PICICA: "Nunca houve um processo como o mensalão. Alvo de pressões da
grande imprensa, que tem feito caras e bocas ao longo de não menos de sete anos,
primeiro para provar a existência do processo em si mesmo, depois para influir
decisivamente na condenação máxima de suas dezenas de réus. Alvo de pressões de
ministros da Suprema Corte, usando-se para tanto os mais variados artifícios: da
suspeição de que ministros do STF foram nomeados com o intuito de – na hora
oportuna – exarar seu voto pela inocência dos réus ao vazamento de conversa
privada entre o ministro Gilmar Mendes, ex-advogado-geral da União na gestão
Fernando Henrique Cardoso, com o ex-presidente Lula, tendo como testemunha
Nelson Jobim, ele próprio ex-ministro do STF e ex-ministro da Defesa na gestão
Lula/Dilma Rousseff. Conversa esta que apresenta conformidade apenas quanto à
data, local e personagens presentes, mas cujas versões diferem completamente
quanto ao seu conteúdo: Lula e Nelson Jobim desmentem a versão de Mendes."
PROCESSO DO MENSALÃO
O STF na encruzilhada
Por Washington Araujo em 28/06/2012 na edição
700
Nunca houve um processo como o mensalão. Seria um bom nome de
filme, ainda a escolher o gênero. Se considerado algo sério, seria documentário
político, a exemplo do clássico Z, do grego Costa-Gavras; se considerado
comédia, poderia ser um flagrante dos costumes políticos do Brasil: acusações de
uso de caixa 2 em campanhas políticas, de compra de apoio parlamentar para dar
sustentação ao então ocupante do Palácio do Planalto, Luiz Inácio Lula da Silva,
vitrina para exercício de pendores político-partidários da quase totalidade dos
veículos que se abrigam sob o manto da “grande mídia” brasileira. Os personagens
são parlamentares, dirigentes partidários, marqueteiros, burocratas da
administração federal e servidores públicos, dos mais aos menos graduados. As
tramas envolvem tentativas (frustradas) de impeachment do presidente Lula,
sessões de tiroteios verbais em Comissão Parlamentar de Inquérito e extenso
caudal de matérias publicadas na revista Veja e nos jornais Folha de
S.Paulo, O Estado de S.Paulo e O Globo. O cenário que
fica em nossa memória coletiva é o de suas últimas locações: o antes sóbrio
recinto do nosso Supremo Tribunal Federal.
Nunca houve um processo como o mensalão. Alvo de pressões da
grande imprensa, que tem feito caras e bocas ao longo de não menos de sete anos,
primeiro para provar a existência do processo em si mesmo, depois para influir
decisivamente na condenação máxima de suas dezenas de réus. Alvo de pressões de
ministros da Suprema Corte, usando-se para tanto os mais variados artifícios: da
suspeição de que ministros do STF foram nomeados com o intuito de – na hora
oportuna – exarar seu voto pela inocência dos réus ao vazamento de conversa
privada entre o ministro Gilmar Mendes, ex-advogado-geral da União na gestão
Fernando Henrique Cardoso, com o ex-presidente Lula, tendo como testemunha
Nelson Jobim, ele próprio ex-ministro do STF e ex-ministro da Defesa na gestão
Lula/Dilma Rousseff. Conversa esta que apresenta conformidade apenas quanto à
data, local e personagens presentes, mas cujas versões diferem completamente
quanto ao seu conteúdo: Lula e Nelson Jobim desmentem a versão de Mendes.
Dessa inconfidência do ministro Mendes, ficamos sabendo ainda
que o ex-presidente Lula lutava por influir na postergação da data do julgamento
do processo, e que faria contatos com os ministros do STF “mais chegados a ele”
para propor a prorrogação, além de haver emitido juízo de valor sobre o relator
do processo no Supremo, o ministro Joaquim Barbosa, que na versão de Mendes
seria visto por Lula como “um complexado”. Nessa reta final, o processo assume
ares de comédia.
Cortina de fumaça
Nunca houve um processo como o mensalão. Alvo de pressões
inéditas e bem pouco usuais partindo do presidente Corte, ministro Ayres Britto,
e recaindo sobre o ministro-revisor do processo, Ricardo Lewandowski. As
pressões se materializaram de maneiras diversas. Da decisão colegiada de como
seria realizado o julgamento e montado seu cronograma, a fazer com que o
trabalho do ministro Lewandowski obedecesse a esse cronograma. Isso, por si só,
já é prenúncio robusto de que o julgamento assume mais cores políticas e
partidárias do que judiciárias e... técnicas.
