junho 13, 2015

"Berçário de Ideias", por Rafael Trindade e Augusto Viodres (Razão Inadequada)

PICICA: "Quando Sócrates andava pelas ruas de Atenas fazendo perguntas para seus concidadãos, ele se justificava dizendo que era um parteiro de ideias, tal como sua mãe exerceu a mesma atividade antes dele. Pois então cabe a pergunta: como nascem as ideias? Por que a mortalidade de ideias é tão alta hoje? Como fazer o devido pré-natal e cuidar para que elas não morram antes de atingir a vida adulta? Que se torna a ideia, na vida adulta?

Se, tal como Deleuze disse no Abecedário, todo conceito nasce para responder a uma pergunta, a resposta para nossas perguntas está exemplificada no próprio ato de responder. Precisamos de um conceito – ideia composta e amadurecida? – para responder estas perguntas: precisamos de um Berçário de Ideias."

Berçário de Ideias



“Pilares da Criação”, Nebulosa da Águia, M16

Mamãe, como nascem as ideias?”

– por Rafael Trindade e Augusto Viodres


Quando Sócrates andava pelas ruas de Atenas fazendo perguntas para seus concidadãos, ele se justificava dizendo que era um parteiro de ideias, tal como sua mãe exerceu a mesma atividade antes dele. Pois então cabe a pergunta: como nascem as ideias? Por que a mortalidade de ideias é tão alta hoje? Como fazer o devido pré-natal e cuidar para que elas não morram antes de atingir a vida adulta? Que se torna a ideia, na vida adulta?


Se, tal como Deleuze disse no Abecedário, todo conceito nasce para responder a uma pergunta, a resposta para nossas perguntas está exemplificada no próprio ato de responder. Precisamos de um conceito – ideia composta e amadurecida? – para responder estas perguntas: precisamos de um Berçário de Ideias.


Toda ideia nasce de um encontro. A mente é paralela ao corpo, ou seja, o ato de pensar está diretamente relacionado com o ato de viver, ser, agir, estar. Um corpo doente terá ideias doentes, um corpo sadio terá ideias sadias. A ideia de Pulsão de Morte nasce do encontro de Freud com seu câncer; a ideia de Eterno Retorno nasce do encontro de Nietzsche com as montanhas de Sils-Maria; as ideias de Anti-Édipo nascem do encontro de Deleuze e Guattari no pós-maio de 68.


Toda ideia nasce do encontro e, algumas delas, desenvolvem-se em conceitos. Sendo assim, se o trabalho do filósofo é criar conceitos (veja aqui), a prática do filósofo é realizar encontros, desenvolver e cuidar de ideias. Sócrates praticava a maiêutica, mas muitas vezes forçava o parto com um fórceps. Doía, era na hora errada, sangrava, traumatizava e algumas ideias morriam no parto. Nós queremos um parto humanizado de ideias: natural, se possível com uma dola ou duas, na banheira, tudo a seu tempo. Da mesma forma que o bebê sabe a hora que quer nascer – naturalidade por vezes interrompida pela cesariana que o médico marcou – uma ideia também sabe a hora que quer vir à luz.

Somos filósofos, temos o desejo de ficarmos grávidos de ideias. Vamos ao médico fazer o pré-natal e vemos nossas ideias no ultrassom, ouvimos seu coração e nos emocionamos. E seu desenvolvimento se dá parte por parte, nunca uma ideia vem inteira: num dia é possível ver o pé, de algo que quer caminhar; no outro, pode-se ver a mão e os dedos, que já apontam para alguma direção; em seguida, vê-se um confuso rosto, ainda sem identidade mas cheio de possibilidades. Dá vontade de chorar. Quando as ideias nascem, as deixamos no berçário de ideias, junto com seus coleguinhas recém-nascidos.


Se os bebês humanos são os mamíferos mais dependentes na hora que nascem, necessitando de cuidado integral, reconhecemos que as ideias também precisam de toda nossa atenção. Limpamos seus pleonasmos, aparamos suas onomatopeias, perfumamos suas metáforas, abotoamos suas metonímias e amamentamos suas ironias. Toda ideia precisa de cuidado até atingir sua maioridade – pode se tornar conceito, fantasia, projeto, delírio, poesia – e viver por conta própria, provavelmente com outras ideias com que fez amizade enquanto crescia e que juntos se compõe e dialogam.


Cuidamos de nossas ideias com amor e carinho, como se fossem nós próprios. Não deixamos ideias na lixeira para que outros possam adotá-los! Muito pelo contrário! Adotamos ideias dos outros e cuidamos das de nossos amigos no fim de semana. Admitimos até que, por vezes, mimamos demais as ideias, elas ficam gordinhas e rechonchudas.


Então, um belo dia, chega a hora da despedida. Um livro não é escrito para ficar fechado na estante, o mesmo vale para os conceitos que se desenvolvem das ideias que criamos com tanto amor e carinho. É nosso, esteve em nosso corpo por meses, os seguramos nos braços, investimos tempo e dinheiro, mas é também do outro. É preciso aprender a se separar. Cuidamos de uma ideia para dá-la, quando mais amadurecida, tornada algo mais, ao mundo. Cuidar é preparar-se para se separar. Dói, mas é o mais correto a se fazer.


Levar a potência de uma criação conceitual ao máximo é a função do Berçário de Ideias. Olhar, trocar sua fralda, amamentá-la. É desta forma que uma ideia cresce em conceito e nos ultrapassa. É sempre um orgulho ver um conceito andar com suas próprias pernas. Não queremos que ideias morram ou cresçam fracas e desnutridas.


O Berçário de Ideias é nossa resposta para a alta taxa de mortalidade de ideias hoje. Em nossa página – resultado de uma ideia amadurecida e carinhosamente cuidada – você encontra várias delas correndo pelos textos e brincado por aí, conversando com conceitos de mais idade, é uma alegria. Muitas outras páginas são outros universos onde isso acontece. A internet é este grande big bang em expansão onde todos se situam. Nós somos apenas uma galáxia que cria e cuida de ideias e conceitos. É uma honra e um prazer.



“Berçário de Estrelas”, Nebulosa de Órion, foto tirada pelo telescópio Hubble

Fonte: Razão Inadequada

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