novembro 29, 2012

"Direitos das minorias sexuais, uma luta mundial", por Gabriel Girard, Daniela Rojas Castro

PICICA: "A partir do fim dos anos 1990, os movimentos LGBT se inscreveram majoritariamente em uma perspectiva baseada na noção de igualdade de direitos entre casais homossexuais e heterossexuais. Logo depois da Holanda (2001), os países escandinavos adaptaram progressivamente sua legislação nesse sentido. Espanha (em 2005) e Portugal (em 2006) autorizaram o casamento e a adoção. África do Sul e Canadá (em 2005), depois Argentina (em 2010), votaram por sua vez legislações igualitárias, assim como alguns estados do Brasil (Alagoas), do México (Distrito Federal, Quintana Roo) e dos Estados Unidos (Connecticut, Iowa, Massachusetts, New Hampshire, Nova York, Washington, Washington DC e Maryland). Por fim, em quase vinte países a homofobia constitui um fator agravante para um crime." 


LÉSBICAS, GAYS, BISSEXUAIS E TRANS
Direitos das minorias sexuais, uma luta mundial

Promessa de campanha de François Hollande, a lei que autoriza o casamento de pessoas do mesmo sexo deve ser votada em janeiro. Enquanto um número crescente de Estados – em particular na Europa e na América Latina – avança na igualdade de direitos, outros continuam punindo a homossexualidade com prisão ou pena de morte  

por Gabriel Girard, Daniela Rojas Castro 
 


No momento em que a França debate o casamento homossexual e a Argentina promulga uma lei autorizando a mudança de sexo, a melhoria nas condições de existência de pessoas lésbicas, gays, bi e trans (LGBT)1 é incontestável. Agora parece distante o tempo em que essaspreferências sexuais eram motivo para uma “lei sobre a periculosidade e a reabilitação social” (Ley de Peligrosidad y Rehabilitación Social), como na Espanha, ou eram vigiadas pelo “grupo de controle de homossexuais da delegacia de polícia de Paris” – a primeira foi abolida em 1979, o segundo, em 1981. Mas a evolução é ainda mais contrastante do que parece. As desigualdades e discriminações fundadas na orientação sexual perduram: em dezenas de países, a repressão do Estado e as violências, frequentemente ligadas a fundamentalistas religiosos, condenam as pessoas LGBT à clandestinidade.
No início dos anos 1980, na maioria dos países ocidentais, as reivindicações LGBT focavam as questões de reconhecimento social e legal. No contexto da epidemia nascente da aids, enquanto as mortes se multiplicavam, a falta de direitos dos parceiros de mesmo sexo criava situações dramáticas, posto que o sobrevivente não tinha nenhuma existência jurídica. As primeiras leis tratando dos casais homossexuais foram instauradas na Europa do Norte (Dinamarca, Noruega, Islândia e Suécia) no início dos anos 1990. Essa onda de obtenção de direitos, que é bem ilustrada pelo Pacto Civil de Solidariedade Francês (o Pacs, votado em 1999), procedeu de uma iniciativa – apoiada pelos partidos social-democratas – que unia tolerância e reconhecimento social, e cuja lógica política era em primeiro lugar a da diferenciação: as uniões dos casais de mesmo sexo não davam acesso aos mesmos direitos que o casamento, principalmente no que dizia respeito à paternidade e adoção.2 Mas esses primeiros avanços abriram novos horizontes reivindicativos.

A partir do fim dos anos 1990, os movimentos LGBT se inscreveram majoritariamente em uma perspectiva baseada na noção de igualdade de direitos entre casais homossexuais e heterossexuais. Logo depois da Holanda (2001), os países escandinavos adaptaram progressivamente sua legislação nesse sentido. Espanha (em 2005) e Portugal (em 2006) autorizaram o casamento e a adoção. África do Sul e Canadá (em 2005), depois Argentina (em 2010), votaram por sua vez legislações igualitárias, assim como alguns estados do Brasil (Alagoas), do México (Distrito Federal, Quintana Roo) e dos Estados Unidos (Connecticut, Iowa, Massachusetts, New Hampshire, Nova York, Washington, Washington DC e Maryland). Por fim, em quase vinte países a homofobia constitui um fator agravante para um crime.

