PICICA: "“Uma coisa é Kuhn se socorrer de uma epistemologia, uma filosofia da
linguagem e uma ontologia de cunho relativista para reconstruir a
ciência. Outra bem diferente é extraí-las do acompanhamento (histórico)
das práticas científicas”, enfatiza o professor do Departamento de
Filosofia da UFRJ, Alberto Oliva, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Segundo ele, faz toda diferença se o relativismo encontrável na obra de
Kuhn é fruto de posições filosóficas ou se está escorado na observação
(do evolver) da ciência. E completa, ao avaliar o livro de Kuhn que
comemora 50 anos de lançamento: “Além de se manter instigante, a obra A
estrutura das revoluções científicas continua a desafiar os que refletem
sobre a natureza da racionalidade científica a desenvolverem enfoques
sobre a ciência, em que suas diversas facetas apareçam em integração
sistêmico-funcional”.
[...]
Natureza do grupo científico
Ao
declarar que “tanto no desenvolvimento político quanto no científico, o
sentimento de funcionamento defeituoso que pode levar à crise é
pré-requisito para a revolução”, Kuhn (1970, p. 154) está defendendo
que, ao menos em termos funcionais, o científico e o político não se
distinguem. Se “o sentimento de funcionamento defeituoso” se manifesta
essencialmente do mesmo modo na ciência e na sociedade, deixa de ser
necessário diferenciar a justificação epistêmica da legitimação
política. Caracterizando sua “posição como intrinsecamente sociológica”,
Kuhn (1976b, p. 238) destaca que “seja o que for o progresso
científico, temos de explicá-lo examinando a natureza do grupo
científico, descobrindo suas valorações, o que tolera, o que desdenha”."
Thomas Kuhn, metaciência escorada na ciência real
O crucial, para Alberto Oliva, é determinar se as teses de Kuhn qualificáveis de relativistas resultam da aplicação de determinadas teorias filosóficas ao estudo da ciência ou se derivam de como a ciência vem sendo produzida
Por: Márcia Junges e Thamiris Magalhães
“Uma coisa é Kuhn se socorrer de uma epistemologia, uma filosofia da linguagem e uma ontologia de cunho relativista para reconstruir a ciência. Outra bem diferente é extraí-las do acompanhamento (histórico) das práticas científicas”, enfatiza o professor do Departamento de Filosofia da UFRJ, Alberto Oliva, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ele, faz toda diferença se o relativismo encontrável na obra de Kuhn é fruto de posições filosóficas ou se está escorado na observação (do evolver) da ciência. E completa, ao avaliar o livro de Kuhn que comemora 50 anos de lançamento: “Além de se manter instigante, a obra A estrutura das revoluções científicas continua a desafiar os que refletem sobre a natureza da racionalidade científica a desenvolverem enfoques sobre a ciência, em que suas diversas facetas apareçam em integração sistêmico-funcional”.
Alberto Oliva é graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ com mestrado em Comunicação pela mesma instituição. Também na UFRJ cursou doutorado em Filosofia, obtendo pós-doutorado pela Universidade de Siena, na Itália. É professor associado do Departamento de Filosofia da UFRJ e coordenador do Centro de Epistemologia e História da Ciência. Foi membro da equipe de consultores da Comissão de Avaliação da Capes na área da Filosofia. Tem várias obras publicadas, especialmente sobre Filosofia da Ciência, e artigos em revistas especializadas e em jornais. Seu principal campo de pesquisa tem sido a problemática da fundamentação do conhecimento em geral, e do científico em particular.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Passados 50 anos de seu lançamento, qual é a atualidade de A estrutura das revoluções científicas?
Alberto Oliva – A estrutura das revoluções científicas é a obra metacientífica até hoje mais lida. Vários são seus méritos. Sua grande novidade é a proposição de uma abordagem da ciência em que se tenta promover a articulação da dimensão epistemológica com a histórica e a sociológica. Pode-se discutir o quanto a empreitada “multidisciplinar” de Kuhn foi bem sucedida. Mas não se pode negar que se trata de uma metaciência que apreende com mais fidedignidade que as filosofias da ciência precedentes “a ciência tal qual praticada”. Além de se manter instigante, a obra continua a desafiar os que refletem sobre a natureza da racionalidade científica a desenvolverem enfoques sobre a ciência, em que suas diversas facetas apareçam em integração sistêmico-funcional.
