junho 29, 2015

"À esquerda e à frente!" Por Nildo Ouriques (O REAL QUE NÃO SE VÊ)

PICICA: "O diagnóstico que motiva a Frente de esquerda ou a Frente pela esquerda é, no entanto, superficial. Há, de fato, certa desinibição da direita no país. A razão fundamental da direitização é resultado direto e em primeiro lugar, da aliança de classe que o PT assumiu sem vacilação antes mesmo de conquistar o primeiro mandato presidencial. A tentativa petista de hegemonizar o pacto de classe - considerada por muita gente boa e não poucos oportunistas como um ato de sabedoria - era clara: tirar dos tucanos o monopólio da autoridade sobre o Plano Real. Não há dúvidas que o giro a direita foi exitoso. No entanto o custo não foi apenas elevado, mas fatal. Na operação, o PT como partido de esquerda fracassava historicamente de maneira definitiva! Os "dirigentes" do partido ficaram embriagados com o resultado e esqueceram que a classe dominante brasileira dispensa os partidos políticos para sua dominação classista, caso contrário não teria lançado mão de uma ditadura de 21 anos! Esqueceram também que sua transformação em principal partido da ordem cumpriria apenas uma função defensiva necessária: manter os trabalhadores afastados do radicalismo político. A precoce adesão do PT a ordem dominante, criou o SISTEMA PETUCANO, esta particular aliança que opõem dois partidos na luta parlamentar enquanto os iguala no horizonte histórico e programático. Esta crise não tem solução nos termos do quadro partidário atual e impede o PT de ressurgir das cinzas, negando-lhe a possibilidade converter-se no futuro em Ave Fênix." 


À esquerda e a frente!


Há em curso uma tentativa de realizar uma "frente de esquerda" no Brasil. A imprensa anuncia que a iniciativa foi de João Pedro Stédile, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). O álibi é sempre o mesmo: enfrentar a onda conservadora em ascenso no parlamento e nas ruas. Há também, outras defesas para a mesma proposta. A Esquerda Marxista, por exemplo, conclama a todos para a adesão a uma frente que "retome os princípios que estiveram na origem do PT, que ajude a abrir uma saída para a atual situação, para organizarmos a continuidade da luta pelas reivindicações, por um novo mundo, pelo socialismo". ("O que Lula pretende com as críticas ao governo e ao PT?") Neste caso, devemos reconhecer que a empreitada não é pequena e os poderes conferidos a tal "frente de esquerda" são enormes, virtudes quase capazes de justificar nossa existência.

Em nota distribuída dia 26 de junho em resposta ao chamado do líder do MST, o presidente nacional do PSOL, Luiz Araújo, defende uma frente pela esquerda. No entanto, numa reunião realizada em São Paulo no dia 27 de junho, o jornal paulista Folha de São Paulo anuncia que um grupo "com dirigentes do PC do B, PT e PSOL" criaram um embrião de coalizão que se chamará Grupo Brasil, destinado a criar e divulgar uma pauta de eventos em defesa de direitos dos trabalhadores. O deputado federal Ivan Valente teria enviado representante e Leo Lince, articulador do PSOL/RJ, teria comparecido.

A dupla natureza da crise

O diagnóstico que motiva a Frente de esquerda ou a Frente pela esquerda é, no entanto, superficial. Há, de fato, certa desinibição da direita no país. A razão fundamental da direitização é resultado direto e em primeiro lugar, da aliança de classe que o PT assumiu sem vacilação antes mesmo de conquistar o primeiro mandato presidencial. A tentativa petista de hegemonizar o pacto de classe - considerada por muita gente boa e não poucos oportunistas como um ato de sabedoria - era clara: tirar dos tucanos o monopólio da autoridade sobre o Plano Real. Não há dúvidas que o giro a direita foi exitoso. No entanto o custo não foi apenas elevado, mas fatal. Na operação, o PT como partido de esquerda fracassava historicamente de maneira definitiva! Os "dirigentes" do partido ficaram embriagados com o resultado e esqueceram que a classe dominante brasileira dispensa os partidos políticos para sua dominação classista, caso contrário não teria lançado mão de uma ditadura de 21 anos! Esqueceram também que sua transformação em principal partido da ordem cumpriria apenas uma função defensiva necessária: manter os trabalhadores afastados do radicalismo político. A precoce adesão do PT a ordem dominante, criou o SISTEMA PETUCANO, esta particular aliança que opõem dois partidos na luta parlamentar enquanto os iguala no horizonte histórico e programático. Esta crise não tem solução nos termos do quadro partidário atual e impede o PT de ressurgir das cinzas, negando-lhe a possibilidade converter-se no futuro em Ave Fênix.

