PICICA: "Dizem que na Baixa do Sapateiro encontrava-se a morena mais frajola da Bahia.
Isso quem dizia era o gênio Ary Barroso em samba consagrado na voz doce
de Dorival Caymmi. Aquele mesmo que eternizaria Bahia como a terra da felicidade. E a Bahia nunca mais sairia do pensamento dos brasileiros e das brasileiras.
Com outra razão, menos brilhante obviamente, depois de junho de 2015,
o estado de Castro Alves e dos acarajés reservou mais espaço na memória
coletiva nacional. É que uma certa jangada saiu pro mar de
Salvador. Mas ninguém trabalhou. Nenhum peixe bom trouxeram. E os
companheiros não voltaram… Trata-se da tragédia do V congresso do
partido dos trabalhadores (PT). O partido que governa o Brasil há mais
de uma década, ora a frente ampla eleitoral mais popular deste país,
após seu quinto congresso, então realizado em terra soteropolitana,
viu-se em momento trágico.
Porém, era tragédia anunciada. As movimentações petistas, aliás,
estão cada vez mais teatrais. A ferramenta institucional mais forjada
nas lutas populares e sindicais ao longo das últimas três décadas
encontra-se demasiadamente enferrujada. Sem qualquer emoção, a tragédia
petista seria uma comédia-pastelão não fosse a grave crise
político-econômica em que o Brasil e seu povo passam. Pois de fato, o
teatro infantil promovido pelas inúmeras correntes e campos petistas em
seus congressos e demais espaços internos chega a ser cômico devido a
intensa encenação de uma disputa inexistente."
A tragicomédia soteropolitana, o sadomasoquismo democrata e a lição venezuelana
Dizem que na Baixa do Sapateiro encontrava-se a morena mais frajola da Bahia. Isso quem dizia era o gênio Ary Barroso em samba consagrado na voz doce de Dorival Caymmi. Aquele mesmo que eternizaria Bahia como a terra da felicidade. E a Bahia nunca mais sairia do pensamento dos brasileiros e das brasileiras.
Com outra razão, menos brilhante obviamente, depois de junho de 2015, o estado de Castro Alves e dos acarajés reservou mais espaço na memória coletiva nacional. É que uma certa jangada saiu pro mar de Salvador. Mas ninguém trabalhou. Nenhum peixe bom trouxeram. E os companheiros não voltaram… Trata-se da tragédia do V congresso do partido dos trabalhadores (PT). O partido que governa o Brasil há mais de uma década, ora a frente ampla eleitoral mais popular deste país, após seu quinto congresso, então realizado em terra soteropolitana, viu-se em momento trágico.
Porém, era tragédia anunciada. As movimentações petistas, aliás, estão cada vez mais teatrais. A ferramenta institucional mais forjada nas lutas populares e sindicais ao longo das últimas três décadas encontra-se demasiadamente enferrujada. Sem qualquer emoção, a tragédia petista seria uma comédia-pastelão não fosse a grave crise político-econômica em que o Brasil e seu povo passam. Pois de fato, o teatro infantil promovido pelas inúmeras correntes e campos petistas em seus congressos e demais espaços internos chega a ser cômico devido a intensa encenação de uma disputa inexistente.
Negando (ou problematizando em exacerbo) as experiências socialistas, colocando a democracia e a preservação das representações de classes em seu fim estratégico, dito partido de “de novo tipo”, vocacionado a ser uma “síntese de culturas libertárias”, o partido dos trabalhadores, desde sua fundação, é uma frente ampla de microrganismos políticos, porém, sempre hegemonizada pela social-democracia, seja em forma de corrente, campo ou dispersa em suas instâncias. A social-democracia, enfim, é a própria síntese do máximo programa petista. O tal “socialismo petista” não passa de um projeto eclético-cristão-social-democrata. A garantia do direito de representação democrática para as classes sociais é, já em primeira análise, a simples declaração de que a burguesia, classe social como tal, permanecerá viva e ativa no programa “socialista” do PT. Dessa forma, não precisa ser Marx nem Engels para reconhecer que um projeto mantenedor da burguesia não possui real perspectiva socialista, sendo somente um jogo de palavras nas cartas principiológicas daquele partido.