IHU On-Line – Por que esta obra de Kuhn é apontada como relativista?
Alberto Oliva – Está longe de ser fácil justificar a caracterização de uma concepção ou de um pensador como relativista. Inexiste concordância tanto entre os defensores como entre os críticos sobre os traços distintivos do relativismo. Kuhn não se enxerga como relativista. Em vários momentos de sua trajetória acadêmica repeliu a aplicação do adjetivo ‘relativista’ à sua obra. Daí ser imperioso saber o que em sua obra dá ensejo a que se chegue a nela identificar relativismo extremo. Não há como negar que existem teses epistemológicas, ontológicas e semânticas na obra de Kuhn justificadamente classificáveis de relativistas. Sendo esse o caso, importa saber por que Kuhn não concorda com tal avaliação.
IHU On-Line – Tal rotulação é adequada? Por quê?
Alberto Oliva – A questão fundamental não é saber se a rotulação é ou não apropriada. O crucial é determinar se as teses de Kuhn qualificáveis de relativistas resultam da aplicação de determinadas teorias filosóficas ao estudo da ciência ou se derivam de como a ciência vem sendo produzida. Uma coisa é Kuhn se socorrer de uma epistemologia, uma filosofia da linguagem e uma ontologia de cunho relativista para reconstruir a ciência. Outra bem diferente é extraí-las do acompanhamento (histórico) das práticas científicas. Faz toda diferença se o relativismo encontrável na obra de Kuhn é fruto de posições filosóficas ou se está escorado na observação (do evolver) da ciência. Acredito que Kuhn rejeita o rótulo de relativista por estar convencido de que sua metaciência está escorada na ciência real.
IHU On-Line – Em que medida a distinção entre relativismo aplicado e relativismo derivado ajuda a compreender essa classificação?
Alberto Oliva – Pensamos que, para que se possa avaliar de modo criterioso e judicioso as críticas dirigidas a Kuhn, é importante introduzir a distinção entre relativismo aplicado e relativismo derivado. Caso o relativismo retrate como a ciência tem sido praticada – configurando-se como um relativismo derivado – deixam de se justificar os ataques mais comuns a Kuhn. Os críticos tendem a dar como demonstrado que os três relativismos – o epistêmico, o ontológico e o linguístico – detectáveis em Kuhn resultam da aplicação de uma filosofia na reconstrução da ciência. Pensam assim porque, se o relativismo kuhniano for uma metaciência respaldada na história da ciência, muitas das críticas que assacam contra ele são, em última análise, contra a própria ciência.
IHU On-Line – O senhor afirma que “faz toda diferença se o relativismo encontrável na obra de Kuhn é fruto de posições filosóficas ou se está escorado na observação (do evolver) da ciência”. Como podemos compreender essa constatação?
Alberto Oliva – Se a metaciência de Kuhn for essencialmente fruto da aplicação de uma filosofia relativista, a ciência pode ser estruturalmente contestada por argumentos desenvolvidos por visões filosóficas alternativas. No caso de derivar de como a ciência tem sido (historicamente) praticada, o relativismo kuhniano não merece a maioria das críticas candentes, principalmente de cunho filosófico, que tem recebido.
IHU On-Line – Em que medida suas teses relativistas encontram sustentação nos modos como a ciência tem sido historicamente produzida?
Alberto Oliva – Essa é a grande dificuldade que se enfrenta quando se tenta fazer a avaliação da obra de Kuhn. Mesmo quando se pretendem essencialmente descritivas, as diferentes filosofias da ciência não chegam a um acordo a respeito de como a ciência é de facto produzida. Ainda que se reconheça que existe a normal science tal qual descrita por Kuhn, é grande a resistência, tanto entre filósofos como entre cientistas, às seguintes teses relativistas encontráveis em Kuhn:
1) os métodos de investigação da ciência são relativos a esquemas conceituais, molduras teóricas ou paradigmas; a evidência subdetermina a escolha de teoria na medida em que qualquer teoria pode ser racionalmente retida à luz da evidência disponível ou concebível;
2) o que se toma por existente – objetos, fatos, entidades etc. – é identificado por um modelo teórico, um esquema conceitual, um paradigma etc.;
3) o significado dos mesmos termos, sejam teóricos ou observacionais, varia quando usados em diferentes teorias; o esquema conceitual não tem como se tornar inteligível na linguagem de um rival.
