PICICA: "O que podemos aprender com Manuela Carmena?
A nova prefeita de Madri se dedicou a pensar uma forma de aproximar a
justiça ao justo. Ou seja, considera que o poder judiciário só será
independente quando os seus dirigentes puderem ser eleitos pelo
congresso através de um processo de consulta cidadã. Não só isso, ela
também propõe que os cidadãos participem diretamente da administração da
justiça e atuem tanto na hora da prevenção quanto na hora da repressão
pelo poder judiciário, através de mecanismos complexos capazes de
restaurar o valor da dignidade humana.
Sua crítica se estende ao isolamento da justiça que acarreta em uma
falta de vinculação com a sociedade. Neste ponto, temos muito a
aprender, já que o Judiciário brasileiro também parece estar isolado no
formalismo e afastado do conceito de justiça. Muitas vezes, se concentra
em dar eficácia às injustiças legais. Desta forma, a crise do sistema
jurídico pode ser pensada de forma analítica dentro de um sistema que
não pretende referir-se a realidade social, pressupondo o que o
sociólogo Niklas Luhmann de tautologia circular, que ocorre quando o
sistema se autorrefere operativamente sem se comunicar com o entorno."
Manuela Carmena: da reinvenção da justiça à reinvenção da democracia
Por Priscila Pedrosa Prisco, UniNômade—
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A votação expressiva da plataforma Ahora Madrid que tem Manuela Carmena como sua principal figura, 31% na capital da Espanha ficando apenas um pouco atrás da candidata da situação, no último 24 de maio, significa um grande passo para a democracia espanhola. Juíza emérita do Supremo Tribunal da Espanha, já aposentada, ela tem uma longa trajetória na defesa de direitos humanos dos trabalhadores. Também teve um grande papel na luta antifranquista como advogada trabalhista.
O que podemos aprender com Manuela Carmena?
A nova prefeita de Madri se dedicou a pensar uma forma de aproximar a justiça ao justo. Ou seja, considera que o poder judiciário só será independente quando os seus dirigentes puderem ser eleitos pelo congresso através de um processo de consulta cidadã. Não só isso, ela também propõe que os cidadãos participem diretamente da administração da justiça e atuem tanto na hora da prevenção quanto na hora da repressão pelo poder judiciário, através de mecanismos complexos capazes de restaurar o valor da dignidade humana.
Sua crítica se estende ao isolamento da justiça que acarreta em uma falta de vinculação com a sociedade. Neste ponto, temos muito a aprender, já que o Judiciário brasileiro também parece estar isolado no formalismo e afastado do conceito de justiça. Muitas vezes, se concentra em dar eficácia às injustiças legais. Desta forma, a crise do sistema jurídico pode ser pensada de forma analítica dentro de um sistema que não pretende referir-se a realidade social, pressupondo o que o sociólogo Niklas Luhmann de tautologia circular, que ocorre quando o sistema se autorrefere operativamente sem se comunicar com o entorno.
A magistrada nos traz algumas soluções possíveis de corrigir esta falha do sistema jurídico, pois a sua crítica ao sistema é no sentido de que as leis acabam se convertendo em algo feito por um governo, independentemente dos efeitos que produzem na sociedade, advertindo para os perigos da busca pela mera eficácia, sem levar em conta os destinatários da norma.
No Brasil, as jornadas junho de 2013 deixaram ilesos em sua crítica os sistemas de justiça e acabaram sendo desmobilizados por uma interferência política na criminalização de manifestantes. Talvez Manuela nos sirva como um bom exemplo para começar a pensar em formas criativas e originais de participação cidadã na administração da justiça, que valorizem a defesa de valores democráticos para a implementação de uma justiça equitativa e igualitária.
Uma das principais questões para a reinvenção da justiça, segundo Manuela Carmena, passa pela comunicação das estruturas judiciárias com os cidadãos, estes considerados por ela como potenciais agentes de transformação. Para lograr esse intento seria necessária a quebra das liturgias e hierarquias simbólicas dos tribunais, que acabam por criar uma imagem de superioridade entre magistrados e cidadãos na aplicação da lei. Em uma sociedade violenta como a nossa, humanizar a justiça não implica em deixar de responsabilizar aqueles que violam as leis, mas sim desenvolver um novo método que aproxime a sociedade dos valores multidimensionais a serem considerados na hora de identificar as causas da violação.
O caso do médico esfaqueado na Lagoa parece ter sido a gota d´água do caos social em que nos encontramos. A completa ausência de políticas sociais capazes de incluir negros e pobres na sua condição de cidadãos, nos arrasta para mais uma triste forma de empurrar as causas da violência para baixo do tapete. O discurso moralizante da análise do crime já parece ter perdido o consenso, mesmo no tratamento pela imprensa. Não foi outra a conclusão que cheguei ao ver a diferença das capas do jornal O globo e jornal Extra na descrição do mesmo evento.
Infelizmente, a resposta reativa majoritária ainda vem sempre com espetáculos de discursos criminalizantes, que contaram até com o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil, na proposta desengavetada ontem pelo congresso nacional de criminalização do porte de faca. O populismo penal parece atender a histeria coletiva que já não sabe lidar com medidas preventivas, através da elaboração de programas que valorem programas complexos, contando com a participação de instituições, sociedade civil, legisladores, polícia, juízes, prisões e também coletivos de voluntariado para um trabalho diário de reeducação e reinserção dos setores marginalizados. Prestar atenção em Manuela Carmena vale a pena, sobretudo pelo seu esforço em salvar vidas e preservar na cultura o valor de qualquer vida.
Fonte: UniNômade
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