PICICA: "Censura aos jornalistas que divergem
e superficialidade na cobertura do caso Petrobras demonstram: velha
imprensa flerta com autoritarismo"
Os barões da mídia e as saudades da ditadura
Censura aos jornalistas que divergem
e superficialidade na cobertura do caso Petrobras demonstram: velha
imprensa flerta com autoritarismo
Por Giovanna Dealtry
É muito triste que, hoje, no Brasil, não
se faça mais um jornalismo político comprometido, senão com a
profundidade, ao menos com a investigação dos múltiplos aspectos do
mesmo fato. Tenho certeza que há vários jornalistas, inclusive nos
grandes veículos de comunicação, comendo pelas beiras para que isso
aconteça. Mas a realidade é que não dá mais (nunca deu, aliás) para
termos três ou quatro empresas ditando quais deveriam ser os rumos do
imaginário político nesse país.
Particularmente, sou totalmente
favorável à exposição, apuração com rigor e, consequente, penalização
dos sujeitos envolvidos com a corrupção da Petrobrás. Mas é preciso
sempre voltar ao óbvio. Nós estamos discutindo esse caso livremente
porque vivemos numa democracia. E quem tornou esse país uma democracia
não foram os donos das grandes corporações midiáticas, como sabemos.
Vivemos em um país que se tornou uma
democracia, apesar de, durante décadas, essas corporações estarem ao
lado da ditadura. Se hoje é possível lermos, nos grandes jornais,
reportagens com riquezas de dados, entrevistas (inclusive com
torturadores) que contribuíram para o trabalho da Comissão Nacional da
Verdade (CNV), também, é possível encontrar editoriais como o recente
“Página Virada”, publicado, no dia 12 de dezembro, na Folha de São Paulo.
Estivéssemos nos anos 70 ou no Clube
Militar, tais palavras, a respeito do relatório final da CNV, por
certo, fariam sentido para uma grande parte da sociedade: “O relatório
silencia, assim, sobre os crimes das organizações armadas que combateram
para substituir a ditadura militar por outra, de cunho comunista.”
Parece ser essa a tal “linha editorial” que vigora na grande mídia. É
bom não nos esquecermos que foi desse mesmo jornal que o jornalista Xico
Sá pediu demissão, depois de ter uma crônica sua não publicada –
justamente, aquela em que declarava seu voto em Dilma Roussef. E
estamos, aqui, falando de um jornal que tem colunistas como Reinaldo
Azevedo.
A mesma “linha editorial” atingiu um dos
maiores nomes do jornalismo mineiro recentemente. João Paulo Cunha, há
18 anos trabalhando no jornal Estado de Minas pediu demissão após
ser “advertido” que não poderia escrever mais sobre política, em sua
coluna semanal. Nas palavras de Cunha, é “inadmissível que o jornal
censure seus profissionais. Ao censurar a imprensa ou o jornalista, você
está tirando dele o mais importante, que é a liberdade de expressão e a
possibilidade de trazer várias visões de mundo”.
De que lado, então, estaria a “censura”,
esta “falta de democracia”, tão gritada a cada vez que se pede por
provas consistentes dos fatos? É preciso ter estômago para ver
jornalistas que, até mesmo pelo longo tempo dentro das redações, sabem
de muito mais podres dos governos – não só do PT –, mas também das
empreiteiras, dos envolvimentos com outros partidos, dos cartéis
estabelecidos etc, mas que escolhem (ou a “linha editorial” os obriga) a
olhar só para um lado. Pessoas que, como os historiadores e jornalistas
já provaram, sabem que corrupção, no Brasil moderno, foi plantada e só
fez crescer raízes a partir da ditadura militar. Isso justifica que o PT
possa participar ativamente ou facilitar a corrupção na Petrobrás? Não,
não justifica. A corrupção, envolvendo executivo, legislativo, grandes
empresas públicas e privadas, vai desaparecer se o PT sair do poder?
Não, não vai. Vai apenas trocar de mãos. E o ponto não seria exatamente
esse, acabar com a corrupção? Ou o ponto seria, simplesmente, tirar a
poder das mãos do PT ?
Pelo que vi da entrevista patética da
ex-gerente de Petrobrás, Venina Velosa, o jornalismo já decidiu há
tempos de que lado está. E não é do lado do povo, como deveria, como
seria sua obrigação moral e ética. (Só de mandar a Glória Maria pra
fazer aquela entrevista, que nem da área de política é, já se notam as
intenções). A grande brasileira, que “muito nos orgulha”, como declarou
Leilane Neubarth, em seu twitter, disse rigorosamente nada. Não provou
nada. Não mostrou uma cópia dos “milhares” de documentos e emails que
tem em seu poder. De novo, a corrupção aconteceu no governo do PT, e os
responsáveis têm mais que pagar perante a lei. Em especial, termos o
dinheiro desviado ressarcido.
O jornalismo brasileiro das grandes
empresas está interessado em investigar com afinco os outros grandes
desvios de verbas que acontecem em outras áreas? Recentemente, o próprio
sistema Globo noticiou assim uma matéria sobre corrupção nas forças
armadas. “Empresa americana admite que pagou propina a dois militares da
FAB”. Como qualquer leitor mais arguto percebe, o ônus da corrupção
recai sobre a Dallas Airmotive e não sobre os oficiais que, por estarem
“sob investigação”, não têm sequer seus nomes revelados. As grandes
empresas de jornalismo brasileiro estão interessadas em investigar a
corrupção nas licitações em São Paulo? Um dos casos mais notórios
refere-se à Alstom. Envolveu, entre outras irregularidades, a compra sem
licitação de doze trens durante o governo Alckimin em 2005. Não é sobre
“irregularidades nas licitações” que recaem as acusações de Venina
Velosa?
Notícias como essas aparecem na primeira
página, e, no dia seguinte, a matéria vai para dentro do caderno. Em
seguida se fragmenta em notas ocasionais, até desaparecer. Então,
ninguém pode reclamar que eles não falaram sobre isso, certo? Em
compensação, somos obrigados a saber todas as vezes que um dos presos do
mensalão vai ao banheiro, vai passar o Natal em casa, escova os dentes
etc. Mesmos direitos que qualquer outro preso tem. Pesos, espaços e
ênfases diferentes dependendo do acusado, parece-me.
O meu problema, aqui, não é defender o
PT, porque o PT é bem grandinho, ele que arque com as consequências de
seus atos. O meu problema é com essas mega corporações jornalísticas que
só fazem crescer, espraiar seus tentáculos até na área de educação.
Pelo jeito, aqui no Rio, não há problema nenhum em termos a Fundação
Roberto Marinho fazendo acordos com o governador Pezão, para conferir
diplomas de Ensino Fundamental e Médio – os mesmos que deveriam ser
oferecidos pela rede pública de ensino – se esta não estivesse
sucateada. Nesse caso, parece não haver importância que o governador do
Rio seja um dos principais aliados do PT.
E meu problema, como brasileira que
viveu a ditadura, problema que deveria ser o nosso, é com a manutenção
de uma democracia conquistada com mortes, desaparecidos e torturados.
Uma democracia que, pela primeira vez desde a redemocratização, permite
ao STF e à Polícia Federal trabalharem livremente, investigando o
próprio executivo. O que não acontecia nos governos do PSDB. O meu
problema é com um jornalismo que, grita “censura”, quando se fala em
Regulação da Mídia, mas confere todo espaço ao rapaz mimado, desculpe,
senador Aécio Neves, quando este se dispõe a processar twitteiros que o
chamaram de cheirador.
Só para lembrar: a professora do
Instituto de História, Mônica Grin, quase sofreu em julho desse ano o
confisco de seus computadores de trabalho, a mando da Justiça de São
Paulo. O motivo foi a denúncia, movida pelo comitê eleitoral do PSDB, de
supostas calúnias que teriam partido do computador localizado na sala
da professora. A falta de qualquer notificação prévia à instituição ou à
professora é apenas uma das marcas de todo tom intimidador do caso.
Sem dúvida, essa foi a pior eleição que
já enfrentamos desde a redemocratização, em especial, no que se refere
aos ataques pessoais partindo de ambos lados. Mas, acabou. Como declarou
Dias Tofolli, ministro do Supremo Tribunal Federal, não haverá terceiro
turno. Vamos tratar de arrumar os problemas reais desse país, como esse
passado “anistiado”, e a corrupção endêmica que envolve todas as
esferas de poder, inclusive as beatificadas pelo PSDB.
Fonte: OUTRAS PALAVRAS
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