IHU On-Line – É correto afirmar que a noção kuhniana de revolução científica fica atrelada ao relativismo histórico? Por quê?
Alberto Oliva é graduado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ com mestrado em Comunicação pela mesma instituição. Também na UFRJ cursou doutorado em Filosofia, obtendo pós-doutorado pela Universidade de Siena, na Itália. É professor associado do Departamento de Filosofia da UFRJ e coordenador do Centro de Epistemologia e História da Ciência. Foi membro da equipe de consultores da Comissão de Avaliação da Capes na área da Filosofia. Tem várias obras publicadas, especialmente sobre Filosofia da Ciência, e artigos em revistas especializadas e em jornais. Seu principal campo de pesquisa tem sido a problemática da fundamentação do conhecimento em geral, e do científico em particular.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Passados 50 anos de seu lançamento, qual é a atualidade de A estrutura das revoluções científicas?
Alberto Oliva – A estrutura das revoluções científicas é a obra metacientífica até hoje mais lida. Vários são seus méritos. Sua grande novidade é a proposição de uma abordagem da ciência em que se tenta promover a articulação da dimensão epistemológica com a histórica e a sociológica. Pode-se discutir o quanto a empreitada “multidisciplinar” de Kuhn foi bem sucedida. Mas não se pode negar que se trata de uma metaciência que apreende com mais fidedignidade que as filosofias da ciência precedentes “a ciência tal qual praticada”. Além de se manter instigante, a obra continua a desafiar os que refletem sobre a natureza da racionalidade científica a desenvolverem enfoques sobre a ciência, em que suas diversas facetas apareçam em integração sistêmico-funcional.
IHU On-Line – Por que esta obra de Kuhn é apontada como relativista?
Alberto Oliva – Está longe de ser fácil justificar a caracterização de uma concepção ou de um pensador como relativista. Inexiste concordância tanto entre os defensores como entre os críticos sobre os traços distintivos do relativismo. Kuhn não se enxerga como relativista. Em vários momentos de sua trajetória acadêmica repeliu a aplicação do adjetivo ‘relativista’ à sua obra. Daí ser imperioso saber o que em sua obra dá ensejo a que se chegue a nela identificar relativismo extremo. Não há como negar que existem teses epistemológicas, ontológicas e semânticas na obra de Kuhn justificadamente classificáveis de relativistas. Sendo esse o caso, importa saber por que Kuhn não concorda com tal avaliação.
IHU On-Line – Tal rotulação é adequada? Por quê?
Alberto Oliva – A questão fundamental não é saber se a rotulação é ou não apropriada. O crucial é determinar se as teses de Kuhn qualificáveis de relativistas resultam da aplicação de determinadas teorias filosóficas ao estudo da ciência ou se derivam de como a ciência vem sendo produzida. Uma coisa é Kuhn se socorrer de uma epistemologia, uma filosofia da linguagem e uma ontologia de cunho relativista para reconstruir a ciência. Outra bem diferente é extraí-las do acompanhamento (histórico) das práticas científicas. Faz toda diferença se o relativismo encontrável na obra de Kuhn é fruto de posições filosóficas ou se está escorado na observação (do evolver) da ciência. Acredito que Kuhn rejeita o rótulo de relativista por estar convencido de que sua metaciência está escorada na ciência real.
IHU On-Line – Em que medida a distinção entre relativismo aplicado e relativismo derivado ajuda a compreender essa classificação?
Alberto Oliva – Pensamos que, para que se possa avaliar de modo criterioso e judicioso as críticas dirigidas a Kuhn, é importante introduzir a distinção entre relativismo aplicado e relativismo derivado. Caso o relativismo retrate como a ciência tem sido praticada – configurando-se como um relativismo derivado – deixam de se justificar os ataques mais comuns a Kuhn. Os críticos tendem a dar como demonstrado que os três relativismos – o epistêmico, o ontológico e o linguístico – detectáveis em Kuhn resultam da aplicação de uma filosofia na reconstrução da ciência. Pensam assim porque, se o relativismo kuhniano for uma metaciência respaldada na história da ciência, muitas das críticas que assacam contra ele são, em última análise, contra a própria ciência.
IHU On-Line – O senhor afirma que “faz toda diferença se o relativismo encontrável na obra de Kuhn é fruto de posições filosóficas ou se está escorado na observação (do evolver) da ciência”. Como podemos compreender essa constatação?