As pressões do presidente Ayres Britto chegaram ao ponto em que
sua advertência, por escrito, ao revisor Lewandowski foi levada primeiramente ao
conhecimento da grande imprensa e só depois ao do próprio ministro, situação
esta devidamente anotada pelo destinatário em sua resposta ao presidente da
Corte. As pressões para que Lewandowski desse por concluído seu voto de revisor
levaram em conta a possibilidade de o ministro Cezar Peluso vir a se aposentar,
ele que é visto pela cobertura midiática como “voto francamente favorável a
penas duras aos réus do mensalão”, como também “elogiado por sua brilhante
trajetória de juiz e refinados conhecimentos jurídicos”. No caso de o ministro
Peluso ser compulsoriamente aposentado (por razão de atingir a idade limite de
70 anos nos primeiros dias de setembro), e em havendo empate nos votos dos
magistrados, o voto faltante teria que ser necessariamente em favor da
absolvição dos réus.
Nunca houve um processo como o mensalão. Dificilmente na
história de nosso Supremo Tribunal Federal poderíamos encontrar um processo que
guarde alguma similitude com o clima, a ambiência, as pressões e a natureza do
presente processo. É público e notório que para a grande mídia o julgamento será
apenas pro forma, uma vez que em sua visão todos os réus já chegaram
condenados ao STF. A mídia prefere pugnar para que o julgamento seja
eminentemente político e não técnico, como seria de se esperar. Se, por um lado,
os julgadores não deveriam ser alvo de pressões por parte dos réus e sua legião
de defensores, quase sempre indevidas e espúrias em sua natureza, por outro, não
deveriam se sujeitar a receber pressão dos meios de comunicação. Estes buscam
lançar cortina de fumaça nos assuntos objeto de Comissão Parlamentar Mista de
Inquérito que investiga o esquema de corrupção do contraventor Carlos Cachoeira,
com tentáculos no Congresso Nacional (senador e deputados federais), no Poder
Executivo (governadores de Goiás e do Distrito Federal), em empreiteira de
grande porte (com sede no Rio de Janeiro e obras por todo o país), além de
empresas de comunicação (jornalista da Editora Abril).
É no contexto da teoria da “cortina de fumaça” que ao palco da
CPMI poderá ser convocado a depor o dono do grupo Abril, o empresário Roberto
Civita, e Policarpo Junior, experiente jornalista da revista semanal de
informação de maior tiragem no Brasil, a Veja. Jornalistas da revista
Época, do grupo Globo, poderiam ser também convocados.
A técnica e a política
Nunca houve um processo como o mensalão. Não é usual um único
processo arrolar 38 réus, envolvendo pessoas com e sem foro privilegiado, crimes
os mais diversos, alguns com indícios e evidências de culpabilidade, outros sem
um nem outro. Também não é usual que um processo nascido em ambiente político
conturbado tenha seu julgamento em pleno ano de eleições, em um tempo em que as
campanhas eleitorais são cada vez mais marcadas pela importância avassaladora
das imagens e dos áudios e, dessa forma, oferecendo farto material a ser usado
nos horários destinados à difusão de propaganda eleitoral e sempre tão valoradas
pelos embates partidários em sua eterna luta pelo poder.
Nunca houve um processo como o mensalão. Porque, seja qual for o
veredicto, a Suprema Corte terá sua credibilidade colocada em xeque. Se absolver
os réus, não faltarão vozes na grande imprensa para dizer que 8 dos 11
magistrados chegaram ao STF pelas mãos dos presidentes Lula e Dilma Rousseff e,
portanto, se sentiram impelidos moralmente a absolvê-los. Se condenar, não
faltarão vozes – na blogosfera principalmente – dando conta de que os ministros
do Supremo preferiram ficar bem com a grande mídia, fazendo o aspecto político
prevalecer sobre os critérios técnicos.
Definitivamente, o Supremo Tribunal Federal poderia ter evitado
boa parte do roteiro que ora se anuncia. E priorizar, acima de tudo, a defesa de
suas prerrogativas constitucionais como instância máxima da administração da
justiça no Brasil.
***
[Washington Araújo é jornalista e escritor; mantém o blog http://www.cidadaodomundo.org]
Fonte: Observatório da Imprensa
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