Para doentes e médicos, documento feito por farmácia estadual de Santos gera preconceito e constrangimento
Carteirinha foi criada por entidade privada que dirige farmácia; Secretaria de Estado da Saúde pediu mudança
RICARDO WESTIN
DE SÃO PAULO
Desde abril, para pegar seus remédios, pacientes da região de Santos (litoral de SP) estão obrigados a apresentar uma carteirinha que denuncia a doença em letras garrafais: esquizofrenia.
O documento de identificação deixou doentes indignados e médicos perplexos.
Para eles, a carteirinha constrange por expor a doença, além de estimular o preconceito -a esquizofrenia ainda é associada à loucura.
"É como se existisse uma tatuagem com o diagnóstico na minha testa e as pessoas dissessem: "Lá vai o esquizofrênico". É uma carteirinha de louco", diz o escritor Edison de Castro, 48, que descobriu ter a doença há 20 anos.
Existem leis nacionais e normas de ética médica que proíbem que os diagnósticos sejam tornados públicos.
Nem o farmacêutico precisa saber qual é a doença que está sendo tratada.
A esquizofrenia é um transtorno mental que, não tratado, desencadeia delírios, alucinações e agressividade. A maioria dos pacientes, porém, consegue mantê-la sob controle com remédios.
Estima-se que, de cada cem pessoas, uma sofra de esquizofrenia -por volta de 1,9 milhão de brasileiros.
"Na maior parte dos casos, você não consegue dizer pela aparência se a pessoa é ou não portadora de esquizofrenia", explica o psiquiatra Jaime Hallak, da USP (Universidade de São Paulo) de Ribeirão Preto. "É um erro exigir que ela exponha seu diagnóstico numa carteirinha. É estigmatizante."
A farmácia estadual de Santos fornece remédios de alto custo gratuitamente a doentes de nove cidades do litoral paulista.
Até abril, bastava ao paciente apresentar o Cartão do SUS para que recebesse seus medicamentos. Naquele mês, a carteirinha foi imposta pela Cruzada Bandeirante São Camilo, a OS (organização social) que administra essa farmácia da Secretaria de Estado da Saúde.
SUBSTITUIÇÃO
Procurada pela Folha, a Cruzada Bandeirante São Camilo não se manifestou. A Secretaria da Saúde disse que só tomou conhecimento das carteirinhas no mês passado e que discorda dela.
De acordo com a secretaria, os documentos serão substituídos por outros sem o nome da doença.
O deputado Fausto Figueira (PT), que preside a Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa de SP, pediu providências contra a carteirinha ao Ministério Público.
Fonte: Folha de S. Paulo
Nota do blog: Um mês depois da informação estar circulando na rede virtual de luta antimanicomial (inclusive com postagem neste blog), agora é a vez da Folha de S. Paulo dar visibilidade a um ato de insanidade institucional: a criação de uma carteirinha de esquizofrênico. Antes tarde...
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