PICICA: "O negro em movimento pixa, golpeia e derruba os muros da
universidade, da fábrica, do fórum, da prisão, todos os velhos
monumentos civilizacionais. É FORÇA VIVA e SABER VIVO, sua consciência
um grito, os gestos uma faca apontada ao coração da vergonha branca e
embranquecedora. Dois negros no pódio de punhos cerrados, gritando. É
consciência dos corpos, e pensamento dançante, e que pensa ao dançar.
Neles, a negritude acontece, como a própria beatitude negra de um
universo em expansão."
Dia da consciência negra
A consciência negra é forte quando se põe em movimento. Quando se afirma diante do rosto cínico de uma sociedade que se recusa até a reconhecê-la como protagonista. Mas o negro existe. Insiste em existir. A afirmação do negro, o negro em movimento, e a MULHER NEGRA são potências de escalas míticas, ânimos que acontecem e transfiguram a nossa realidade. Essa latência subterrânea transborda de tempos em tempos, intempestiva e sem medida, como uma raiz agressiva por debaixo do cinza do cimento. Os quilombos se alastram desde há séculos pontilhando a jornada do Brasil Negro. Sempre se pôde ouvi-los cantar e segredar, murmúrios que se entrançam e se fortalecem — um inconsciente de povos. Condensações de palavras desconhecidas e entonações perdidas, a formar a espinha de um novo brasileiro. Os ex-escravos se põem em marcha em direção à meca de um povo porvir. O pulso pulsa apesar da infâmia da história e da política do Brasil. Continuam erigindo na capital de mármore branco o grande templo pagão, em que se entrevaram todas as crenças na cruz, nos comerciais de margarina e nos manuais de boas maneiras do colonizador.
Olorum se mexeu. É colar de contas que, despedaçado pela violência e o inaceitável do racismo, não cede a própria birra para outra vez mais se recompor e, contra o mar das escravidões, fazer de sua condição uma luta, de sua indignação uma reafirmação de ímpeto. A favela é usina e o negro é mundo — mundivivência das culturas de resistência, o funk batidão, o break, o hip hop, a poesia ritmada dos rueiros, o axé, o samba, o kuduro.
O negro em movimento pixa, golpeia e derruba os muros da universidade, da fábrica, do fórum, da prisão, todos os velhos monumentos civilizacionais. É FORÇA VIVA e SABER VIVO, sua consciência um grito, os gestos uma faca apontada ao coração da vergonha branca e embranquecedora. Dois negros no pódio de punhos cerrados, gritando. É consciência dos corpos, e pensamento dançante, e que pensa ao dançar. Neles, a negritude acontece, como a própria beatitude negra de um universo em expansão.
Com lança, cavalo e manto, corremos por esses campos, tomamos os arraiais e essas ilhas: o Haiti, a velha Lapa, o Harlem, Pinheirinho, Belo Monte, a Providência, a Vila Autódromo, as cotas raciais, o Prouni, o Reuni, a bolsa família. Agora não tem mais chororô — é tudo nosso. As águas subiram e a enchente não poupará ninguém: terror de quem resmunga e despreza do alto de colinas de conforto. Veio Zumbi — o novo homem em que me perdi e me perdendo me achei, violência e ternura, as cores destoadas, espadas em riste todas juntas. Quem vai com tudo não cansa: se espanta, e dança, e avança.
A negra dança e ri.
Fonte: Quadrado dos loucos
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