junho 05, 2015

"Enchentes: um sinal de alerta no uso emergencial dos recursos públicos", por Valter Calheiros (Amazonas Atual)

PICICA: "Em breve análise dos 113 anos de coleta de registros das enchentes e vazantes do Rio Negro realizado no Porto de Manaus, destacamos que 07 vezes (6,2%) o rio parou de subir no mês de maio, 84 vezes (74,3%) no mês de junho e 22 vezes (19,5%) no mês de julho. Nos 10 registros de maiores cheias, contando que neste ano o rio pare de subir no mês de junho, as águas pararam de subir 01 vez no final do mês de maio, 06 vezes no mês de junho e 03 vezes no mês de julho, sendo que nos anos de 1972 (cota máxima: 28,70m) e 1986 (cota máxima: 28,14m) a subida do rio parou no dia 16 de julho.

Além dos números, poderíamos ter registros mais esclarecedores, mas nossas Universidades, Institutos e Agências de Desenvolvimento do governo ainda não despertaram para incentivar um número maior de Técnicos em Hidrologia, Metereologia, Climatologia, Geologia e assim viabilizar estudos referentes aos fenômenos climáticos que influenciam as cheias e vazantes dos rios. Outras respostas poderiam vir da soma do conhecimento tradicional do caboco e do índio amazônico com as novas tecnologias."

Enchentes: um sinal de alerta no uso emergencial dos recursos públicos


Por Valter Calheiros, especial para o AMAZONAS ATUAL

MANAUS – É tempo das águas altas! Época em que os principais rios da região invadem as áreas baixas da capital amazonense e mais da metade das cidades do interior do estado. Até aí nenhuma novidade, pois esse é o ritmo natural dos rios Amazonas, Solimões, Madeira e Negro.

Em Manaus a subida diária do rio Negro se aproxima da grande enchente de 2012 que alcançou o nível recorde de 29,97 metros acima do nível do mar. Neste momento a cota máxima registra 29,41m com as águas avançando na orla de cidade. A Defesa Civil de Manaus registra áreas alagadas no centro da cidade nas Ruas Barão de São Domingos e dos Barés e nos bairros de Aparecida, Betânia, Cachoeirinha, Colônia Antonio Aleixo, Educandos, Mauazinho, Presidente Vargas, Raiz, Santo Antônio, São Jorge, Tarumã, dentre outros.

Sem pretensão de oferecer uma análise mais aprofundada do tema, mas tendo o objetivo de divulgar os números já pesquisados, selecionamos dados históricos com as 10 maiores enchentes e as 10 maiores vazantes monitoradas no rio Negro desde o ano de 1902 no Porto de Manaus.

Enchentes-dados

Em breve análise dos 113 anos de coleta de registros das enchentes e vazantes do Rio Negro realizado no Porto de Manaus, destacamos que 07 vezes (6,2%) o rio parou de subir no mês de maio, 84 vezes (74,3%) no mês de junho e 22 vezes (19,5%) no mês de julho. Nos 10 registros de maiores cheias, contando que neste ano o rio pare de subir no mês de junho, as águas pararam de subir 01 vez no final do mês de maio, 06 vezes no mês de junho e 03 vezes no mês de julho, sendo que nos anos de 1972 (cota máxima: 28,70m) e 1986 (cota máxima: 28,14m) a subida do rio parou no dia 16 de julho.

Além dos números, poderíamos ter registros mais esclarecedores, mas nossas Universidades, Institutos e Agências de Desenvolvimento do governo ainda não despertaram para incentivar um número maior de Técnicos em Hidrologia, Metereologia, Climatologia, Geologia e assim viabilizar estudos referentes aos fenômenos climáticos que influenciam as cheias e vazantes dos rios. Outras respostas poderiam vir da soma do conhecimento tradicional do caboco e do índio amazônico com as novas tecnologias.

A cada ano as populações que habitam nas margens dos rios e igarapés revivem as mesmas angustias. Como impedir um desastre maior? Até quando vamos desafiar a natureza ao implantar projetos que degradam o meio ambiente como é o caso das hidrelétricas de Santo Antonio e Jirau no Rio Madeira e Belo Monte no Rio Xingu. Na zona rural de Manaus o governo do Amazonas insiste em querer implantar projetos em terras de populações ribeirinhas que tradicionalmente habitam Comunidades na região do Puraquequara. Será que tudo isso é castigo de Deus e por isso está mandando muita água para nos afogar? São perguntas que toda a sociedade deve se empenhar em responder.