Alberto Oliva – Se a metaciência de Kuhn for essencialmente fruto da aplicação de uma filosofia relativista, a ciência pode ser estruturalmente contestada por argumentos desenvolvidos por visões filosóficas alternativas. No caso de derivar de como a ciência tem sido (historicamente) praticada, o relativismo kuhniano não merece a maioria das críticas candentes, principalmente de cunho filosófico, que tem recebido.
IHU On-Line – Em que medida suas teses relativistas encontram sustentação nos modos como a ciência tem sido historicamente produzida?
Alberto Oliva – Essa é a grande dificuldade que se enfrenta quando se tenta fazer a avaliação da obra de Kuhn. Mesmo quando se pretendem essencialmente descritivas, as diferentes filosofias da ciência não chegam a um acordo a respeito de como a ciência é de facto produzida. Ainda que se reconheça que existe a normal science tal qual descrita por Kuhn, é grande a resistência, tanto entre filósofos como entre cientistas, às seguintes teses relativistas encontráveis em Kuhn:
1) os métodos de investigação da ciência são relativos a esquemas conceituais, molduras teóricas ou paradigmas; a evidência subdetermina a escolha de teoria na medida em que qualquer teoria pode ser racionalmente retida à luz da evidência disponível ou concebível;
2) o que se toma por existente – objetos, fatos, entidades etc. – é identificado por um modelo teórico, um esquema conceitual, um paradigma etc.;
3) o significado dos mesmos termos, sejam teóricos ou observacionais, varia quando usados em diferentes teorias; o esquema conceitual não tem como se tornar inteligível na linguagem de um rival.
IHU On-Line – É correto afirmar que a noção kuhniana de revolução científica fica atrelada ao relativismo histórico? Por quê?
Alberto Oliva – Não sendo uma teoria substituída por outra por se mostrar falsa, ou ao menos por encerrar menor conteúdo de verdade, a revolução deixa de ser primacialmente produto da ação metodológica de refutar para se tornar um processo psicossocial de conversão a um novo modo de ver, a uma nova forma de vida. Nos casos de revolução científica, os cânones que definem com base em que deve se dar a aceitação de teorias científicas, e até mesmo o que conta como uma explicação científica, passam por mudanças abruptas que se assemelham a conversões.
Aplicação de posições filosóficas à ciência
Para Arbib & Hesse (1986, p. 20), o relativismo de Kuhn é, antes de tudo, aplicação de posições filosóficas à ciência: “a revolução kuhniana na filosofia da ciência adotou a noção wittgensteiniana de ‘jogos de linguagem’: as teorias científicas passam a ser vistas como paradigmas ou visões de mundo internamente consistentes de tal forma que o significado, a interpretação da evidência e os critérios de aceitabilidade são internos com relações apenas indiretas com os dados brutos”.
Relativismo em evidência
Não há como deixar de ver relativismo quando Kuhn assim caracteriza revolução:
1) “quando mudam os paradigmas, muda com eles o próprio mundo”;
2) “as mudanças de paradigma levam os cientistas a ver o mundo de maneira diferente”;
3) “durante as revoluções, os cientistas veem coisas novas e diferentes quando, utilizando instrumentos familiares, olham para os mesmos pontos já examinados”;
4) “membros de diferentes comunidades científicas vivem em mundos diferentes e as revoluções mudam o mundo em que o cientista trabalha”;
5) “membros de diferentes comunidades identificam diferentes dados a partir dos mesmos estímulos”.
IHU On-Line – Como podemos compreender que Kuhn tente estabelecer “paralelos entre as revoluções político-sociais e as científicas sem contar com uma teoria capaz de explicar o que as torna funcionalmente semelhantes”?
Alberto Oliva – Afirma Kuhn em The road since structure (2000, p. 118) que “ao se basear em observações do registro histórico a filosofia da ciência histórica minou os pilares, sem substituí-los por outros, em que se acreditava estar assentada a autoridade do conhecimento científico”.