Não obstante as debilidades programáticas desde sua fundação, o partido dos trabalhadores, também muito devido ao estado falimentar dos partidos comunistas durante as décadas de 70, 80 e 90, conseguiu congregar a enorme amplitude dos remanescentes agrupamentos de luta e resistência contra a ditadura militar, além de intelectuais, a nova classe operária, as entidades eclesiásticas de base e os movimentos campesinos. Formou-se, assim, uma ferramenta política com imensa permeabilidade social. Inegavelmente, surgiu uma frente de massas, composta direta e indiretamente por diversos movimentos sociais e populares, capitalizada por uma legenda eleitoral. Destarte, mesmo com todos os seus problemas históricos e vícios ideológicos, os socialistas, comunistas e revolucionários não mais puderam, nem podem, ignorar a existência dessa frente ampla.
Entretanto, a vigorosa frente petista de outrora não passa hoje de uma instituição atrofiada, entregue ao cego governismo, submissa aos ditames do social-liberalismo (linha de pensamento que acabou prevalecendo nas disputas internas da cúpula do campo social-democrata dirigente), e definitivamente perdida diante da conjuntura turbulenta. Os anos de governos (não só federal) acabaram por engessar, inclusive, os movimentos componentes da antiga frente de massas. A democracia de cooptação, alertada por Florestan, abateu os movimentos populares e sociais do campo gravitacional petista. Hoje, UNE, MST e CUT, por exemplo, possuem um poder de mobilização e enfrentamento menor do que antes da vitória de Lula. E aqui não cabe encontrar culpados. Mas o giro institucional no centro estratégico sempre conduzirá a isso enquanto a democracia burguesa não for objeto de destruição. As crises de direção, de formulação, de estrutura e de política do PT não são de agora. E, de fato, era anunciada desde suas limitações fundacionais. A fragilidade ideológica e a negligência estratégica são elementos intrínsecos ao fracasso.
Feito isso, não há motivação racional para disputar algo que já está perdido. O partido dos trabalhadores decididamente será dirigido, até sua total perda de capacidade decisória da realidade nacional, por uma cúpula social-liberal, então dirigente do campo social-democrata que comanda o destino desse partido desde sua fundação. As demais correntes, campos de oposição, e ilustres figuras públicas de contrariedade, por mais barulhentos que sejam em suas retóricas, não passam de apóstolos do apocalipse querendo reinventar a roda do PT. Deveriam voltar ao Colégio Sion em 1980… E como não há máquina do tempo, o melhor a fazer é pensar no presente tortuoso e no futuro incerto.
A tragicomédia soteropolitana deve ser dividida em dois atos: o primeiro foi o ato da comédia, que foi visto na inocuidade do V congresso petista e nas lamúrias dos derrotados que ainda não aprenderam o que é o PT, e que retroalimentam uma esperança perdida, certamente por lucrarem algum mandato ou cargo de tamanho minoritário com isso. Por mais engraçado que possa parecer, tem gente que gosta de perder e vibra por ser derrotado; o segundo ato foi o da tragédia. A tragédia está ainda em ato contínuo porque o velório da frente petista não carrega apenas uma legenda da democracia burguesa para sete palmos de terra, mas sim, e infelizmente, toda a ampla articulação da esquerda nacional construída nas últimas três décadas. A tragédia está no fato do governo de Dilma, desorientado e entregue à burguesia rentista, seguir praticando ajustes fiscais sem qualquer força consequente para o enfrentamento. Em poucas palavras, a desgraça está no sofrimento do povo diante da crise econômica e da ausência de uma forte frente popular para combatê-la. A comédia é o PT e seus congressos irrelevantes. A tragédia é a agonização da esquerda brasileira, e o padecimento do povo frente ao desastroso governo Dilma e ao crescimento da oposição de direita.
