Nota do blog: Leiam as cartas que foram publicadas e as que ainda não foram publicadas na Folha "Ditabranda" de São Paulo, depois do artigo agressivo de Ferreira Gullar contra a Reforma Psiquiátrica brasileira.
Uma lei aquém da legítima Reforma Psiquiátrica*
Na década de 90, foi proposto, pelo movimento social da Luta Antimanicomial, uma lei federal de Reforma Psiquiátrica que, há 10 anos transitando no Congresso, foi aprovada em 06 de abril de 2001, por ocasião do lançamento do filme “Bicho de sete cabeças” em que o protagonista, Austragésilo Carrano, nos mostra cenas de sua internação involuntária, em um hospital psiquiátrico, sendo que o mesmo nem era portador de sofrimento mental e, sim, usuário de drogas.
Muito do texto original foi perdido nesse tempo em que a lei transitou no Congresso, embora, em alguns estados, algo pode ser recuperado em suas leis estaduais.
A palavra de ordem do movimento da Luta Antimanicomial “Por uma sociedade sem manicômios” vai muito além do fechamento de hospitais psiquiátricos. Ela propõe a desconstrução do conceito manicômio, que como nos alerta Basaglia, pioneiro da Reforma Psiquiátrica que queremos, é todo o exercício de poder que segrega, exclui, oprime.
Convidamos a sociedade a se responsabilizar pelo convívio com a loucura, não, enquanto reduzida a parâmetros de normalidade e, sim, enquanto diferença, naquilo em que se mostra irredutível.
Para isso, foi e continua sendo implantada uma rede de assistência à saúde mental, preconizada pelo SUS, enquanto direito à saúde, que oferece atendimento às crises psiquiátricas, nos chamados CAPS, estendendo esse atendimento de forma ambulatorial na atenção primária.
Em um resgate do direito de circulação da loucura pela cidade são oferecidos Centros de Convivência, onde o convívio se constrói entre oficinas de arte e artesanato. E para aqueles pacientes com longa permanência em hospitais psiquiátricos e que perderam seu vínculo com a família são oferecidas Residências Terapêuticas para que o mesmo não apenas volte ao convívio na cidade como realize, incluído nela, o seu tratamento em regime aberto.
Com o funcionamento destes serviços foi possível desmistificar alguns mitos como a periculosidade dos loucos, sua incapacidade, bem como, a rejeição da família. Embora tenha uma minoria que prefira se ver livre de seu parente em crise, na grande maioria dos casos, o que se observa é um cuidado e o interesse de se manter junto ao seu parente.
Em maio de 2008, na capital mineira, foi realizado um evento de extrema importância e sensibilidade, a Mostra de Arte Insensata, em que muitos trabalhos produzidos pelos usuários dos serviços substitutivos ao hospital psiquiátrico puderam ser expostos em diálogo com a sociedade. Convidada a repensar sua relação com a loucura, os usuários da saúde mental puderam apresentar outras identidades que não aquelas referidas à doença mental onde, há 300 anos atrás, a Psiquiatria assenhoreando-se da loucura a manteve presa.
Convidados, os usuários, a serem protagonistas, dentro dos princípios que regem a Reforma Psiquiátrica, a liberdade e a cidadania, por exemplo, não éramos somente bem cuidados, como em gaiolas de ouro que nos oferecem salas de jogos, cinema, teatro... éramos nós que produzíamos.
Produzíamos novos ordenamentos, novas identidades, com a presença ilustre de Tom Zé, Sérgio Mambert, Dona Jandira, Babilak Bah, Cia Reviu a Volta e tantos outros artistas, loucos ou não.
Por esta e tantas outras ousadias, e sabendo que muito ainda precisa ser feito, é que estamos de parabéns!