Repressão oficial e reprovação social

Analisar esses avanços legais como resultado de uma lenta, mas profunda, evolução das mentalidades revela-se, no entanto, uma leitura errônea. As resistências permanecem fortes; são atestado disso a posição da Igreja Católica francesa ou espanhola sobre o casamento homossexual, ou, nos Estados Unidos, a assinatura, pelo candidato republicano à presidência, Mitt Romney, do Federal Marriage Amendment, que visa limitar o casamento aos casais heterossexuais. E as violências verbais e físicas continuam a marcar o cotidiano de muitas pessoas LGBT.

Além do mais, o reconhecimento de seus direitos está longe de ser conquistado e universal. As relações entre pessoas do mesmo sexo continuam sendo ilegais em 78 países, onde elas podem ser punidas com prisão ou até a morte. E, independentemente da rigidez das legislações, as práticas homossexuais constituem alvos privilegiados pelos regimes políticos e correntes religiosas desejosos de impor uma forma de autoridade “moral”. Muitos países da África e do Oriente Médio se caracterizam pela acentuação, ao longo da última década, de uma homofobia virulenta e por vezes assassina, particularmente dirigida por correntes fundamentalistas do islã. Assim, na Arábia Saudita, no Irã, no Iêmen, na Nigéria, no Sudão, no Afeganistão e na Mauritânia, os atos homossexuais continuam sendo passíveis de pena de morte. Três homens foram decapitados na Arábia Saudita em 2002. No Irã, dois adolescentes foram executados em julho de 2005, e um terceiro, condenado em 2010, deve sua salvação a uma mobilização internacional. No Iraque, mesmo com a homossexualidade legalizada, milícias islamitas armadas massacraram diversas centenas de pessoas desde 2004.3 Mas as outras religiões não ficam atrás. Em Uganda, os pastores evangélicos (principalmente a Igreja Born Again) se indignaram com a “indulgência” de uma legislação que prevê prisão perpétua para qualquer pessoa acusada de ato homossexual: eles militam para substituí-la pela pena de morte.

Nesse contexto, as pessoas LGBT estão condenadas à clandestinidade, com o medo do estigma levando até mesmo suas famílias a reprimi-las ou denunciá-las. As mobilizações locais continuam sendo arriscadas: as intimidações e violências contra os militantes são frequentes, quando estes não são simplesmente assassinados.4 As redes de solidariedade que se desenvolvem via internet continuam sendo frágeis, já que a denúncia e a repressão da homossexualidade estão comumente ligadas a uma desconfiança com relação a valores considerados “ocidentais”. Em Camarões, no início de 2011, foi sob esse pretexto que o governo denunciou a participação financeira da União Europeia em programas de apoio aos direitos das minorias sexuais. Recentemente, em Uganda, diversas ONGs internacionais, acusadas de “recrutar homossexuais” entre os jovens ugandenses, foram proibidas de entrar no país.

Às discriminações legais que atingem os grupos de “sexualidade desprezada”,5 se acrescentam as que se referem à saúde. Os dados sobre infecção pelo vírus HIV deixam clara essa vulnerabilidade específica. Por exemplo, na América Latina e no Caribe, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que: “Mesmo que o prevalecimento do HIV seja inferior a 1% entre a população geral na maioria dos países da região, ele é, por vezes, entre cinco e vinte vezes mais elevado nos homens que têm relações sexuais com homens (HSH).6 A estigmatização e a discriminação associadas à homofobia alimentam a epidemia”.7 Em escala internacional, uma grande maioria de HSH permanece de fora dos programas de prevenção à aids.8 Diante da estigmatização, da violência e das legislações que penalizam a homossexualidade, eles preferem frequentemente renunciar aos cuidados para não correr o risco de que sua sexualidade seja revelada para a família, a comunidade ou denunciada às autoridades. Por isso é muito difícil estabelecer dados precisos da epidemia entre os HSH em muitos países da África do Oeste. Em outros lugares, como na Rússia, a negação do poder público a respeito da epidemia contribui diretamente para o cálculo aproximativo dos números e enfraquece os dispositivos de prevenção e cuidados.