Todavia, sempre válido lembrar que a capilaridade social, por mais atrofiada e burocratizada que esteja, ainda existe no PT. Assim, o compromisso de quem ousa superar o difícil quadro em tela é intervir de maneira prática sobre as bases petistas, insuflando o tensionamento com o governo Dilma e com os ajustes de Levy. Isso não deve significar construção nem disputa interna das estruturas carcomidas do PT. Muito pelo contrário. Não há mais tempo nem necessidade disso. Intervir significa trabalhar para que a locomotiva da antiga frente de massas não vá descarrilando pelo caminho, deixando vagões de lutadores em espaços adversos à própria luta social. Intervir sobre o PT é disputar a direção de sua massa falida, que não saberá em breve qual caminho tomar. Oportunamente, o dever dos revolucionários, socialistas e comunistas é acompanhar de perto, intervindo direta e indiretamente nos próximos passos das bases do PT. Cuida-se de uma tarefa estratégica para o próximo período, haja vista que não há outra base com tamanho enraizamento na classe trabalhadora e nas camadas populares a ser disputada. E a luta de massas, com todos seus percalços e encargos, será a ordem do dia.
No entanto, não é porque a luta de massas está no plano atual, bem como a configuração de uma nova frente popular, com renovado programa de ampliação de direitos sociais e desenvolvimento econômico, está na urgência para superação da crise político-econômica, que se deve cometer o equívoco pretérito da centralização estratégica na disputa institucional. A democracia burguesa sempre será burguesa, independente de quem vença as eleições. O capitalismo não será superado pelas vias da ordem burguesa. As reformas que fazem acumular, que alimentam a esperança de vitória, e reforçam a consciência de classe, não podem jamais estar dissociadas da luta maior, da luta estratégica, da luta revolucionária. A disputa tática da democracia dos ricos serve para aumentar nossas forças até que um dia esse regime político e esse sistema econômico de injustiças e desigualdades sejam derrubados em definitivo.
Dito isso, deve-se combater intensamente o sadomasoquismo democrata. Em tempos de crise econômica, os valores, a moral e todos demais elementos da superestrutura, refletindo a estrutura da sociedade, também entram em crise. A crise política nacional está para além dos conflitos e impasses constitucionais entre os três poderes. A crise política está na ressignificação dos axiomas sociais, morais e éticos. A crise política está na criminalização da própria política, como tem sido defendido em larga escala midiática. Fala-se aqui do triste espectro que ronda o Brasil: o fascismo. E o fascismo sempre estará, em particular, ao redor de países em crise econômica, como nosso caso atual. Pois nas crises econômicas, sem saída e, ainda mais, frustrado pelo esvaziamento político da esquerda combativa, o povo costuma optar pela irracionalidade, pela proliferação do ódio não-classista, e pelas medidas mais sensacionalistas. Sob tal ótica, o esvaziamento político da esquerda nos remete ao velho ensinamento: “a social-democracia é antessala do fascismo”.
O avanço do conservadorismo (redução da maioridade penal, terceirização, constitucionalização do financiamento empresarial de campanha, etc.), os recorrentes ataques à tolerância religiosa (principalmente contra as religiões de matrizes africanas), as ameaças de morte a políticos de esquerda, a vontade manifesta de retorno aos tempos sombrios da ditadura militar, e as demais manifestações flagrantemente golpistas, xenofóbicas, racistas, machistas e homofóbicas, nada mais são do que um pacote superestrutural de valores que refletem o vulcão hodierno da estrutura econômica nacional. Não bastará um enfrentamento no plano das ideias, nem só nas ocupações dos parlamentos burgueses, para vencer o fascismo, já não mais embrionário.
Os democratas, beirando a um débil idealismo hegeliano, estão buscando saídas convencionais, pactuais, para combater o fascismo que cresce diariamente em nosso país. Alguns democratas acreditam que é possível aproximar setores “menos reacionários” da direita nacional para traçar uma resistência aos dias piores que estão porvir. Esses incautos suicidas, em especial os que estão no governo Dilma, chegaram ao cúmulo de negociar a redução da maioridade penal com o PSDB. Pois bem, agora temos dois a três projetos com a mesma temática, confundindo a opinião pública e prejudicando a luta contra a redução da maioridade penal. A ingenuidade desses elementos é tamanha que eles acreditam e respeitam o direito de representação democrática do conservadorismo, mas não desejam que o conservadorismo avance. O paradoxo embriagado por um fetiche de democracia conduz ao sadomasoquismo. Mas é preciso estar atento: porque o masoquismo deles é proporcional ao sadismo dos mesmos com o povo que sofrerá se a marcha fascista não for obstada a tempo.
