O retrato de Dorian Gray, Oliver Parker, 2009.
Crítica: O retrato de Dorian Gray, Oliver Parker, Reino Unido, 2009, cor, 112 min.Fac-símile do único romance de Oscar Wilde, o filme tenta resgatar o tema do pacto faustiano no ambiente lúgubre da Londres vitoriana. O herói do título vende a alma ao diabo, em troca das únicas coisas que valeriam a pena ter: beleza e juventude. E para sempre: o retrato envelhece no lugar do retratado, e vai absorvendo as marcas e agruras sucessivamente sustentadas por Dorian. Rica de sentidos e interpretações na literatura, o diretor Oliver Parker achata a história num pastiche de horror de segunda mão e pornô soft. Alguns cortes secos na elaboração do ritmo e planos em primeira pessoa esboçam pretensão autoral, mas ela rapidamente submerge no oceano de macetes e clichês.
Tudo neste longa resta bastante artificial e óbvio: orgias com cobras e danças africanas, ruas cinzentas com mendigos e assassinos, mansão com sótão mal-assombrado, pesadelos misteriosos em flash-back. A reconstituição de Londres com CGI reforça o chavão geral: o fog, as chaminés, o lúgubre Tâmisa, uma atmosfera sinistra onde Jack Estripador poderia surgir de qualquer esquina.
Os personagens retraem a pálidos reflexos. A alma torturada do Dorian original reaparece em ceninhas básicas de choro. O pintor Basil enquadrado numa espécie de “homonormatividade”, tão dissonante à obra de Wilde. O filme também revisita Lord Henry Wotton, agora um aristocrata amargurado e hipócrita, que manipula o protagonista. Até poderia funcionar, não fosse o roteiro, que chega a colocá-lo fazendo apostas sobre o desempenho sexual do pupilo (uma das piores seqüências). Se o Lord Henry interpretado por George Sanders, na versão em preto-e-branco de 1945, lia Flores do Mal, este parece viciado em canais pornôs B. De fato, sem rascunho de lascívia, as cenas (pretensamente) eróticas perdem até para séries televisivas da BBC e novelas “globais”.
A impressão que fica é de que Parker adaptou O retrato de alguma sinopse para vestibulandos preguiçosos. Se o romance de 1890 abordava desde o estatuto da arte representativa até as relações de classe e sua imagem, no coração do capitalismo industrial; o filme de 2009 é tão oco quanto o personagem epônimo, e ainda por cima sem charme. Como diria o escritor, não é questão de ser moralista: é ruim mesmo.
Incrível como basta invocar títulos da boa literatura que qualquer charlatão com uma câmera consegue levar-nos ao cinema.
Fonte: Quadrado dos Loucos
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