Na outra ponta, a crise do capitalismo dependente aparece como crise da política econômica. Neste terreno, a breve primavera que permitiu ao pacto de classe petucano e aos governos petistas conceder a caridade cristã aos trabalhadores na forma de migalhas da política social, chegou ao seu fim. A crise financeira do Estado brasileiro é apresentada como crise fiscal e assumida pelo PT e seu governo como tal. Agora há o inconveniente de que não se pode atender aos dois senhores ao mesmo tempo, razão pela qual o petismo recruta um obscuro funcionário do sistema financeiro para manejar a política econômica em completo acordo com os tucanos. No fundo, com pequenos percalços, o apoio parlamentar a Joaquim Levy é completo e funciona como a única razão consistente para que os tucanos não assumam o "fora Dilma" como bandeira política tática. Ainda assim, até mesmo o mais desatento analista pode observar a persistência das denuncias de corrupção envolvendo o PT e o PSDB (este em menor medida, é claro), seus parlamentares, funcionários de estado, juízes de cortes, etc... A denuncia permanente da corrupção - sempre limitada a alvos menos importantes - é funcional a classe dominante e tanto o PT como o governo se revelam impotentes diante da situação. A razão é clara: a disputa no interior do Estado implica, necessariamente, em compromisso com a permissividade da corrupção que, de fato, não respeita fronteiras políticas e ideológicas. É prova disso a incapacidade do PT em oferecer uma resposta dura ao tema da corrupção em seu último congresso, realizado num hotel da Bahia. Uma semana após sua realização, o ex-presidente Lula atacava o partido abertamente explicitando a senilidade das "resoluções" estabelecidas na evento. Foi, sem dúvida, o congresso mais miserável da historia do PT, incapaz de gerar qualquer efeito prático na opinião pública, na política partidária, na luta sindical ou nos movimentos sociais.

O sistema petucano não é capaz de renovação

O sistema político brasileiro - o petucanismo - é, portanto, impotente para a renovação política que milhões de pessoas, mesmo difusamente, desejam A reforma política em curso revela o tamanho da farsa parlamentar como resposta à crise e, de quebra, também exibe a incapacidade de uma saída parlamentar progressista para a crescente e justificada insatisfação popular. No limite, o parlamento sufragará o golpismo na modalidade e no momento que a classe dominante julgar conveniente (se julgar necessário!).  

O que pode fazer uma frente de esquerda neste contexto? Muito pouco!Na prática, uma frente de esquerda teria que consolidar uma aliança entre os partidos que figuram na oposição ao governo e nunca poderia estar limitada ã luta contra o "ajuste fiscal" e contra o "conservadorismo social e parlamentar"; ademais, uma frente de esquerda poderia, nas circunstancias atuais, reunir exclusivamente o PSOL, o PSTU e o PCB. E poderia admitir nas suas filas apenas militantes que não mantém filiação nos partidos da "base aliada" do governo. A existência de "parlamentares rebeldes" com filiação nos partidos da base governista não deveriam ser admitida por razão elementar: é preciso reconquistar a confiança popular nas organizações de esquerda sem qualquer vinculo com o governo e o PT! Ao contrário do que muitos apressadamente diriam, esta orientação não é sectária e muito menos irreal: é precisamente a única possibilidade de acumular forças fora do arco conservador que tem revelado grande capacidade para ganhar o centro político nas disputas eleitorais. A direita brasileira tem logrado apoio considerável nas classes populares precisamente porque estas se sentem e de fato estão sem representação partidária. Na luta para não perder tudo, as classes populares podem apenas contar - ainda assim de forma limitada - com seus sindicatos que lentamente despertam da modorra lulista.  

