PICICA: “Para recordar que cabe às oposições, como é óbvio e quase ridículo de escrever, se oporem ao governo”, responde FH simplesmente à sua própria indagação. É tão segura a afirmação do ex-presidente, que até poderíamos imaginar que, ao contarmos a um “alienígena” algo sobre a atuação da oposição à época da era-Lula, seguindo apenas tal afirmação, não relataríamos uma oposição perdida em meio à falta de discurso, ao medo de falar e ao papel ridículo que exerceu na quase totalidade do mandato do antecessor de Dilma Rousseff. A frase de FHC, se analisada isoladamente, poderia sugerir que aquela oposição teria sido, sim, marcante, ferrenha, “responsável”, e conduzida de forma sagaz e condizente com a história de um partido que fez “história”, através de um presidente singular. O próprio Fernando Henrique (leiam o artigo), no entanto, reconhece o desastre que foi a oposição engendrada pelo seu partido."
Ajoelhou, tem que rezar, FHC!
por Felipe Salto
“Por que escrevo isso novamente, 35 anos depois?”, questiona-se o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo na revista Interesse Nacional, onde debateu o papel da oposição. Em uma sociedade democrática – que nada mais é do que um estado de equilíbrio constantemente testado – garantir o bom exercício da oposição é garantir as condições mínimas para que este equilíbrio se mantenha vivo e constantemente renovado.
“Para recordar que cabe às oposições, como é óbvio e quase ridículo de escrever, se oporem ao governo”, responde FH simplesmente à sua própria indagação. É tão segura a afirmação do ex-presidente, que até poderíamos imaginar que, ao contarmos a um “alienígena” algo sobre a atuação da oposição à época da era-Lula, seguindo apenas tal afirmação, não relataríamos uma oposição perdida em meio à falta de discurso, ao medo de falar e ao papel ridículo que exerceu na quase totalidade do mandato do antecessor de Dilma Rousseff. A frase de FHC, se analisada isoladamente, poderia sugerir que aquela oposição teria sido, sim, marcante, ferrenha, “responsável”, e conduzida de forma sagaz e condizente com a história de um partido que fez “história”, através de um presidente singular. O próprio Fernando Henrique (leiam o artigo), no entanto, reconhece o desastre que foi a oposição engendrada pelo seu partido.
Ora, por que não se opuseram ao longo de todos estes anos, FHC? Por que ficaram paralizados, o senhor e seu partido, diante dos últimos oito anos? Se “o papel da oposição” parece tão óbvio (e não é?), como pontua, há que se perguntar: por que simplesmente pasmaram diante do mensalão? Não houve reação, não houve discurso para a “classe média”, para “nova classe média”, para a “velha classe média”, para o “povão”, para a “elite”, para os “banqueiros”, para quem quer que fosse… (Aliás, se houve uma má repercussão nos últimos tempos na imprensa escrita, ela ocorreu com essa história de “povão x classe média”… Leiam o artigo de FHC, repito.) Houve, sim, um Roberto Jefferson ridiculamente reinante em meio ao teatro que se plantava em cada reunião das comissões organizadas pelos parlamentares.
E agora, com a campanha presidencial de 2010? Onde esteve o discurso oposicionista? Não esteve, é o que você poderia nos responder. O lulopetismo, quando não o próprio Lula, esteve presente em todos os programas das campanhas eleitorais de todos os candidatos de todos os partidos, inclusive do seu partido. Por que isso? Com tanto para falar, com tanto por mostrar, com tanto por criticar e apontar, com tanto por construir… Resta, sobre isso, lastimar, é fato.
Mas, vamos em frente. Enterremos o passado no passado. Deixemos de lado as discussões sobre o que não nos cabe mais resolver, sobre o que não está mais ao alcance das mãos e das ideias arquitetar e mudar, pensar e fazer. “Vamos olhar à frente”, é o convite que FHC parece deixar implícito nestas longas páginas de um texto mal interpretado pela imprensa, repito, mas bem interpretado por alguns colunistas.
A meu ver, Fernando Henrique está se dirigindo a todos os que estão em desacordo com o projeto empreendido pelo PT há oito anos e que começa, agora, a ser continuado (com mudanças importantes, principalmente no âmbito econômico-ideológico) por Dilma Rousseff.