No entanto, mesmo quando existem estruturas de saúde e as pessoas LGBT têm acesso aos serviços, elas enfrentam a ignorância e os preconceitos do corpo médico. Assim, tal profissional não pedirá um teste de HIV sob o pretexto de seu paciente “não parece ser homossexual” ou “ser casado”. Um de seus colegas vai soltar uma “piada” de mau gosto sobre “as bichas”. Outros tentarão se livrar deles, como alguns dentistas fazem com pessoas soropositivas (espera interminável, medidas de segurança ostensivas...). As lésbicas não escapam a essas desigualdades de tratamento. Por causa de discriminações vividas ou antecipadas, a fraca recorrência a exames ginecológicos tem consequências diretas sobre o aumento das infecções sexualmente transmissíveis, como o vírus do papiloma humano (HPV), ou de alguns cânceres. Quanto à transidentidade, ela continua sendo considerada uma doença mental e figura ainda com esse título nos referenciais médicos que representam a autoridade em escala internacional, tais como o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM, Manual diagnóstico e estatístico dos problemas mentais).

No final dos anos 1990, o surgimento nos Estados Unidos de uma mobilização a respeito da “saúde gay” (ou “saúde LGBT”) marcou a renovação de uma reflexão crítica sobre os objetivos dos cuidados médicos.9 Se só diz respeito, por enquanto, a uma fatia limitada da população, majoritariamente masculina, branca, financeiramente estável e urbana, pelo menos, seu mérito foi renovar relações com uma história de ação coletiva e comunitária. Na aurora do feminismo, os movimentos de emancipação gays e lésbicos pós-1968 marcaram o início de novas formas de luta, baseadas na visibilidade e na politização do íntimo, que questionavam o conjunto da esquerda. Nascidos nos Estados Unidos, os grupos de libertação homossexual apareceram em toda a Europa: na Inglaterra, com o Gay Liberation Front (Frente de Libertação Gay); na França, com o Front Homosexuel d’Action Révolucionnaire (FHAR, Frente Homossexual de Ação Revolucionária)10 etc. Ao longo dos anos 1980, assim como outros movimentos sociais, eles progressivamente se transformaram e se institucionalizaram.

A Europa ocidental foi, no entanto, palco de diversas evoluções. Na França, o fim da penalização da homossexualidade, com a chegada da esquerda ao poder, em 1981, contribuiu para o fôlego do movimento. Em outros países, os governos conservadores no poder tomaram medidas anti-homossexuais. No Reino Unido, a Section 28, votada em 1988, proibia, por exemplo, evocar a homossexualidade nas escolas. Nos Estados Unidos, os mandatos de Ronald Reagan (1980-1988) foram marcados por uma reação moral e política particularmente prejudicial à luta contra a aids.

Quarenta anos de militância

Em todo caso, as reivindicações evoluíram, passando da contestação das normas heterossexuais e patriarcais à demanda por direitos e reformas compatíveis com essas normas. De maneira concomitante, a irrupção do HIV/aids pesou muito sobre a reorientação da estruturação dos combates homossexuais. Desde o início dos anos 1980, a luta contra a epidemia constituiu um ponto central de reorganização das lutas gays, em estruturas como Terrence Higgins Trust na Inglaterra (1982), Gay Men Health Crisis (1982) nos Estados Unidos ou Aides (1984) na França. A criação da associação Act Up – em 1987 em Nova York e em 1989 em Paris – simbolizou essa revolta dos doentes saídos da comunidade gay. A evolução da militância homossexual foi acompanhada por uma multiplicação de grupos associativos organizados em torno da luta contra as discriminações e pela convivialidade: clubes esportivos (European Gay and Lesbian Sport Federation) e associações profissionais (como o Sindicato Nacional das Empresas Gays), centros comunitários nas grandes cidades, associações de jovens ou estudantes etc. O indicativo identitário – ser gay ou lésbica – ganhou espaço em uma leitura em termos de opressão sexual.