Sílvia Maria Soares Ferreira
***
REFLEXÕES PARA O PAI/POETA
Caro poeta, você está passando pelo que todos nós já passamos. Isto não é exclusividade sua. Só o que tenho a lamentar é que, ainda não tenha se encontrado... Você, como bom virginiano, como eu, deveria estar mais atento e informado. Não me parece possível que até hoje, desconheça os avanços que temos alcançado e o reconhecimento obtido com a nossa lei de reforma psiquiátrica. Nestes meus vinte e sete anos de buscas e procuras, com relação ao meu filho, esquizofrênico, tudo, sem o menor resultado, passei por todas essas etapas, das quais você fala: hospitais particulares; clínicas, idem; hospitais públicos; médicos particulares e, por isso sei, o quanto dói a um pai, ou, no meu caso, uma mãe, ter que internar um filho. Quando o internei pela primeira vez, ele estava com vinte anos, hoje, tem quarenta e sete. Foi só depois que, o institucionalizei, como ele diz, querendo significar com isso, que comecei a tratá-lo nos CAPS, foi que pude encontrar um chão, onde pudesse me equilibrar. Passamos mais de vinte anos, a andar em círculos, como você parece estar, ainda. Até que, no ano de 2003, num de seus piores surtos, a conselho de amigos psicólogos e psiquiatras, procurei ajuda num CAPS, tratamento no qual, como você, eu absolutamente, não acreditava, pois, nas inúmeras internações, naturalmente, involuntárias, que ele havia sofrido, eu sempre tive que chamar uma ambulância, que vinha acompanhada da polícia. Por essa razão, não via como pudesse levá-lo a ser tratado em um dos serviços abertos. Internaram-nos a nós ambos, ele e eu, no CAPS III de nossa cidade, onde permanecemos por vinte e três dias. Foi exatamente ali que começou a grande transformação, a nossa mudança... Inicialmente, aquela experiência, me pareceu terrível, mas, foi somente a partir dela que, pudemos nos reconciliar e voltar a ser – mãe e filho. Hoje posso dizer, após tudo isto, sem o menor resquício de medo, que o que veio depois, foi um verdadeiro milagre. Mal posso acreditar que, durante estes últimos seis anos, meu filho passou a aceitar livremente, a medicação prescrita por sua médica psiquiatra e, inclusive, vai às suas consultas, sozinho e, por sua livre e espontânea vontade. A gente acaba por aprender que o bolo, tem que ser feito, sem receita alguma (coloca-se mais um ovo, um pouco mais de leite, menos farinha, etc.), como dizia nosso amigo, o psiquiatra Jairo Goldberg. É o método da experiência, da tentativa e do erro, É um caminho, sem setas indicativas. É um arriscar-se, um salto no escuro...Caro poeta, você me passa a impressão de estar perdido, como uma nau sem rumo, dependendo exclusivamente, da correnteza, mas, insisto: Não desista! A doença mental é uma incógnita, Ferreira Gullar, sempre a nos surpreender. Portanto, a única certeza que podemos ter, é a certeza da desordem e do inesperado. E, é com isto, que precisamos conviver... Boa sorte Ferreira Gullar
Dulce Edie Pedro dos Santos
***
PAINEL DO LEITOR (versão impressa)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1504200910.htm
O "Painel do Leitor" recebe colaborações por e-mail (leitor@uol.com.br), fax (0/xx/11/3223-1644) e correio (al.Barão de Limeira, 425, 4º andar, São Paulo-SP, CEP 01202-900). As mensagens devem ser concisas e conter nome completo, endereço e telefone. A Folha se reserva o direito de publicar trechos. Leia mais cartas na Folha Online www.folha.com.br/paineldoleitor
Hospitais psiquiátricos
"A sobriedade de Ferreira Gullar em sua coluna é rara nos jornais ("Uma lei errada", Ilustrada, 12/4).Os hospitais-dia e os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) têm sua função e devem atender a pacientes psiquiátricos cuja patologia permita parte da jornada em suas próprias casas, contudo o fechamento indiscriminado de leitos psiquiátricos na rede pública impede a abordagem de pacientes nos quais a ação médica deve ser incisiva. A internação prolongada é prescindível com as medicações de que dispomos atualmente. A classe média merece refletir sobre a questão psiquiátrica sem vieses políticos e de classe."