No centro da capital na região conhecida como Manaus Moderna, passarelas estão sendo montadas para possibilitar o acesso ao comercio, ao embarque e desembarque de passageiros e mercadorias nos barcos que atracam no porto da Escadaria dos Remédios. No entanto, a invasão das águas produz péssimas condições para o manuseio de alimentos como o peixe, carne e frutas que são comercializadas na área.

Nesta época os nossos rios também invadem as páginas dos noticiários locais e nacionais que retratam da vida, do sofrimento e do jeito de nosso povo ao enfrentar a natureza e os ciclos das águas. Também são realizadas campanhas humanitárias que buscam arrecadar principalmente alimentos, filtros de água, medicamentos, colchões, redes e mosquiteiros.

Este ano segundo a Defesa Civil do Estado mais da metade dos municípios do Amazonas já estão em situação de emergência, outros em estado de alerta e a cidade de Boca do Acre se encontra em estado de Calamidade Pública. Assim, em caráter de emergência estão sendo realizados investimentos governamentais destinados à habitação, medicamentos, transporte e para construção de vias de acesso nas áreas submersas com a invasão das águas. Mas, lamentavelmente as razões das medidas de emergência alcançam tão somente este período, pois são burocratizadas ou esquecidas na vazante.

Acostumado ao ritmo amazônico em que as águas ditam as normas da vida, o cidadão vítima da enchente pede por SOCORRO. Mas, desconfia que possa assistir o seu sofrimento ser motivo para respaldar o uso de recursos públicos de forma emergencial, pois este modelo de planejamento é com freqüência associado a casos de corrupção. Calejado de tantas histórias em que o dinheiro do povo é roubado, o caboco anda desconfiado que a emergência venha somente beneficiar agentes públicos, que de plantão, ansiosos aguardam a enchente chegar.

Oferecer apoio aos que estão sofrendo com o avanço das águas é dever de toda a sociedade! Mas, a cada enchente a situação parece ser nova, desconhecida e  sem um planejamento adequado. Com este cenário, Manaus precisa incluir em sua rotina política, social e econômica uma visão de futuro, priorizando avanços na educação, saúde, segurança, ciência e tecnologia. Precisa despertar para a criatividade e inovação com melhoria das condições de vida de seu povo. O incentivo na efetivação de uma economia voltada para as vocações regionais pode ser determinantes para as mudanças que se fazem necessárias.

No entanto, o modelo de política planejado para a nossa gente está voltada para a continuidade dos desmandos da classe política dominante, que sempre produz argumentos suficientes para manter o pires na mão e com o arrecadado gastar o dinheiro do povo somente em dúzias e dúzias de tábuas e pregos, sem considerar que os recursos econômicos distribuídos para diminuir o sofrimento da população, são oriundos do trabalho e suor do próprio povo que se vira para pagar diariamente uma dezena de impostos.

Neste momento, se torna necessário reforçar a vigilância com o dinheiro publico, para evitar que gestores públicos transformem o esforço destinado às emergências em uma grande passarela e nela brilhar com as luzes dos holofotes e publicá-las nas mídias, fazendo do sofrimento do povo motivo de redenção administrativa e glória política. Isso nos leva a fomentar um maior empenho da sociedade, pois o decreto de emergência que desburocratiza o uso do dinheiro, também pode ser um sinal de alerta para o uso indevido dos recursos públicos.

Fico a imaginar o que pensa o “caboco” ao indagar qual será a situação de emergência que os levará novamente às manchetes dos jornais? Pois bem, o “caboco” sabe que com a descida das águas ninguém mais estará interessado em saber como ele fez para subir o assoalho da casa, salvar suas galinhas, patos, porcos, vacas, cachorros, cunhatãs e curumins!

Valter Calheiros é educador salesiano, pesquisador e fotógrafo do Movimento Socioambiental 
SOS Encontro das Águas. Graduado em Teologia pela Universidade Católica Santa Úrsula/
Centro de Estudos do Comportamento Humano/CENESC/AM, Pós-Graduado em Pesquisa e Ação Social 
pela Faculdade Tahirih – Manaus/Amazonas. (Autor das imagens deste post)
 
Fonte: Amazonas Atual 

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