A internacionalização das lutas constitui uma das evoluções maiores dos movimentos LGBT contemporâneos. Deixemos claro: desde os anos 1970, as circulações militantes e teóricas são numerosas entre ativistas homossexuais. As revoltas de Stonewall, em Nova York, em junho de 1969, se tornaram uma referência mundial para os movimentos de emancipação; as “paradas do orgulho” comemoram, inclusive, a cada ano, esse acontecimento. Mas, ao longo da última década, o apoio às vítimas da homofobia se tornou um tema maior de mobilização, acompanhando o surgimento de movimentos de emancipação em países onde a repressão proibia a afirmação dos LGBT. Essa solidariedade obteve sucessos notáveis perante a homofobia de Estado – como em Senegal, onde a pressão internacional permitiu em 2009 a libertação de militantes da luta contra a aids. Essas campanhas também permitiram tornar visíveis situações de repressão inaceitáveis, como as violências e a repressão às quais são confrontadas as paradas do orgulho em Belgrado ou Moscou, ou ainda denunciar um projeto de lei homofóbica na Ucrânia. Elas também tecem redes de apoio indispensáveis para iniciativas de pedido de asilo e imigração, quando algumas pessoas precisam deixar seu país.

Ao mesmo tempo, a luta contra a homofobia pode ser instrumentalizada politicamente, como atestam as controvérsias recentes sobre o “homonacionalismo”.11 Forjado como um conceito crítico, ele descreve o movimento que, ao longo dos anos 2000, conduziu algumas parcelas do movimento LGBT dos países do Norte a designar os imigrantes, e em primeiro lugar os “muçulmanos”, como a nova figura ameaçadora para os modos de vida gays e lésbicos. As preocupações legítimas com relação às perseguições de certos governos e à homofobia de setores reacionários do islã se misturam aqui a um combate “civilizacional”. Na Holanda, a figura de Pim Fortuyn, homossexual assumido e político de extrema direita assassinado em 2002, resume até o ponto da caricatura essa tendência. A fronteira traçada entre o “progressismo” dos países ocidentais e o “obscurantismo” dos outros desaparece, no entanto, quando sabemos que os primeiros recusam ou restringem o direito de asilo para as pessoas perseguidas devido à sua orientação sexual nos segundos...

A globalização das preocupações quanto à situação das pessoas LGBT é simbolizada pela adoção de uma resolução internacional específica em Yogyakarta (Indonésia) em 2007.12 Elaborada por especialistas em direitos humanos, essa declaração de princípio visa mobilizar as instituições internacionais a fim de obter a proibição das discriminações fundadas na orientação sexual e na identidade de gênero. O texto obteve o apoio de 54 países durante sua apresentação na ONU, no dia 26 de março de 2007. Atualmente estão em andamento procedimentos para tornar possível a adoção pela ONU de uma resolução sobre os “direitos do homem, a orientação sexual e a identidade de gênero”.

No entanto, a situação dos movimentos reivindicativos é caracterizada pela heterogeneidade e a dispersão. No plano institucional, grupos de pressão centrados nos direitos humanos, tais como a International LGBT Association (ILGA), desenvolvem um trabalho de lobby em nível institucional e estatal. Esses grupos constituem uma força considerável para o desenvolvimento de campanhas de solidariedade, mas permanecem cheios de ambiguidades. Na sua perspectiva, a reivindicação de direitos participa na verdade de uma estratégia de reconhecimento identitário que deixa amplamente claros os objetivos de classe, gênero e raça que fraturam as comunidades LGBT.

Diversos fronts

Além do mais, essa identidade continua sendo em grande parte forjada pelas referências e pelo mercado ocidentais. Os filmes, as revistas, os sites e o turismo participam da difusão de ícones identitários e sexuais. No entanto, em muitas regiões, as maneiras de viver sua orientação sexual e seu gênero são mais diversas e mais fluidas. Assim, na Índia, para os hijras, que se identificam como sendo nem homens nem mulheres, a dicotomia homossexual-heterossexual não é pertinente. Da mesma forma, o coming out– a afirmação pública de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero –, prescrito como uma etapa incontornável, esbarra em certas estratégias de emancipação e de resistência elaboradas localmente, em contextos de repressão.