E se as brigas já instauradas entre José Serra, Geraldo Alckmin e Aécio Neves para disputar eleições estão prejudicando fortemente o PSDB, esta “reconstrução” (ou “retomada”) de ideias e discursos almejada por FHC exigirá grandeza. Não por respeito aos cabelos brancos de quem fala, mas pela demanda de uma sociedade que começa a olhar para a política com novos olhos e a demandar mais do que políticas de transferências de renda, que foram essenciais, cruciais, necessárias, necessárias e necessárias, mas não suficientes.
E como quem sussura, depois vai cantando, “do pianíssimo ao fortíssimo”, rapidamente, até estourar nos ouvidos dos donos do poder, o povo vai cantando “Comida“, do Titãs.
Afinal, isto é uma democracia. E, numa democracia, a voz do povo sempre prevalece. E prevalece mesmo. A sabedoria da política – isto é, a arte da política – talvez esteja nesta percepção, e FHC está tentando dizer isso aos seus. Como a oposição deve comportar-se? Como entender uma sociedade que está mudando, responder a suas demandas, ancorar-se em valores, defender bandeiras importantes, que inspirem confiança e não sirvam simplesmente à ocasião? Um partido não serve simplesmente para fazer oposição! Para gritar (muitas vezes gritar bobagens) em época de eleição! Ele existe para defender valores, projetos, ideais, objetivos, caminhos…
Fernando Henrique segue, ainda sobre a obviedade do papel da oposição: “Mas, para tal, precisam afirmar posições, pois, se não falam em nome de alguma causa, alguma política e alguns valores, as vozes se perdem no burburinho das maledicências diárias sem chegar aos ouvidos do povo.” Isto é, FH resgata simplesmente a definição do que é fazer oposição, numa última tentativa de “chacoalhar a tucanada”, provavelmente, e acordá-la para a necessidade de levantar do período de anestesia pela verdadeira ausência de embate e de contraditório que se viveu nos anos-Lula por culpa total de um ator: Partido da Social Democracia Brasileira – o PSDB. Aliás, partido que deveria, sim, alterar seu nome para qualquer outro que não neste. O Professor Luiz Carlos Bresser-Pereira bem lembrou em entrevista recente ao jornal Valor Econômico que um dos mais incomodados com o nome, quando da fundação do partido, era o saudoso ex-governador Franco Montoro. Ele dizia que o partido não era ligado a movimentos sociais, tampouco aos trabalhadores e que, portanto, havia o risco de um dia um partido com estas características chegar ao poder e implementar uma agenda social-democrata. Batata.
O que é mais social-democrata que o PT no poder? Chegou a hora de o PSDB rever (revisitar?) suas bandeiras, seus conceitos, seus valores, seus programas, suas lutas, seus objetivos, suas crenças, suas marcas, suas promessas, seus planos, seu projeto para a sociedade, para a economia, sua visão de mundo! Qual a visão do PSDB para o Brasil? Qual a alternativa econômica que propõe à sociedade? Qual o caminho possível que ninguém ainda pensou ou que ninguém ainda “pensou junto” com a sociedade e que poderia levar a uma solução melhor do que atual (maior bem-estar social)?
Democracia pressupõe contraditório, debate de ideias, exposição à sociedade de um projeto alternativo para o País, portanto! E é neste ponto que se insere a mal interpretada (pela imprensa) colocação do ex-presidente sobre o olhar para os movimentos da sociedade, do “povão”, da “nova classe média”, do consumo e da economia. O que a política tem a oferecer? Como as instituições irão modernizar-se a fim de legar a estes cidadãos a contínua melhoria de seu bem-estar? Serão os programas de transferência de renda e a manutenção da estabilidade macroeconômica os únicos esteios deste processo?
“Oposição tem que ter conteúdo!” – quase é possível ouvir das linhas da revista o grito de FHC às topeiras que insistem em “tucanar-se uns aos outros” como babacas perdendo um pleito atrás do outro. É a necessidade de ter um conteúdo com uma mensagem: “Por certo, os oposicionistas para serem ouvidos precisam ter o que dizer. Não basta criar um público, uma audiência e um estilo, o conteúdo da mensagem é fundamental. Qual é a mensagem?”