LUÍS FERNANDO DE ARAÚJO, psiquiatra (São Paulo, SP)
"Como pai, a dor expressada por Ferreira Gullar merece todo o respeito. Mas, como pessoa pública, ele faz exatamente aquilo que crítica em seu artigo: adere sem refletir e examinar detidamente o problema que apresenta.Sua opinião carece de fundamentos científico e empírico sobre as formas de atenção a pessoas com sofrimento mental e sobre as políticas públicas nessa área. O autor desconhece a história dos movimentos pela extinção dos manicômios e pela reforma psiquiátrica brasileira, que defendem a internação, quando necessária, em serviços preocupados com reabilitação (hospitais gerais, entre outros), ao contrário das instituições asilares, que cronificam sofrimentos e intensificam a segregação.Os problemas que vimos enfrentando, como ele menciona, e que tanto nos afligem são efeitos de um conjunto muito mais complexo de fatores do que de uma lei que nem sequer foi aprovada na íntegra."
IANNI REGIA SCARCELLI, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, membro da Associação Brasileira de Saúde Mental -Abrasme (São Paulo, SP)
"O artigo de Ferreira Gullar equivoca-se ao qualificar de "errada" a lei 10.216/01, marco da reforma psiquiátrica no Brasil. Ao contrário de equivocar-se, a lei acerta em cheio ao introduzir um novo olhar sobre a loucura. Um olhar humanizado, que concebe o sujeito portador de sofrimento mental não mais como mero objeto de tutela, mas como sujeito de direitos. É o conceito de cidadania introduzido à loucura. Diferentemente do que foi dito, a lei não acaba com as internações psiquiátricas, mas as regulamenta. Em vez de ser tida como a principal alternativa terapêutica, a internação psiquiátrica passa a ser o derradeiro recurso, usado quando outras terapias ambulatoriais se mostrarem ineficazes.Ao repudiar as instituições totais como o principal tratamento da loucura, a lei agrega à sociedade o portador de sofrimento mental, possibilitando o exercício das diferenças na vida social, justamente o que se espera de um Estado democrático de Direito."
MARIA FERNANDA DOS SANTOS ELIAS MAGLIO, defensora pública (São Paulo, SP)
"Expresso aqui minha concordância em relação ao artigo de Ferreira Gullar. Sou pai de um jovem de 21 anos que vem de um surto psicótico, diagnosticado como esquizofrenia, e, por total incapacidade de controle e de ação, me vi obrigado a interná-lo. Não o fiz por recreação nem para me livrar do "problema". Não foi essa minha intensão. Queria tão-somente tratá-lo -e, por que não dizer?, me tratar, pois desconhecia até aquele momento o que era. Se a estrutura pública inexiste -bem o sei, ainda que tenha tido num primeiro momento o atendimento do Samu e do Pinel-, como disse Gullar, a ausência de serviços públicos dignos para atender uma população estimada em 800 mil pessoas merece ser considerada pelo poder público, e não ser objeto da ganância e da especulação de "clínicas para tratamento de louco"."
LUIZ ANTÔNIO DE SOUZA (Rio de Janeiro, RJ)
"Perfeito o texto de Gullar. Mostra conhecimento de causa. Já o admirava como poeta e admiro-o por sua lucidez. Sou psiquiatra de hospital público e, de dentro do "problema", me senti representada por ele. Vivemos um tempo em que o "sucesso" do tratamento é auferido pela brevidade da permanência do paciente no hospital, e não pela eficácia duradoura dos resultados."
MARGARETH RAHMÉ, psiquiatra (São Paulo, SP)
***
PAINEL DO LEITOR (versão eletrônica)
http://www1.folha.uol.com.br/folha/paineldoleitor/ult10077u550725.shtml
Hospitais psiquiátricos
"Ferreira Gullar ( Ilustrada, 12/4) merece todo o respeito pelo depoimento tocante que deu, como pai, sobre a legislação contrária aos hospitais psiquiátricos. Sem tomar partido nessa discussão, o que acho importante é justamente o debate. O Brasil aprovou nos últimos anos quatro leis importantes, das quais apoio três incondicionalmente (a paulistana Cidade Limpa e as federais do ciclo fundamental de ensino de 9 anos, a lei seca e a Maria da Penha), mas eu, que leio jornais, só soube delas depois de estarem em vigor. Isso é um absurdo, porque todas elas exigem ampla discussão prévia, uma vez que afetam a todos nós. Espero que a cobertura, ainda que só na última semana, da lei paulista antitabaco e o debate suscitado por Ferreira Gullar comecem um controle maior da cidadania e da opinião pública sobre as leis que nos regem. Não importa tanto que a lei seja perfeita. Importa que não nos colha de surpresa."