Ao contrário dessa afirmação identitária, as teorias queer desenvolvem há vinte anos uma crítica virulenta à “naturalidade” do sexo e do gênero:13 ao enunciar seu caráter socialmente construído, elas colocam em destaque a diversidade e a fluidez das identidades sexuais. Essas correntes intelectuais são fortemente associadas ao surgimento de movimentos políticos radicais, queer (como Queer Nation nos Estados Unidos e Queer for BDS no campo pelo boicote dos produtos israelenses) ou transbichassapatas (segundo a autodefinição do grupo Panteras Cor de Rosa), a favor de mobilizações altermundialistas. Seus militantes orientam estratégias de convergência de lutas (feministas, antirracistas, anticapitalistas) que lembram os posicionamentos dos militantes dos anos 1970. Eles e elas colocam em causa a institucionalização e a mercantilização das identidades gays e lésbicas. No entanto, suas redes ainda têm uma estrutura frágil. Os Panteras Cor de Rosa se desenvolveram no Québec, na França e em Portugal ao longo dos anos 2000, mas sem necessariamente estabelecer relações duráveis. Reagrupamentos internacionais importantes, como o Queeruption, para o mundo que fala inglês, ou as Universidades de Verão das Homossexualidades, para o mundo que fala francês, sofrem para se manter.

As questões estratégicas que se colocam atualmente dizem respeito às formas de mobilização. No Norte, desde os anos 1970, as militantes lésbicas reivindicaram e construíram grupos autônomos, principalmente em reação à misoginia vivida no seio dos grupos criados com os gays. Essas formas de mobilização, ligadas ao feminismo, constituem uma das características políticas do movimento lésbico, sem impedir alianças estratégicas com associações mistas. Ao longo dos anos 1990, as pessoas trans criaram também grupos auto-organizados, marcando assim a necessidade de uma mobilização específica. No fundo, é a pretensão universalista dos grupos LGBT, dominados pelos homens gays, que está em causa. Estes últimos continuam a ocupar majoritariamente os espaços de representação pública, contribuindo para a invisibilidade dos outros combates.

Por outro lado, a preeminência da luta pelos direitos deixa na sombra uma dimensão fundamental da emancipação das pessoas LGBT: a da igualdade social. Mais frequentemente à margem das solidariedades familiares, os gays, as lésbicas e os trans são particularmente expostos ao corte recorrente dos serviços públicos e de estruturas de solidariedade coletiva. Mas, ao longo dos últimos anos, as realidades vividas se diferenciaram amplamente. No Sul, as consequências da crise econômica agravaram as situações de precariedade e de dependência econômica com relação às redes de apoio tradicionais, freando as premissas de estratégias de emancipação individual e coletiva. Nos países do Norte, para uma fatia urbana e financeiramente estável, a experiência homossexual não é mais acompanhada de maiores discriminações. Para os outros – mulheres, pessoas trans, jovens, pobres e/ou precários –, as situações são mais problemáticas. O acesso aos recursos oferecidos pelo mundo comercial gay e lésbico ainda é difícil e, mais geralmente, a afirmação de si é entravada pelo desemprego, a precariedade e a dependência econômica com relação à família. Então, as convergências de interesse não se situam mais apenas no seio do movimento homossexual clássico. Em diversos países, os Pink Blocks tornam as questões LGBT visíveis durante mobilizações para a defesa de serviços públicos, contra o racismo ou contra o imperialismo, destacando o emaranhamento dos combates. Reagrupamentos se estruturam também nas organizações sindicais por meio de comissões específicas ou ainda com coletivos como Queers Against the Cuts, na Inglaterra. Os efeitos da crise econômica participam desse movimento de divisão política dos mundos LGBT, fragilizando a construção de perspectivas comuns.