Um dos pontos importantes ressaltados por Fernando Henrique e que me parece que poderia ser o cerne da “nova” posição tomada pelo PSDB e pela oposição é acerca do papel do Estado. Não é uma posição propriamente nova porque, quando esteve à frente do País, pelo mesmo PSDB, Fernando Henrique não levou adiante as ideias atrasadas do desenvolvimentismo guiado pelo BNDES, como se está fazendo agora, com a política expansionista que eleva a dívida e pressiona a inflação (ver artigo “O passado impregna a política fiscal“, de Mailson da Nóbrega e Felipe Salto, no Valor Econômico). Fez, sim, o ajuste fiscal necessário, as mudanças institucionais no campo das finanças públicas, com destaque para a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) e as metas para o superávit primário do setor público, que foram seguidas por seu sucessor.
Fez, sim, as privatizações e inseriu na agenda do Estado brasileiro uma verdadeira agenda que se pode e se deve chamar de liberal. Foi esta a agenda que, com sucesso evidente e comprovável, produziu resultados econômicos hoje vivenciados por todos nós – crescimento econômico com estabilidade e distribuição de renda. É uma pena a história nunca permitir o contrafactual, e a credibilidade da econometria (instrumento estatístico dos economistas) ainda ter apelo tão baixo ante o grande público (em boa medida por nossa incapacidade na transmissão da mensagem dos números, mas esta é outra conversa… Quem sabe para novo artigo, se o editor aprovar e a política deixar).
Ainda sobre um Estado mais eficiente, que preze pelas boas práticas de gestão e eficiência e pelo respeito ao dinheiro público, FHC vai além e produz reflexões que eu considero “brilhantes”: “Os governos devem tornar claros, transparentes, e o quanto possível imunes à corrupção, os mecanismos econômicos que cria para apoiar o desenvolvimento da economia. Um Estado moderno será julgado por sua eficiência para ampliar o acesso à educação, à saúde e à previdência social, bem como pela qualidade da segurança que oferece às pessoas. Cabe às oposições serem a vanguarda nas lutas por estes objetivos. (…) Defender o papel crescente do Estado nas sociedades democráticas, inclusive em áreas produtivas, não é contraditório com a defesa da economia de mercado. Pelo contrário, é preciso que a oposição diga alto e bom som que os mecanismos de mercado, a competição, as regras jurídicas e a transparência das decisões são fundamentais para o Brasil se modernizar, crescer economicamente e se desenvolver como sociedade democrática.” (Grifos meus.)
E, finalmente, eis o recado final que deveria ser pregado nos gabinentes, nas cabeceiras das camas, nos palanques, nos diretórios, nas cozinhas, nos armários, nos carros e em todos os lugares visíveis pelos quais os oposicionistas deste País passam e caminham e vivem – “Em suma: não há oposição sem ‘lado’. Mais do que ser de um partido, é preciso ‘tomar partido’.” E tomar partido é abraçar o partido, lutar por ele, “unidade na ação”, já dizia alguém do PT. Mas é preciso unidade no discurso e na ação. Tem que ser nos dois. E vou além: é preciso inovação e renovação nas ideias e unidade no discurso e na ação. Eis um lema muito bom que poderia servir à falida oposição que, espero, se reconstrua e, espero com fervor, siga Fernando Henrique Cardoso e suas ideias iluminadas.
Mas não paro por aqui. Suas ideias iluminadas, FHC, não podem ficar no campo teórico. Têm que passar para a ação, como já mencionei, pelas mãos de seus pares e de todos os oposicionistas e demais organizações e parcelas da sociedade que se veem pouco representadas pelo projeto de poder conduzido pelo PT. Mas não só por eles, não é isso?
Se é isso (e é isso), ajoelhou, tem que rezar, FHC! Faça política partidária! 80 anos? E daí? Atue nos diretórios, na imprensa, na televisão, na internet, no Youtube, onde quer que seja! Influencie! Não deixe o partido que você colocou na Presidência e, muito mais do que na Presidência, nos corações de milhões de brasileiros, através de sua figura pessoal, e que ajudou a construir um grande legado ao País, morrer nas mãos de pessoas competentes, sim (algumas delas, que contamos nos dedos), mas que estão cegas pela busca do poder pelo poder! Se decidir pela ação, e não só pelo discurso, conte comigo.
Economista pela FGV-EESP e mestrando em adm. pública e governo pela FGV-EAESP, é cofundador do Instituto Tellus. Colabora com veículos como O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Valor Econômico.
Fonte: Amálgama
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