RENATO JANINE RIBEIRO, professor titular de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo (São Paulo, SP)
*
"Não poderia deixar de calar-me diante da clareza e profundidade alcançadas por Gullar em sua análise relacionada à forma equivocada de implantação da lei 10.216/01, que disciplina a assistência psiquiátrica no país. O Ministério da Saúde deveria criar serviços alternativos e complementares à internação para beneficiar uma parcela crescente de usuários antes de destruir os leitos psiquiátricos, cada vez mais raros. Enquanto nos EUA a atenção psiquiátrica é considerada procedimento de alta complexidade, no Brasil o que se tem é abandono e desassistência, com raras exceções."
RICARDO N. TEIXEIRA MENDES, coordenador do Departamento de Saúde Mental do Sindhosp --Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Laboratórios do Estado de São Paulo (São Paulo, SP)
*
"O sr. Ferreira Gullar é lamentável na sua arrogância e desinformação. Passa por cima de 25 anos de SUS, de reforma psiquiátrica no Brasil, das convenções internacionais sobre atenção às pessoas em sofrimento psíquico, cuja lista ocuparia muito espaço. Para citar uma: a Declaração de Caracas de 1990, da qual o Brasil é signatário. Gullar joga com seu lugar de jornalista para desfiar uma história pessoal, parcial e nada transparente.Se hoje existe desatenção na rede pública não é por falta de lutas e de reclamos daqueles que há anos vêm atuando na luta por melhores e maiores atendimentos.Gullar deveria exigir à atual prefeitura que obedeça ao Ministério Público, que já a denunciou como cúmplice do déficit de equipamentos de tratamento indicados pela própria lei.Se mantivermos o debate no nível que o senhor Gullar propõe, perguntaria se alguma vez ele se implicou nessa luta."
ISABEL MARAZINA, psicanalista e supervisora na rede de saúde mental pública (São Paulo, SP)
*
"O artigo de Ferreira Gullar mostra o seu total desconhecimento em relação à reforma psiquiátrica. A citada lei 10.216/01 não prevê total extinção dos hospitais psiquiátricos. Como trabalhador na área de saúde mental, já conheci hospitais públicos vergonhosos, que por isso, sim, foram fechados. Mas também há bons hospitais. A atual política de saúde mental ainda tem muito a ser melhorada, mas apresenta, sim, quando praticada com técnica e ética, bons resultados, principalmente quando familiares são inseridos no tratamento em vez de apenas deixarem seus parentes no local de tratamento e irem embora.Diferentemente do que disse o sr. Marcos Aurélio Martins Ribeiro ('Painel do Leitor', 13/4), sempre será necessário a figura do psiquiatra nos cuidados da saúde mental, mas que estejam realmente engajados em um trabalho diferenciado que não busca apenas a medicalização. Uma das dificuldades dos serviços substitutivos é de ter um psiquiatra que esteja ali no dia a dia, trabalhando em grupos e realmente conhecendo os usuários e seus convivas. Na verdade, eles vão, atendem, prescrevem e vão embora, como em um ambulatório qualquer. Isso porque trabalham em vários locais diferentes e também pela formação acadêmica, que ainda ensina que o melhor remédio é o modelo que ainda persiste: remédios e internações longas."
MARCEL VALOIS CHUCRE (Santana de Parnaíba, SP)
*
"O poeta Ferreira Gullar certa vez escreveu assim:
'Traduzir-se
Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.
Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.
Uma parte de mim
pesa, pondera
:outra parte
delira.
Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.
Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.
Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.
Traduzir uma parte
na outra parte-
-que é uma questão
de vida ou morte-
-será arte?'
Quero acreditar que quem escreveu a coluna deste domingo de páscoa tenha sido apenas uma parte de Gullar. Uma parte que não conhece os enormes avanços que a reforma psiquiátrica brasileira e a lei (à qual ele se referiu como idiota) puderam fazer na vida e na história dos milhares de familiares e usuários com os quais lidamos no nosso dia a dia de trabalhadores da saúde mental. Antes dessa lei --que não foi daquelas que surgiu de trás da orelha de um cretino qualquer, mas resultado de um processo de mais de dez anos de discussão, luta, enfrentamentos e negociações--, familiares e pacientes tinham no manicômio o único modo de ter e de oferecer 'tratamento' para suas loucuras ou doenças mentais. A mesma parte que desconhece que existem, sim, em nosso país e em outros manicômios --com este nome ou com outros mais amenos--, que continuam a ferir direitos mínimos aos seus 'frequentadores'. Manicômios que ainda mantêm pessoas encarceradas por 20, 30 ou mais anos, condenadas à reclusão simplesmente pelo fato de serem doentes mentais.
Não quero acreditar que um poeta sensível como Gullar consiga enxergar na doença de seus filhos somente pessoas dispostas a matar ou morrer quando estão em crise. Outra parte do poeta, certamente, conhece muitas outras facetas e singularidades que só quem convive de perto com a esquizofrenia ou com outras doenças mentais pode experimentar.
Por isso minha carta é um convite para que escute a outra parte de si mesmo e desta história, que contou de maneira rasteira e parcial. Uma história que tem lá suas dificuldades e imperfeições (e bem sabe o poeta que num mundo perfeito não haveriam poetas), mas é uma história bonita e legítima e que merece no mínimo respeito. Convido outra parte do poeta a conhecer um Caps (ou serviço deste tipo) e escutar o depoimento de usuários e familiares que lá frequentam e que puderam mudar suas histórias por causa das transformações que esta lei provocou em suas vidas."
RITA DE CÁSSIA DE A. ALMEIDA, trabalhadora de Caps e militante da reforma psiquiátrica brasileira há 12 anos (Juiz de Fora, MG)
*
"Parabéns ao poeta Ferreira Gullar por sua coluna do domingo de Páscoa, pois já estava mais do que na hora de colocar em evidência a triste situação da assistência psiquiátrica no Brasil, decorrente de uma política de saúde mental governamental equivocada. Pesquisas recentes demonstraram que a maioria dos moradores de rua são portadores de doença mental. Ou seja, não vivem nas ruas por opção, mas estão abandonados à própria sorte. Isso porque os Caps (Centros de Atenção de Psicossocial), que deveriam ser o pilar do sistema, encontram-se desestruturados, muitos sem nenhum médico psiquiatra. Além de limitar o número de leitos psiquiátricos, a remuneração paga pelo SUS inviabilizou na prática a existência dos hospitais psiquiátricos. O movimento antimanicomial se transformou em antipsiquiatria. Esta visão obscurantista impede que os pacientes do SUS tenham acesso a tratamentos como a eletroconvulsoterapia, que, em determinados casos, pode significar a diferença entre a vida e a morte de um paciente em depressão. A psiquiatria deve estar organizada no SUS do mesmo modo que as demais especialidades médicas. É urgente uma nova da política de saúde mental para o Brasil com base na evidência médica e científica, e não mais em posições político-ideológicas."
WALTER CINTRA FERREIRA JUNIOR, diretor executivo do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (São Paulo, SP)
*
"Ferreira Gullar erra ao dizer que o tratamento ambulatorial para doentes psiquiátricos em hospitais-dia se destine somente a casos leves. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) atendem casos graves e utilizam todo o arsenal terapêutico moderno que ele descreve. Mas vão além ao proporem estratégias que valorizam o potencial produtivo e criativo de cada paciente. Por conta desta abordagem integral e integrativa, as internações, antes frequentes, tornam-se raras. Testados nos últimos 20 anos, os Caps já provaram que funcionam.Convido o poeta a conhecer o Caps em que trabalho."
JOSÉ MARCOS THALENBERG, médico clínico do Caps Itapeva (São Paulo, SP)
*
"Durante longos anos, como médico psiquiatra, exerci minha profissão assistindo doentes mentais e, mesmo como testemunha dos imensos progressos farmacoterápicos, nunca deixei de internar aqueles que durante crises agudas sofriam acima de suas forças, mortificando seus familiares. Foi com emoção e admirada solidariedade que li o artigo de Ferreira Gullar, lamentando não ter sua magnífica pena ao nosso lado no tempo das batalhas, quando com outros caros colegas perdemos leitos e hospitais públicos ou conveniados com o SUS para os seguidores do fracassado modelo Basaglia."