A intelectualidade pós-moderna, perfilhada pela queda do muro, evangelizada pelo estado democrático de direito burguês, ao menor estouro das balas do retrocesso, certamente embarcará para um aprazível exílio em algum café parisiense. Foi assim em 1964. Está sendo assim agora. O masoquismo dessa corja de parasitas, atrapalhadores da esquerda, é em verdade um sadismo para com o povo brasileiro. Quem deseja a paz com os inimigos de classe é porque não quer a paz com os de sua classe. A luta de classes é uma constante. Quem quer a paz tem que estar preparado para a guerra. Não será com discursório quixotesco nem com pactos humanistas, muito menos com vitimizações, que o fascismo será aniquilado. Ao contrário, será com a justa luta pela mudança plena na estrutura econômica da sociedade, concatenada com as batalhas superestruturais de conscientização (consciência de classe e consciência revolucionária), isto é, será com a luta verdadeiramente revolucionária, que avançaremos na libertação de ideologias reacionárias. A democracia não é um fim. O fim é o socialismo. E no plano imediato: a tarefa é fomentar a unidade popular contra os ajustes fiscais de Levy e Dilma, e derrotar o conservadorismo com a força das ruas. Mas não se pode ter ilusões maiores com a oxigenação dessa nova frente popular que está por surgir, posto que a revolução e a construção dos alicerces do partido revolucionário, e de suas condições necessárias, ainda são as assertivas estratégicas para o socialismo.
Em conclusão, a recente lição da Venezuela é de enorme importância. O povo venezuelano, honrando o legado de Chávez, e concretizando a revolução bolivariana, negou trânsito político aos senadores da direita brasileira, ora lacaios do imperialismo norte-americano. Aécio Neves e seus capangas foram até a Venezuela para serem corridos pela força popular. O golpismo venezuelano é mais forte do que o golpismo brasileiro. Contudo, a resistência militante e a direção do processo bolivariano são espetaculares, e devem servir de lição ao povo brasileiro. Com o fascismo, com a burguesia e com o imperialismo, não se brinca, não se dialoga, não se pactua. Tratam-se de inimigos de classe, inimigos históricos, inimigos do povo, inimigos da Pátria. E como tais, devem ser destruídos. PT, PSOL e PCdoB, artífices da esquerda democrática nacional, atrelados dorsalmente à ordem vigente, não aprenderam com o passado, e lamentavelmente assinaram uma moção covarde de apoio a Aécio e de repúdio ao povo venezuelano e sua revolução. Decerto, a história não os absolverá. De modo igual, não absolverá o governo Dilma por ter emprestado avião da FAB (Força Aérea Brasileira) para uma missão não-oficial de senadores aloprados da oposição, nem mesmo absolverá por ter sido permissivo à tese do Itamaraty de condenação ao povo venezuelano, tese absurdamente contrária ao dispositivo constitucional de respeito à autodeterminação dos povos.
Os personagens da tragicomédia soteropolitana e do sadomasoquismo democrata precisam aprender, e muito, com as lições bolivarianas do Comandante Chávez e do Camarada Maduro. Além dos ensinamentos de outros Camaradas perpetuados pelas vitórias e glórias. Tão logo, os petistas terão insônia parodiando Dorival Caymmi: “Ai! Ai! Que saudade eu tenho da Bahia… Ai! Se eu escutasse o que Lenin dizia…”. Afinal, depois de décadas, já deveriam ter aprendido que o capitalismo é um “mundo feito de maldade e ilusão”.
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João Herminio Marques, vulgo João Sem Medo, é Subcomandante da Organização A Marighella e advogado (http://enfrentandobatalhoes.Fonte: Sul 21
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