Para Kuhn, esses pilares são:
1) fatos são anteriores às crenças, independentes delas, e se prestam a prover evidências para elas;
2) o que emerge das práticas científicas são verdades, verdades prováveis, ou aproximações à verdade, sobre um mundo externo independente da mente e da cultura. Quando Kuhn, em The structure of scientific revolutions (1970, p. 156), reconstrói as grandes mudanças científicas estabelecendo paralelos com as grandes transformações político-sociais – “assim como nas revoluções políticas, na escolha de paradigma não há padrão que se coloque acima do assentimento da comunidade relevante” – e atrela a reconstrução metacientífica à explicação psicossocial. O problema é que sem o apoio de teorias sociais com efetivo poder explicativo não tem como ser sólida a defesa de teses kuhnianas como a seguinte: “para se descobrir como as revoluções científicas ocorrem, temos de examinar não apenas o impacto da natureza e da lógica, mas também as técnicas de argumentação persuasiva que se mostram efetivas no âmbito dos grupos muito especiais que constituem a comunidade dos cientistas”.
Natureza do grupo científico
Ao declarar que “tanto no desenvolvimento político quanto no científico, o sentimento de funcionamento defeituoso que pode levar à crise é pré-requisito para a revolução”, Kuhn (1970, p. 154) está defendendo que, ao menos em termos funcionais, o científico e o político não se distinguem. Se “o sentimento de funcionamento defeituoso” se manifesta essencialmente do mesmo modo na ciência e na sociedade, deixa de ser necessário diferenciar a justificação epistêmica da legitimação política. Caracterizando sua “posição como intrinsecamente sociológica”, Kuhn (1976b, p. 238) destaca que “seja o que for o progresso científico, temos de explicá-lo examinando a natureza do grupo científico, descobrindo suas valorações, o que tolera, o que desdenha”.
Relativismo kuhniano
Kuhn (1976a, p. 21) é ainda mais enfático quando declara que “já devia ter ficado claro que a explicação, na fase final, precisa ser psicológica ou sociológica, isto é, precisa ser uma descrição de um sistema de valores, de uma ideologia, juntamente com uma análise das instituições através das quais o sistema é transmitido e inculcado”. Nesse caso, o relativismo kuhniano precisa contar, para se mostrar metacientificamente defensável, com teorias psicológicas e sociológicas com efetiva capacidade explicativa. Sem o apoio delas, Kuhn não tem como especificar os respectivos pesos das razões epistêmicas e dos fatores sociais na decisão do cientista de aceitar: (1) um novo esquema conceitual, (2) um novo campo de dados observacionais, (3) uma agenda diferente de problemas, (4) diferentes padrões de avaliação de teorias, e (5) uma nova forma de encarar a “realidade”.
Arbib, M. & Hesse, M. (1986) The Construction of Reality. Cambridge. Cambridge University Press.
Kuhn, T. (1970) The Structure of Scientific Revolutions. In:Neurath, Otto, Carnap, Rudolf & Morris, Charles (eds.). Foundations of the Unity of Science. Vol. II. Chicago. The University of Chicago Press.
Kuhn, T. (1976a) ‘Logic of Discovery or Psychology of Research?’ In: Lakatos, I. & Musgrave, A. (orgs.) Criticism and the Growth of Knowledge. Londres. Cambridge University Press.
Kuhn, T. (1976b) “Reflections on my Critics”. In: Lakatos, I. & Musgrave, A. (orgs.) Criticism and the Growth of Knowledge. Cambridge University Press.
Kuhn, T. (2000) The Road since Structure. Chicago. University of Chicago Press.
Aplicação de posições filosóficas à ciência
Para Arbib & Hesse (1986, p. 20), o relativismo de Kuhn é, antes de tudo, aplicação de posições filosóficas à ciência: “a revolução kuhniana na filosofia da ciência adotou a noção wittgensteiniana de ‘jogos de linguagem’: as teorias científicas passam a ser vistas como paradigmas ou visões de mundo internamente consistentes de tal forma que o significado, a interpretação da evidência e os critérios de aceitabilidade são internos com relações apenas indiretas com os dados brutos”.
Relativismo em evidência
Não há como deixar de ver relativismo quando Kuhn assim caracteriza revolução:
1) “quando mudam os paradigmas, muda com eles o próprio mundo”;
2) “as mudanças de paradigma levam os cientistas a ver o mundo de maneira diferente”;
3) “durante as revoluções, os cientistas veem coisas novas e diferentes quando, utilizando instrumentos familiares, olham para os mesmos pontos já examinados”;
4) “membros de diferentes comunidades científicas vivem em mundos diferentes e as revoluções mudam o mundo em que o cientista trabalha”;
5) “membros de diferentes comunidades identificam diferentes dados a partir dos mesmos estímulos”.