BENEDICTO ARTHUR SAMPAIO (São Paulo, SP)
*
"Há cerca de 30 anos acompanho e vivencio as consequências da política de saúde mental no Brasil e em especial na minha região. É com base nessa experiência que consinto com o artigo de Ferreira Gullar. Quem vive a realidade da situação de abandono desse numeroso contingente populacional, pode compreender o significado das tristes verdades que o autor trouxe à baila. Também tenho constatado o desaparecimento progressivo de pacientes, vítimas de atropelamentos, homicídios e suicídios. Seria essa uma forma de 'solução final tupiniquim'? Tomara que tenha chegado a hora, ainda que tardia, da sociedade rever a reforma psiquiátrica."
LOUSTON CASTILHO NOBRE VIEIRA, médico psiquiatra (Patrocínio, MG)
*
"Impressionado com a repercussão causada pelo artigo de Ferreira Gullar, constato que a maioria das opiniões a respeito do tema abordam o mesmo por partes, o que é um equívoco. Em primeiro lugar, é preciso que se saiba que a psiquiatria trata de inúmeras patologias diferentes, o que requer tratamento diferentes para cada uma delas. Além do mais, um mesmo paciente pode viver momentos diferentes dentro de sua história de doença, como bem disse o poeta. Um esquizofrênico em surto necessita de hospitalização, porém, quando ele sair do surto, vai precisar de acompanhamento ambulatorial. Isso também pode acontecer com um dependente químico ou com um portador de psicoses afetivas. Assim, o que se preconiza é uma rede assistencial integrada, que englobe hospital psiquiátrico (de preferência, unidade psiquiátrica em hospital geral), hospital-dia (etapa intermediária entre o hospital fechado e o Caps), Centro de Atenção Psicossocial (Caps) e ambulatório de saúde mental (onde o paciente vai ter consultas periódicas para não deixar o tratamento pela metade). Tal rede tem que funcionar integradamente, isto é, todas as estruturas acima devem estar em perfeita sintonia para que o paciente seja mais bem tratado. O grande pecado da assistência psiquiátrica do Brasil é que ainda não se construiu tal rede, sendo que o Ministério da Saúde, assim como a Folha já demonstrou em matérias anteriores, reconhece que o país não tem uma estrutura mínima de tratamento para dependentes químicos. De qualquer maneira, é importante que se debata muito sobre tal assunto, para que a 'esquizofrenia' (mente dividida) não continue a prevalecer no imaginário do nosso povo."
JOSÉ ELIAS AIEX NETO (Foz do Iguaçu, PR)
2 comentários:
Parabéns ao Ferreira Gullar!
É a voz voz dos que sofrem em silencio que finalmente se faz ouvir!
Chega de demagogia!
Doença mental é como qualquer outra. A inexistencia de hospitais nos remete a um tempo anterior à Idade Média.A Psiquiatria pertence à Medicina como a cardiologia, a nefrologia ou a pneumologia!
Por que não se preocupam com a cidadania dos cardiopatas? Tiram-lhes a opção de morrer em paz, prolongando-lhes a vida através de mil manobras e equipamentos ressuscitadores. Abaixo, pois, os hospitais cardiologicos também!
Foi muito???
Pimenta nos olhos dos outros é refresco!
Enquanto os coitados dos enfermos ficam abandonados à propria sorte, os autodenominados reformistas ficam trocando reciprocamente elogios e louvando suas iniciativas.
Viva Ferreira Gullar.
A criatura anônima que escreveu o comentário elogiando o Ferreira Gullar foi identificada pelo grupo-em-defesa-sa-reforma-psiquiática. Trata-se de um médico que criou um blog e retirou sua assinatura para não ser identificado. O nome do blog é sugestivo: Contra-Reforma. Como ele não tem coragem de mostrar a cara, espero, a bem do debate (para o qual lhe falta competência), que seus col-eguinhas não queiram entrar nesse "baile de máscaras" e assinem seus artigos e comentários.
Postar um comentário