Conquistas legais e transformação da ordem social não se opõem. Mas, no cruzamento dessas tensões políticas, é a capacidade dos movimentos LGBT de definir estratégias identitárias inclusivas e alianças com outros movimentos sociais que está em jogo. Os recentes debates sobre o homonacionalismo, mesmo que permaneçam fechados em esferas restritas,14 poderiam permitir abrir novas perspectivas estratégicas e políticas. Em escala histórica, podemos ver um saudável questionamento da hegemonia exercida pelos homens gays brancos vindos de países do Norte nos movimentos homossexuais. A afirmação de outros grupos permite questionar de forma útil os limites dos “interesses comuns” entre as pessoas L, G, B e T, abrindo então um espaço de redefinição das coalizões necessárias. O perigo é evidentemente uma fragmentação crescente e um fechamento identitário que arruinaria as possibilidades de alianças. Conjugando a luta contra a repressão, a conquista de direitos e a vontade de transformar um sistema desigual, as mobilizações no Sul constituem talvez finalmente o ponto de conjunção de novas estratégias políticas.

Gabriel Girard 
Sociólogo da École des Hautes études en Sciences Sociales e da Universidade Concordia (Canadá)

Daniela Rojas Castro Psicóloga social da Associação francesa Aides e do Grupo de Pesquisa em Psicologia Social (Lyon_II)


Ilustração: Laerte

1 Preferimos aqui o termo “trans” a “transexual” ou “transgênero”, pois ele engloba a diversidade dos percursos de mudanças de gênero e é reivindicado pela maioria das associações em questão.

2 Virginie Descoutures, Marie Digoix, Eric Fassin e Wilfried Rault, Mariages et homosexualités dans le monde. L’arrangement des normes familiales [Casamentos e homossexualidades no mundo. O arranjo das normas familiares], Autrement, Paris, 2008.


3 Cf. ilga.org/ilga/en/countries/IRAQ.


4 Como David Kato, morto em Uganda em 2011 depois que um jornal local publicou seu nome e sua foto (junto com as de 99 outros homossexuais) sob o título de “Enforquem!”, ou Quetzalcóatl Leija Herrera, espancado até a morte no mesmo ano no México por ter denunciado ao procurador do estado de Guerrero dezesseis crimes homofóbicos cometidos em 2009.


5 Nancy Fraser, Qu’est-ce que la justice sociale? Reconnaissance et redistribution [O que é a justiça social? Reconhecimento e redistribuição], La Découverte, Paris, 2005.


6 A sigla HSH, que insiste sobre as práticas sexuais, permite incluir pessoas que não se reconhecem necessariamente como homossexuais.


7 “Rumo a um acesso universal. Estender as intervenções prioritárias ligadas ao HIV/aids no setor da saúde”, Organização Mundial da Saúde, Genebra, 2009.


8 “Relatório sobre a epidemia mundial de aids: resumo de orientação”, Programa Mundial das Nações Unidas sobre o HIV/aids, Genebra, 2006.


9 Olivier Jablonski, Jean-Yves Le Talec e Georges Sideris (orgs.), Santé gaie [Saúde gay], Pepper-L’Harmattan, Paris, 2010.


10 Ler Benoît Bréville, “Homosexuels et subversifs” [Homossexuais e subversivos], Manière de Voir, n.118, ago./set. 2011.


11 Cf. Jasbir K. Puar, Homonationalisme. Politiques queers après le 11 septembre [Homonacionalismo. Políticas gays depois do 11 de Setembro], Amsterdam, Paris, 2012; e Didier Lestrade, Pourquoi les gays sont passés à droite [Por que os gays foram para a direita], Seuil, Paris, 2012.


12 www.yogyakartaprinciples.org.


13 Cf. Judith Butler, Trouble dans le genre. Le féminisme et la subversion de l’identité [Problema no gênero.


O feminismo e a subversão da identidade], La Découverte, Paris, 2004; e Elsa Dorlin, Sexe, genre et sexualités. Introduction à la théorie féministe [Sexo, gênero e sexualidades. Introdução à teoria feminista], PUF, Paris, 2008.


14 Cf. Alexandre Jaunais, “Retour sur les nationalismes sexuels” [Retorno aos nacionalismos sexuais], Genre, Sexualité et Société, n.5, Paris, 2011.


Fonte: Le Monde Diplomatique Brasil

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