem dinheiro. Porém, sabemos também que muitos residentes não aprendem a fazer partos normais, formando-se em hospitais que só realizam cesáreas. E como não somos acostumados a duvidar dos médicos e médicas, a opinião deles acaba influenciando muito a decisão da mulher.
Iniciativas em prol do parto normal
Em 2011, a Agência Nacional de Saúde Suplementar passou a estimular os planos de saúde a aprovarem partos normais com a campanha: Parto normal está no meu plano. Os que diminuem as cirurgias recebem um indicador positivo. Também é importante apresentar a mulher, por meio de campanhas, as vantagens do parto natural.
É bom saber que dentro do Sistema Único de Saúde existem boas opções de parto humanizado, como mostra o relato da Lanika sobre o programa Mãe Curitibana e as consultas pós-parto. Porém, é visível que essa não é uma realidade para todas as mulheres, por mais que o governo venha promovendo campanhas e ações em prol do parto natural.
Acredito que o ideal seria que cada pessoa decidisse com consciência e informação qual parto terá. Existem mulheres que escolhem a cesárea eletiva e não as julgo, porque isso não significa ser melhor mãe ou não, é a experiência pessoal dessa mulher com o parto. O que acho fundamental é questionar por que tantas mulheres desejam um parto normal no início da gravidez e não conseguem realizá-lo? Minha maior crítica acaba recaindo sobre os profissionais de sáude, que fazem cesáreas por conveniência, não se interessam em aprender a realizar partos normais e, possuem conselhos profissionais que querem prejudicar profissionalmente quem acredita que o parto humanizado domiciliar é um direito da mulher.
Para o obstetra Jorge Kuhn, defensor do parto humanizado domiciliar e agora perseguido pelo Cremerj, a maioria das mulheres que pedem cesárea têm medo da dor. “Quando o parto saiu de casa e foi para o hospital, as mulheres esqueceram muitas coisas. A confiança nelas, principalmente. Acho que isso vai demorar muito tempo para mudar.” Os médicos, segundo ele, também têm sua parcela de responsabilidade: “Eles se apossaram desse conhecimento e passaram a achar – e isso nem é proposital – que a mulher não é capaz mesmo”, avalia Kuhn.
Por fim, deixo a dica de um dos blogs mais lindos que conheço: O menino que nasceu em casa. Nele, a Silvia conta sobre seu parto domiciliar e a descoberta de que Matias tinha uma malformação cardíaca que não foi detectada no pré-natal. Fatalidades acontecem e é importante não usá-las para demonizar a questão.
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