IHU On-Line – Como podemos compreender que Kuhn tente estabelecer “paralelos entre as revoluções político-sociais e as científicas sem contar com uma teoria capaz de explicar o que as torna funcionalmente semelhantes”?
Alberto Oliva – Afirma Kuhn em The road since structure (2000, p. 118) que “ao se basear em observações do registro histórico a filosofia da ciência histórica minou os pilares, sem substituí-los por outros, em que se acreditava estar assentada a autoridade do conhecimento científico”.
Para Kuhn, esses pilares são:
1) fatos são anteriores às crenças, independentes delas, e se prestam a prover evidências para elas;
2) o que emerge das práticas científicas são verdades, verdades prováveis, ou aproximações à verdade, sobre um mundo externo independente da mente e da cultura. Quando Kuhn, em The structure of scientific revolutions (1970, p. 156), reconstrói as grandes mudanças científicas estabelecendo paralelos com as grandes transformações político-sociais – “assim como nas revoluções políticas, na escolha de paradigma não há padrão que se coloque acima do assentimento da comunidade relevante” – e atrela a reconstrução metacientífica à explicação psicossocial. O problema é que sem o apoio de teorias sociais com efetivo poder explicativo não tem como ser sólida a defesa de teses kuhnianas como a seguinte: “para se descobrir como as revoluções científicas ocorrem, temos de examinar não apenas o impacto da natureza e da lógica, mas também as técnicas de argumentação persuasiva que se mostram efetivas no âmbito dos grupos muito especiais que constituem a comunidade dos cientistas”.
Natureza do grupo científico
Ao declarar que “tanto no desenvolvimento político quanto no científico, o sentimento de funcionamento defeituoso que pode levar à crise é pré-requisito para a revolução”, Kuhn (1970, p. 154) está defendendo que, ao menos em termos funcionais, o científico e o político não se distinguem. Se “o sentimento de funcionamento defeituoso” se manifesta essencialmente do mesmo modo na ciência e na sociedade, deixa de ser necessário diferenciar a justificação epistêmica da legitimação política. Caracterizando sua “posição como intrinsecamente sociológica”, Kuhn (1976b, p. 238) destaca que “seja o que for o progresso científico, temos de explicá-lo examinando a natureza do grupo científico, descobrindo suas valorações, o que tolera, o que desdenha”.
Relativismo kuhniano
Kuhn (1976a, p. 21) é ainda mais enfático quando declara que “já devia ter ficado claro que a explicação, na fase final, precisa ser psicológica ou sociológica, isto é, precisa ser uma descrição de um sistema de valores, de uma ideologia, juntamente com uma análise das instituições através das quais o sistema é transmitido e inculcado”. Nesse caso, o relativismo kuhniano precisa contar, para se mostrar metacientificamente defensável, com teorias psicológicas e sociológicas com efetiva capacidade explicativa. Sem o apoio delas, Kuhn não tem como especificar os respectivos pesos das razões epistêmicas e dos fatores sociais na decisão do cientista de aceitar: (1) um novo esquema conceitual, (2) um novo campo de dados observacionais, (3) uma agenda diferente de problemas, (4) diferentes padrões de avaliação de teorias, e (5) uma nova forma de encarar a “realidade”.
Arbib, M. & Hesse, M. (1986) The Construction of Reality. Cambridge. Cambridge University Press.
Kuhn, T. (1970) The Structure of Scientific Revolutions. In:Neurath, Otto, Carnap, Rudolf & Morris, Charles (eds.). Foundations of the Unity of Science. Vol. II. Chicago. The University of Chicago Press.
Kuhn, T. (1976a) ‘Logic of Discovery or Psychology of Research?’ In: Lakatos, I. & Musgrave, A. (orgs.) Criticism and the Growth of Knowledge. Londres. Cambridge University Press.
Kuhn, T. (1976b) “Reflections on my Critics”. In: Lakatos, I. & Musgrave, A. (orgs.) Criticism and the Growth of Knowledge. Cambridge University Press.
Kuhn, T. (2000) The Road since Structure. Chicago. University of Chicago Press.
Saiba mais...
Há 50 anos, a editora da Universidade de Chicago lançou um dos livros mais influentes do século XX: A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas Kuhn. No site do Instituto Humanitas Unisinos – IHU há mais material complementar: O paradigma: Teoria sobre revoluções científicas faz 50 anos, disponível em http://bit.ly/RG7cK6.
Fonte: IHU On-line
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