Há muito pouco a fazer no terreno parlamentar neste momento histórico da luta de classes. É preciso acumular força nas organizações populares e sindicais contra o governo e sua base aliada sem vacilação ou inibição de qualquer ordem. A disputa atual é para identificar quem e quais organizações e em qual medida, existe uma oposição de esquerda ao governo. A oposição mais visível ao governo é obviamente de direita. A tarefa tática imediata de todos os setores identificados com a esquerda brasileira é construir sólida e sistemática oposição de esquerda. É neste momento em que pode ser necessário uma frente à esquerda, amparada tao somente nas lutas sociais e na inexorável combatividade sindical em defesa dos salários num ano em que a inflação será novamente de dois dígitos! Neste contexto, no momento nada há que resgatar da origem petista ou ainda seguir alimentando ilusões com a disputa no interior do estado na elaboração de políticas sociais quando a crise arrastou seu dinamismo para uma solução mais radical do ponto de vista da classe dominante. A adesão a qualquer iniciativa de frente política que conte com a presença dos partidos da base aliada ou mesmo um namorico com lideranças como Lula representa, nas condições atuais, muito mais do que um erro, representará rasa estupidez. Não será senão a materialização de uma velha e surrada ideologia petista - segundo a qual o governo estaria em disputa - criada exclusivamente para justificar a domesticação do PT como partido submetido a razão de estado que o levou ao fracasso histórico sem remissão.  O governo de Dilma, assim como os dois mandatos de Lula, jamais esteve em disputa!     

O governo Dilma e a ideologia do ajuste passageiro 

Todas as últimas medidas anunciadas pela presidente Dilma reforçam a economia exportadora, a estrutura fundiária baseada no latifúndio, garantem a continuidade do mega processo de endividamento estatal, os lucros extraordinários para os rentistas de distintas extração (comerciantes, industriais, banqueiros, etc) e avançam na direção de aprofundar a superexploração da força de trabalho como fundamento da dependência que finalmente nos caracteriza como país. Não somente anunciam novas etapas do lento e relativamente silencioso processo de privatização como também já se costura nos bastidores do sistema petucano a retirada de novos direitos quando entrar em debate a "necessidade" de uma nova e sempre interminável "reforma trabalhista" e novo assalto ao estado com a reforma tributária... 

A ideologia do governo Dilma se sustenta em duas ilusões: a primeira, é que a crise do Estado brasileiro é fiscal e, jamais financeira; a segunda, que o ajuste produzirá no curto prazo as condições para um novo ciclo virtuoso do crescimento econômico no longo prazo que devolverá o emprego e a renda para os trabalhadores. É pura ideologia para consumo da consciência ingenua dos trabalhadores. No entanto, a análise fria indica que a crise financeira do estado não terá solução alguma sem a auditoria da dívida e a anulação parcial ou total que inexoravelmente implicará, tamanha a corrupção e ilegalidade que sua contração e as sucessivas re-negociações engendrou.

A ambiguidade é sempre fatal em política e especialmente mortal em épocas de crise. A esquerda somente cumprirá seu papel se contribuir de maneira mais intensa e acelerada para a redefinição de um novo radicalismo político, mais urgente e necessário e viável agora, no momento em que precisamente as antigas ilusões sobre "o modo petista de governar" caiu em total e definitivo descrédito.

A ambiguidade política mata

A crise é, portanto, do governo. E o governo atual não tem recuperação. No contexto atual, caminha para derrota eleitoral inexorável nas próximas eleições presidenciais ou sofrerá eventual substituição no âmbito parlamentar, motivado por sucessivos escândalos de corrupção que são próprios do estado burgues e incapazes de encontrar no PT e sua "base aliada" resposta adequada. Mas é também uma crise do sistema político, pois amplos setores sociais não acreditam que o governo, o parlamento, os tribunais possam superar o descrédito produzido pela politização ingenua que emergiu das últimas eleições presidenciais. A sociedade em geral e as classes populares em particular, não possuem neste momento referencias críticas, tal como no passado. A posição da esquerda ou das forças que pretendem ocupar este espaço, dependerá tão somente de sua capacidade em recusar pactos que pretendam unicamente renovar a credibilidade de um governo que já não pode carregar seu próprio peso. Ora, uma frente de esquerda que mantenha a ambiguidade em relação ao Plano Real e reproduza ilusões sobre o atual sistema política, jogará as forças que restam na esquerda no terreno da ambiguidade. Uma frente de esquerda que não marque clara oposição ao atual governo - e não somente ao "ajuste" como se, de fato, as medidas fossem do ministro-banqueiro e não da presidente - será incapaz de enfrentar a direitização (real e potencial). Uma frente de esquerda que não delimite sua clara oposição ao governo e sua base aliada produzirá outro fenômeno nada desprezível: em tempos de crise, a ambiguidade mata!   

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