maio 06, 2011

"Mapuches duelam contra o fantasma Pinochet", por Luís F. C. Nagao

PICICA: "Contra as condenações, que consideram ilegítimas, os indígenas mobilizaram-se. A greve dos quatro presos políticos mapuche (chamados de “PPM”) já dura cinqüenta dias. Durante a missa da páscoa, manifestantes interromperam a celebração: foram detidos quando estavam a caminho do altar para pedir a libertação dos PPM. No primeiro de maio, a luta pela revisão das sentenças foi um ponto alto das manifestações de trabalhadores."

Mapuches duelam contra o fantasma Pinochet



Reprimidos, indígenas chilenos recorrem a mobilização internacional e greve de fome. Ação pode vencer leis repressivas que sobreviveram à ditadura

Por Luís F. C. Nagao, colaborador de Outras Palavras

A luta secular dos índios mapuches para que o Chile reconheça suas terras e cultura alcançou uma pequena vitória no último dia 2. Depois de ampla mobilização, a Corte Suprema aceitou considerar pedido de anulação de um julgamento que sentenciou quatro indígenas a prisão de 20 a 25 anos, por delitos banais. A sessão que poderá rever as penas está marcada para 12 de maio. Além da opressão secular contra os mapuches, estará em foco a manutenção, no país, de leis herdadas da ditadura Pinochet. Os quatro condenados permanecem em greve de fome.

Membros da Coordenação de Comunidades em Conflito Arauco-Malleco (a CAM), Héctor Llaitul, Ramón Llanquileo, Jonathan Huillical e José Huenuche são personagens de algo novo na sociedade chilena: as ações direta de resistência indígena pela reconquista de suas terras. Desde 1998, a organização a que pertencem promove – muitas vezes com êxito – ocupações de terras, em seguida reconvertidas à produção de alimentos. Os ocupantes falam seus próprios idiomas e praticam a religião autóctone. Em Tranicura, extremo sul do país, suas reuniões, mescla de encontros políticos e festas, são conhecidas como trewun. Reúnem cerca de cem pessoas, que se deslocam a pé ou de micro-ônibus. As crianças brincam na terra, adultos jogam palín, mulheres cozinham a lenha e todos se alimentam de carne. O consumo de álcool é proibido. Sentados em círculos representantes discutem os problemas das comunidades. Para renovar as forças para continuar as lutas invoca-se antepassados e a nagmapu (mãe terra).

É muito mais que folclore. As ações já conseguiram, segundo o site Sin Permiso, recuperar 17 mil hectares antes ocupados por empresas florestais. Numa delas, que resultou na conquista de 500 hectares, os índios chegaram e avisaram que ficariam por lá. A polícia foi acionada e houve confronto: várias tentativas de reintegração de posse foram feitas sem êxito.

Para evitar que a luta se espalhe, a justiça é acionada. A tática principal dos proprietários de terra é pedir a condenação exemplar de indígenas que possam servir como bodes expiatórios. Os quatro presos em greve de fome foram acusados de suposta tentativa de ataque a um fiscal e roubo com intimidação a um agricultor. Bastante nebuloso, o processo resultou em condenações drásticas. Para alcançá-las a acusação serviu-se de leis instituídas por Pinochet e ainda não revogadas. Adotada a pretexto de “combater o terrorismo”, a legislação abriga procedimentos jurídicos esdrúxulos. Um deles é a figura das testemunhas anônimas – que não podem ser questionadas pela defesa, mas cujo depoimento a acusação usa como “prova”. Além disso, a lei estabelece prisões preventivas e penas extremamente largas. Para a porta-voz dos encarcerados, Natividad Llanquileo, a norma precisa ser revogada: sua existência é contrária a qualquer protesto social e pode ser invocada contra estudantes, professores e outras organizações.

Contra as condenações, que consideram ilegítimas, os indígenas mobilizaram-se. A greve dos quatro presos políticos mapuche (chamados de “PPM”) já dura cinqüenta dias. Durante a missa da páscoa, manifestantes interromperam a celebração: foram detidos quando estavam a caminho do altar para pedir a libertação dos PPM. No primeiro de maio, a luta pela revisão das sentenças foi um ponto alto das manifestações de trabalhadores.

A resistência é resposta às contínuas pressões que os Mapuches – um dos oitos povo nativos do Chile – continuam sofrendo, 500 anos após a chegada dos europeus. Há décadas, a política econômica prioriza a exportação de matérias-primas. Para expandir a exploração de madeira e minérios (cobre, especialmente), as duas principais fontes de divisas, empresas avançam sobre as terras dos povos originais. Sua auto-defesa foi criminalizada, segundo conta a socióloga Ariane Chenard. Policiais militares que cometem violência e morte contra mapuches têm permanecido impunes.

Mapu-che literalmente quer dizer “pessoa da terra”. Na ,prática significa povo humilhado e oprimido. Há séculos, lutam pela autodeterminação de seu povo. Uma ofensiva armada contra eles 1883 reduziu seu território de 10 milhões de hectares para 500 mil. Foi chamado de “Guerra de Pacificação”…

Nos anos setenta, a reforma agrária de Allende melhorou um pouco a situação. Porém, o governo de Pinochet liberou a invasão das empresas florestais – mascarada por uma política de assistência que teve apoio de alguns ponkos (dirigentes mapuches). Encerrada a ditadura, uma “lei indígena” criou, em 1993, a Corporação Nacional de Desenvolvimento Indígena (Conadi). Mas na prática, a situação não melhorou. A falta de meios de investimentos fez com que somente 375 mil hectares fossem regularizados. Sempre, terra de má qualidade.

Ao mesmo tempo, deu-se extraordinário avanço da atividade florestal – especialmente, com as famílias Matte e Angelini, que exportam celulose ao Japão e que detinham juntas 2,6 milhões de hectares, em 2006. Diante desse quadro muitos mapuches deslocam-se para as cidades em busca de empregos, quase sempre desqualificados. Muitos homens são obrigados a trocar de nome, evidência do processo de aculturamento e a discriminação presente na sociedade chilena.

Fonte: Outras Palavras

Nenhum comentário: